Idosos fazem ginástica no Japão: o país tenta atrair estrangeiros para impulsionar a economia (Yoshikazu Tsuno/AFP)
Da Redação
Publicado em 27 de julho de 2017 às 05h55.
Última atualização em 30 de agosto de 2017 às 17h01.
Tóquio – O indiano Anurag Nandi e o japonês Kosetsu Inaba habitam dois mundos diferentes, embora ambos morem em Tóquio. Nandi, de 25 anos, chegou à capital japonesa em fevereiro, vindo do estado americano de Indiana, onde se graduou em engenharia aeroespacial pela Universidade Purdue. Foi contratado pela startup Axelspace, uma fabricante de minissatélites. Ele viu a vaga para engenheiro pela internet e conta que foi fácil conseguir o visto de trabalho para o Japão, país que tem fama de resistir à aceitação de imigrantes. “Eu me inscrevi online e meu visto saiu em uma semana.”
A história de Nandi é parte do Abenomics 2.0, plano lançado pelo primeiro-ministro Shinzo Abe em 2015 e que buscou, entre outros objetivos, atrair profissionais estrangeiros para tentar dinamizar a economia japonesa. Dos 26 funcionários em tempo integral da Axelspace, cinco são estrangeiros: além de Nandi, há um francês, um italiano, um americano e um malaio.
Já o japonês Inaba, de 40 anos, trabalha há 16 anos na área de marketing de uma fabricante de hardware, cujo nome ele pediu para não ser publicado. Foi o primeiro lugar em que trabalhou e, pela tradição japonesa de empregos vitalícios, seria o único — não fossem as incertezas da economia. “Amo a empresa por causa da estabilidade e da segurança, mas estou preocupado porque, se um dia perder o emprego, não estou preparado para disputar espaço no mercado”, diz Inaba, embalado pela cerveja e pelos aperitivos num bar do bairro boêmio de Shimokitazawa, em Tóquio.
Tecnicamente, o Japão é um país em pleno emprego — o índice de desemprego, de 2,8%, é o menor dos últimos 22 anos. Mas os salários são relativamente baixos. Tanto Anurag quanto Inaba ganham 4 000 dólares brutos, pouco para o custo de vida local. Salários baixos combinados com a insegurança — hoje, apenas 20% dos trabalhadores ficam a vida toda na mesma empresa, e cerca de um terço tem contrato por tempo determinado — resultam em consumo fraco e paralisia econômica.
Com uma população que encolhe 94 000 habitantes por ano, o Japão é o exemplo extremo do baixo crescimento nas economias avançadas. Ao lado dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, o Japão tem crescido de 1% a 2% ao ano, quando não amarga uma estagnação ou mesmo uma recessão. Essa situação, que se arrasta desde 2008, tem dividido os economistas entre duas leituras: a de que ainda estamos sofrendo os reflexos da crise financeira internacional e a de que atravessamos algo mais estrutural e profundo, chamado “estagnação secular”.
Há os que se colocam entre os dois extremos da interpretação, como o economista britânico Adair Turner, professor na London School of Economics. “Nesse debate, o fato observável relevante é que, desde a Segunda Guerra Mundial até 2008, o capitalismo entregou uma melhora do PIB per capita, e todas as grandes economias desenvolvidas se beneficiaram. De lá para cá, elas têm tido um crescimento per capita relativamente baixo, em torno de zero na zona do euro.”
Uma consequência é que, nesses países, há um grupo de pessoas cuja renda não aumenta há dez anos. Como tudo na economia, é um fenômeno com consequências políticas também observáveis. “Quando o capitalismo não entrega resultados há uma década e falta esperança, a população recorre ao populismo de figuras como Donald Trump e Marine Le Pen”, diz Turner.
Uma das teorias que tentam explicar o que está ocorrendo nas economias ricas parte de uma questão financeira: os países se endividaram tanto antes de 2008 que têm imensa dificuldade de sair dessa situação. E, quanto mais longo for esse período de crescimento baixo, mais tende a se tornar um problema estrutural. Há quatro anos, o economista americano Lawrence Summers lançou o debate atual sobre estagnação secular, trazendo de volta o conceito formulado por Alvin Hansen no período da Grande Depressão. A discussão ganhou força com a constatação de que, mesmo com os estímulos fiscais generosos, as economias centrais não apresentaram uma recuperação rápida e seguem a passo vagaroso.
O economista Robert Gordon, da Universidade Northwestern, prevê que o crescimento per capita dos Estados Unidos cairá da média anual de 2%, que prevaleceu de 1891 a 2007, para 0,9%, de 2007 a 2032. Gordon atribui essa queda a quatro fatores: o envelhecimento e a redução da população; o desestímulo para completar o ensino superior, por causa do alto custo das anuidades e do endividamento dos estudantes; o aprofundamento da desigualdade; e o aumento da relação entre a dívida pública e o PIB, que poderá chegar a 150% nos Estados Unidos na década de 2030.
“Não é de hoje que existe o entendimento de que as economias mais ricas tendem a crescer menos”, diz Armínio Fraga, sócio da gestora Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central. “É mais difícil crescer quando se está na fronteira da produtividade.” Para Fraga, a questão mais relevante não é quanto os países europeus, os Estados Unidos e o Japão estão crescendo, mas o que acontece com alguns segmentos da população. Em países como Espanha, França e Itália, o índice de desemprego é alto, sobretudo entre os jovens.
Há outro bloco de teses que explicam a perda de gás da economia por fatores que levam à redução da necessidade de investimento das empresas, entre eles as mudanças demográficas e o avanço da tecnologia e das comunicações. “O crescimento baixo como algo estrutural, em vez de cíclico, está associado a uma diminuição das descobertas tecnológicas”, afirma Samuel Pessôa, professor de economia na Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro. “Estamos num período de progresso tecnológico mais lento no mundo. Portanto, a economia em plena atividade cresce menos, gera menos consumo, mais poupança e menos oportunidade de investimento.”
Por esse raciocínio, se o crescimento é mais fraco, as pessoas tendem a se prevenir, poupando mais e consumindo menos. Esse balanço de investimento menor e poupança maior faz o juro, que equilibra a oferta e a demanda, cair. No limite, o juro pode se tornar negativo, como ocorre no Japão e na zona do euro. “Juro abaixo de zero é um problema porque dificulta a manutenção da economia a plena carga”, diz Pessôa. “Essa é a estagnação secular.”
E como sair dela? Para a americana Catherine Mann, economista-chefe da OCDE, clube dos 35 países mais industrializados do mundo, as receitas variam de país para país, mas, de maneira geral, os governos deveriam melhorar o ambiente de negócios para aumentar a competitividade das empresas, ajustar as leis trabalhistas, aprimorar os sistemas financeiros e estimular a inovação. No caso do Japão, Mann elogia as medidas tomadas para incentivar idosos e mulheres a trabalhar mais. O país está facilitando a entrada de empregadas domésticas asiáticas — como filipinas e vietnamitas — para atender a dois objetivos de Abe: aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho e incentivá-las a ter filhos.
Mas o governo Abe também é alvo de críticas. “Ele está só expandindo o gasto público e afrouxando a política monetária, o que não é sustentável”, afirma Osamu Katano, economista sênior do banco de investimento do conglomerado Mitsui. Segundo ele, ninguém sabe qual é a saída para a estagnação. “Há dez ou 20 anos, a resposta era exportar para os países emergentes, mas hoje não há mais mercados crescendo tanto quanto antes.” As exportações representam 18% do PIB do Japão, e o país depositava grande esperança na Parceria Transpacífica.
Abe, que já se reuniu duas vezes com Trump, tem tentado convencer o presidente americano da importância do acordo, cuja proposta é uma herança de Obama. Igualmente, as empresas japonesas estão preocupadas com um possível fim do Acordo de Livre Comércio da América do Norte, o Nafta. “Nissan, Toyota e Honda têm grandes filiais no México para atender os mercados mexicano e americano”, diz Kotaro Horisaka, economista da Universidade de Sophia, em Tóquio.
Demonizado por líderes populistas em busca de votos dos trabalhadores prejudicados pela migração de empresas dos países ricos para os pobres, o comércio é visto pelos economistas como uma saída para a estagnação, embora eles apontem que os benefícios são difusos e que há perdedores. A recente onda antiglobalização não ajuda, mas é certo que voltar a buscar mais integração — em vez do isolamento — é uma das soluções que o mundo vai precisar para que o crescimento baixo não se fixe como o novo normal.