Revista Exame

Por que privatizar

No debate eleitoral o Brasil jogou fora uma oportunidade de avaliar com racionalidade os resultados do programa de desestatização -- e eles são amplamente positivos para a economia do país

Usina de Itaipu: privatização poderia trazer mais recursos para a geração de energia elétrica (--- [])

Usina de Itaipu: privatização poderia trazer mais recursos para a geração de energia elétrica (--- [])

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h25.

Depois de anos de esquecimento, o tema das privatizações voltou à pauta das discussões nacionais -- e pelo pior ângulo possível, o estritamente ideológico. Na reta final do segundo turno, numa calculada estratégia eleitoral, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, acusou seu adversário, Geraldo Alckmin, do PSDB, de pretender vender estatais como Petrobras, Banco do Brasil e Correios, e ainda declarou que não teria privatizado nem a Vale do Rio Doce nem a Telebrás -- justamente dois dos melhores exemplos de sucesso do programa de desestatização do governo Fernando Henrique Cardoso. O candidato tucano se retraiu. Com medo de perder votos -- uma pesquisa mostra que 70% dos eleitores são contra a venda de estatais -- , chegou a posar para fotos usando uma jaqueta com o logotipo de várias estatais. Ninguém se dispôs a olhar um único indicador referente ao resultado das privatizações para a economia e para a população -- e, assim, o país jogou fora uma fantástica oportunidade de avaliar, com racionalidade, se elas ajudam ou atrapalham o Brasil, e decidir se devem ser retomadas ou mantidas no limbo em que se encontram atualmente.

Melhora indiscutível
Os indicadores comprovam que a privatização gerou ganhos de eficiência, de qualidade de serviços e de número de empregos em diversos setores e empresas. Confira como era e como ficou
SETORES
Siderurgia
Investimentos
 (em bilhões de dólares)
19910,3
20051,9
Produtividade
 (em toneladas por trabalhador por ano)
1991188
2005377
Empregos
199169000
200595100
Telefonia
Telefones fixos e celulares em uso
 (em milhões)
199723
2006(2) 137
Preço da linha telefônica fixa
 (em dólares)
1997(1) 4000
2006(2) Zero
Empregos
199791000
2006(2) 316500
(1) Média nacional no mercado paralelo (2) Em agosto
Distribuição de energia elétrica
Interrupções no fornecimento de luz
 (em vezes por ano)
199721
200512
Total de residências atendidas
199792%
200597%
Empregos
199765300
2005115000
Obs.: os dados referem-se exclusivamente às empresas privatizadas de cada setor. Nos setores em que houve grande terceirização de atividades (siderurgia, telefonia, ferrovias), são considerados os totais de empregos diretos e indiretos após a privatização

Uma análise cuidadosa dos fatos mostra que os efeitos da privatização foram positivos (veja quadros). "A privatização trouxe melhoria de serviços, redução da dívida pública e crescimento de vários setores, antes tolhidos por serem estatais", afirma o economista Armando Castelar Pinheiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Livres das rédeas do Estado e da influência política, antigas estatais reverteram resultados negativos ao estabelecer planos claros de crescimento, reduzir o quadro de funcionários e modernizar a gestão. Várias também receberam injeção de recursos dos novos controladores. "Recuperar as estatais da situação insustentável em que estavam foi o mais importante objetivo das privatizações", diz Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). "Outra meta era dar a essas empresas condições de concorrer com as de outros países." Antes da privatização, a Vale do Rio Doce era a nona mineradora do mundo. Hoje é a segunda. A Embraer estava à beira da falência quando foi a leilão, em 1995. Hoje é a terceira maior fabricante mundial de aviões. Sob o comando da iniciativa privada, a Embraer passou por um ajuste brutal, impossível de ser feito numa companhia regida pelos princípios do Estado. Foi isso que a colocou na posição de empresa de classe mundial. Guinadas como essas são tarefas para executivos profissionais -- não para políticos, que chegam e vão embora de acordo com o resultado das eleições. Maurício Botelho, presidente da Embraer, está no cargo há 12 anos. Roger Agnelli, da Vale, há cinco.

SETORES
Ferrovias
Volume transportado
 (em milhões de toneladas por quilômetro)
1992218
2005392
Investimentos
 (em bilhões de reais)
19960,3
20053,3
Empregos
199242100
200530200
Portos
Preço para movimentação de contêineres(1)
 (em dólares)
1993600
2005288
Movimentação de contêineres(1)
 (em toneladas por hora)
199313
200529
Movimentação de carga(2)
 (em milhões de toneladas por ano)
1993257
2005411

(1) Nos terminais privados de Santos (2) Nos terminais privados de todo o país

EMPRESAS
Vale do Rio Doce
Investimentos
 (em bilhões de dólares)
19970,4
2006(1) 4,6
Valor de mercado
 (em bilhões de dólares)
19978
2006(1) 60
Empregos
199711000
2006(1)40000
(1) Antes da aquisição da Inco
Embraer
Resultado
 (em milhões de reais)
1994-321
2005709
Número de aviões entregues no ano
19944
2005141
Empregos
19946100
200517000
Obs.: os dados referem-se exclusivamente às empresas privatizadas de cada setor. Nos setores em que houve grande terceirização de atividades (siderurgia, telefonia, ferrovias), são considerados os totais de empregos diretos e indiretos após a privatização

Fontes: IBS, Anatel, Abradee, ANTF, Antaq,Vale do Rio Doce,
Embraer, ABCR, Abiquim e BNDES

Uma história parecida aconteceu com o setor siderúrgico, cuja presença estatal foi fundamental para consolidá-lo nas décadas de 60 e 70, mas também quase o levou à lona nos anos 80. A bancarrota parecia ser o destino da CSN, que pouco antes de ser vendida, em 1991, registrava prejuízo de 1 milhão de dólares por dia. Repetindo: 1 milhão de dólares do contribuinte escorrendo pelo ralo todos os dias. "As estatais foram usadas para alavancar o crescimento de outros setores, como o automobilístico, vendendo aço abaixo do custo de produção", diz Marco Polo Lopes, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Siderurgia. "A transferência de renda da siderurgia para outras indústrias chegou a inacreditáveis 17 bilhões de dólares." Oito empresas vendidas e 15 anos depois, o cenário do setor é outro: os investimentos cresceram 458%, a produção de aço, 39%, e o faturamento, 146%. Para os cofres públicos, que foram obrigados a aportar 20 bilhões de dólares antes da privatização, também foi um alívio. Em 1992, as siderúrgicas estatais pagaram apenas 42 milhões de dólares de imposto de renda. No ano passado, recolheram 1,7 bilhão à Receita.

Entre os setores que deixaram de ser um fardo para o Estado, destaca-se o financeiro. Para manter 23 bancos estaduais funcionando, o contribuinte gastou 50 bilhões de dólares nos anos 90. Só o Banespa, banco estatal paulista, levou o Tesouro nacional a emitir 32 bilhões de dólares em títulos para cobrir seu rombo. "Quando era do governo paulista, empréstimos feitos para empresas estaduais, como a Dersa e a Ceagesp, não eram honrados e o Banespa operava com um balanço fictício", diz Carlos Coradi, presidente da consultoria EFC. Vendido ao espanhol Santander há seis anos, o Banespa incorporou outros bancos privatizados e atualmente fecha balanço no azul. Ainda que volte a ter prejuízo, isso não é mais problema dos contribuintes.

Parte da aversão que a privatização desperta na população resulta do efeito que tem sobre o emprego. Segundo a versão corrente, as empresas privatizadas costumam promover demissões em massa. Os números mostram uma realidade mais complexa. De fato, há setores que perderam postos de trabalho depois da desestatização. Isso ocorreu em indústrias que passaram por mudança tecnológica, como a petroquímica. Mas essa não foi a regra. A privatização estimulou um rápido crescimento das companhias -- com o correspondente aumento de mão-de-obra. O quadro de pessoal da Vale do Rio Doce, por exemplo, foi multiplicado por quatro e o da Embraer por três. Além disso, o emprego floresceu não apenas nas empresas privatizadas, mas em prestadoras de serviço que surgiram com o processo. A Telebrás empregava diretamente 91 000 pessoas. Hoje, as empresas de telefonia têm um quadro direto menor -- 80 000 empregados --, mas as prestadores de serviço somam 186 000 funcionários, fora os 50 000 que atuam nas revendas. O mesmo fenômeno ocorreu na maioria dos setores privatizados. Nos 9 800 quilômetros de estradas concedidas trabalham direta e indiretamente 18 300 pessoas, em postos que não existiam quando as rodovias eram públicas.

A lista das estatais
Na esfera federal, o Brasil conta com 135 empresas estatais. Há ainda dezenas de controladas por estados e municípios
Transportes
Poderiam ser privatizados pelo menos 10 500 km de rodovias federais, operadoras metroviárias em várias capitais e oito companhias de gestão dos portos
Setor elétrico
As estatais ainda respondem por 34% da distribuição de energia elétrica no país. Na geração, 72% das empresas são estatais, a maioria sob o guarda-chuva da Eletrobrás
Bancos e resseguro
O governo federal administra sete bancos, entre eles Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, e o IRB, instituto que detém o monopólio dos resseguros no país
Saneamento
Apenas 5% das empresas do setor são privadas.A maioria das concessões de serviços está nas mãos de empresas estaduais e municipais
Petrobras
Maior empresa do país, a Petrobras vale cerca de 90 bilhões de dólares na bolsa e tem 48 subsidiárias, como a BR. O governo federal detém 23% do capital do grupo
Correios
Com o monopólio de distribuição de correspondências, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos teve faturamento bruto de 3,4 bilhões de dólares em 2005

Talvez o principal argumento a favor das privatizações seja o benefício que geram em termos de eficiência da economia. "No mundo inteiro, estatais são menos eficientes, pois é inexorável que sejam usadas com interesses políticos", diz Elena Landau, ex-diretora da área de privatização do BNDES. As empresas que compraram as malhas da Rede Ferroviária Federal -- típica estatal com muitos funcionários e pouco investimento -- hoje transportam 80% de carga a mais. Para dar conta desse aumento, a indústria de equipamento ferroviário renasceu: o número de vagões produzidos saltou de 200 em 1992 para 7 500 em 2005, o que representou a construção de quatro novas fábricas e a criação de 30 000 empregos. Da mesma forma, os terminais portuários administrados por empresas privadas reduziram à metade o custo de movimentação de contêineres. As empresas telefônicas investiram 160 bilhões de reais e multiplicaram por seis o número de telefones no Brasil. Nesses casos, o mais importante não é o efeito nas ex-estatais, mas o benefício gerado para milhares de empresas e milhões de pessoas que passaram a contar com um serviço antes inexistente ou, na melhor das hipóteses, precário. Há poucos anos, telefone era artigo para as chamadas elites. Em 1998, ano da privatização da Telebrás, 25% das residências brasileiras tinham linha telefônica. Hoje, 68% têm telefone fixo ou celular.

Deixando as questões ideológicas de lado, o histórico das privatizações sugere que elas deveriam voltar à tona. Existem ainda 135 estatais federais -- número que cresceu no governo Lula, que recebeu 106 empresas do antecessor. "Ainda dá para desidratar bastante o peso do Estado na economia", afirma Cláudio Haddad, presidente da escola de negócios Ibmec São Paulo. Estima-se que apenas com a venda de seis estatais -- Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Correios e IRB Resseguros -- o governo arrecadaria 200 bilhões de reais. A venda dessas empresas permitiria abater 20% da dívida pública, e o país economizaria 30 bilhões de reais em juros por ano. O governo poderia lançar mão de diferentes modelos de privatização, não apenas a venda de participação acionária. Uma opção seria a pulverização do capital em bolsa de valores, como foi feito com a Petrobras. Em 2000, 337 000 pessoas físicas -- muitas usando o FGTS -- compraram 49% das ações da petrolífera, e a União ficou com os 51% necessários para manter o controle. Em alguns setores, a opção é a concessão pública, como a das rodovias. Há ainda as parcerias público-privadas (PPPs), contratos em que o setor privado se torna sócio do Estado no fornecimento de obras e serviços à população. Discutir os prós e os contras de cada modelo seria mais produtivo ao país -- mas esse é um debate que ninguém parece disposto a fazer. Ao contrário, ao descartar na véspera das eleições a venda de quaisquer ativos do governo, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, deixou claro que o assunto terá de esperar pelo menos mais quatro anos para voltar à pauta.

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