Fábrica da Peugeot-Citroën, no Rio de Janeiro: nenhuma das grandes montadoras quer ficar de fora do mercado brasileiro (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 15 de maio de 2012 às 09h47.
São Paulo - Talvez pela relação próxima do partido do governo, o PT, com sindicatos de metalúrgicos que trabalham em montadoras do ABC paulista. Talvez pela importância do setor na economia brasileira. Talvez por algum outro motivo menos evidente.
O fato é que a indústria automobilística é constantemente agraciada com pacotes de incentivo desde que o ex-presidente (e ex-líder sindical forjado em portas de fábricas de carros) Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o poder, em 2003. E não tem sido diferente com a presidente Dilma Rousseff.
Com bandeiras nacionalistas e de defesa do emprego, o Brasil taxa em 35% os carros estrangeiros — alíquota máxima permitida pela Organização Mundial do Comércio. E, do ano passado para cá, impôs barreiras à importação do México e aumentou o imposto sobre produtos industrializados de montadoras que usam menos de 65% de insumos nacionais na produção.
No anúncio de um pacote para “salvar” a indústria brasileira, no começo de abril, as fabricantes de veículos não ficaram de fora. O novo regime automotivo, que entrará em vigor em 2013, intensifica as medidas protecionistas e torna mais rígida a obrigatoriedade do uso de insumos e peças nacionais.
O curioso é que a ajuda ocorre num momento em que o setor automotivo esbanja investimentos. No período de 2011 a 2015, a previsão é que 22 bilhões de dólares sejam gastos por montadoras que planejam ampliar a produção ou construir novas fábricas no Brasil. A situação parece paradoxal.
A contradição, porém, é apenas aparente. Na verdade, uma situação está apoiada na outra — há muitos investimentos, em larga medida, porque há proteção. Resta saber até que ponto é um arranjo benéfico para o país.
Carros são bem-vindos no Brasil desde a década de 20, quando o presidente Washington Luís disse que governar era “abrir estradas”. De lá para cá, governantes beneficiam constantemente esse setor, que responde por quase um quarto do PIB industrial, gera bilhões de reais em impostos e mantém cerca de 1 milhão de empregos em sua cadeia de produção e serviços.
As duas grandes fases anteriores de investimentos no setor, a primeira entre as décadas de 50 e 70 e a segunda no fim dos anos 90, foram impulsionadas por incentivos públicos, como isenção fiscal, concessão de terrenos e crédito barato. Atualmente, vivemos a terceira — e maior — onda de investimentos das montadoras.
Cinco fábricas estão sendo construídas e há mais quatro projetos. Além disso, oito marcas que ainda não produzem no país, como BMW e Chrysler, estudam se instalar por aqui. Se as intenções se confirmarem, o número de empresas que montam carros (sem contar as de caminhões e ônibus) no Brasil passará de 12 para 25.
Isso nos colocará na terceira posição no mundo em número de montadoras, depois de China, que tem 65, e Estados Unidos, com 27. Hoje, o Brasil é o quinto país no ranking, atrás de Índia e Japão.
Um grande mercado afluente faz do Brasil um dos destinos mais atraentes do mundo para empresas de bens de consumo. A classe B, responsável pela compra de 52% dos carros vendidos no país, já é formada por 15 milhões de famílias. Somadas, elas têm 750 bilhões de reais disponíveis para o consumo — cifra que está em franca expansão.
Diferentemente do que ocorre em outros países, boa parte de nossa população ainda anda a pé. Há 155 carros para cada 1 000 pessoas no Brasil. A proporção na Itália é de 690 para 1 000 pessoas e, nos Estados Unidos, 815. Tudo isso leva a mais projeções otimistas de vendas.
Embora os números tenham caído no primeiro trimestre do ano, a expectativa é fechar 2012 com crescimento de 5%, taxa que deve se manter nos próximos anos. Em 2015, as vendas de automóveis podem alcançar 4 milhões de unidades. “O Brasil ainda tem muito a crescer.
Por isso, é estratégico para o nosso grupo”, afirmou o presidente mundial do grupo francês PSA, Philippe Varin, responsável pelas marcas Peugeot e Citroën, durante visita recente ao país. No ano passado, a PSA anunciou um plano de 2,3 bilhões de reais de 2012 a 2015, destinado a dobrar para 300 000 unidades anuais a capacidade de sua fábrica de Porto Real, no Rio de Janeiro, e expandir a rede distribuidora.
Varin não é o único que vê o potencial do Brasil. No final do ano passado, a consultoria PwC perguntou a 1 200 presidentes de empresas de 60 países quais os mercados com mais perspectivas de crescimento em 2012.
Um quarto deles aposta no Brasil, que fica atrás apenas da China, na frente de Índia, Estados Unidos e Alemanha. “O Brasil está na pauta de investimentos das maiores montadoras do mundo”, diz Paulo Petroni, sócio da PwC.
O que se apresenta como o melhor dos mundos, porém, tem seu lado obscuro. Uma pesquisa realizada pela PwC mostrou que os custos de produção aqui são, em média, 60% maiores do que os de outros países com indústria automobilística forte, como China, México e Índia.
A disparidade começa com preços de energia elétrica, gás, água e aço muito mais elevados. E segue em outros itens. Outro estudo, feito pela consultoria A.T. Kearney, revela que a mão de obra brasileira é seis vezes mais cara que a da China.
No fim das contas, um carro de motor 1.0 custa no Brasil, sem considerar o aço e as peças, 2 400 reais para ser montado — três vezes mais do que na China e próximo ao custo nos Estados Unidos e no Japão, países onde o carro compacto tem motor 1.4.
Os pacotes de bondades de Brasília não passam de formas de compensação pelos altos custos com que as montadoras — e todas as outras empresas de quaisquer setores — têm de conviver em solo brasileiro. Para elas, a aceitação de tanto ônus sobre a produção só passa a ser vantajosa quando há incentivos fiscais associados a cercas protetoras contra a competição vinda de fora.
“O Brasil não é atrativo para quem quer produzir. Por isso o governo dá incentivos fiscais e cria barreiras às importações”, diz o alemão Stephan Keese, da consultoria Roland Berger. “Sem isso, as montadoras prefeririam outros países.”
Embora a estratégia do governo pareça estar funcionando — as montadoras estão de fato vindo para cá —, o preço é, literalmente, alto demais. Restrições à competição prejudicam o consumidor, que sofre com carros de padrão inferior e entre os mais caros do mundo.
De acordo com comparação feita pela A.T. Kearney, um sedã que custa 75 000 reais no Brasil sai por 54 000 na Argentina e 38 000 nos Estados Unidos. O novo regime automotivo pode encarecer ainda mais os carros brasileiros.
“Teremos de comprar mais peças e insumos nacionais, que nem sempre são mais baratos do que os comprados na China ou na Índia”, diz Cledorvino Belini, presidente da Fiat e da Anfavea, a associação das montadoras. Belini, porém, defende o regime automotivo, que, segundo ele, tem como objetivo a criação de empregos.
Por mais que as benesses tenham efeito no curto prazo, elas são um tiro no pé. Em vez de atacar os verdadeiros (e velhos) problemas que tiram a competitividade da indústria — entre eles impostos pesados e complicados, encargos que encarecem a mão de obra e infraestrutura precária —, o governo opta por fechar mais o país à competição externa.
É um filme velho. O consumidor arca com a conta de um mercado com produtos locais, porém mais caros — além de bancar os benefícios fiscais. “Se atacássemos os problemas estruturais, competiríamos em nível de igualdade com o resto do mundo”, diz Wermeson França, economista da consultoria LCA. Sem precisar distribuir bondades a uns poucos escolhidos.