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Pobre pode ter boletim escolar de rico?

Experiências de ensino nos Estados Unidos mostram que é possível melhorar a qualidade do ensino em bairros miseráveis


	Educação: o país tem cada vez mais dinheiro para a educação mas esse dinheiro não é usado de forma eficiente
 (LuminaStock/ThinkStock)

Educação: o país tem cada vez mais dinheiro para a educação mas esse dinheiro não é usado de forma eficiente (LuminaStock/ThinkStock)

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Da Redação

Publicado em 29 de maio de 2015 às 05h56.

São Paulo - O centro das principais cidades dos Estados Unidos é para os americanos o que são as favelas para os brasileiros. Nesses bairros, 40% da população vive abaixo da linha da pobreza.

Entre os negros que vivem nessas regiões, a expectativa de vida é menor do que a do México. Metade das crianças é criada apenas pelas mães, o que as torna mais suscetíveis à pobreza. Para piorar, há pouca chance de ascensão, já que a educação é péssima; e a evasão, alta. Mais de 30% dos jovens não acabam o ensino médio

É nesse contexto que uma rede de escolas de Nova York tem conseguido resultados auspiciosos. Todas as 32 unidades da Success Academy ficam em bairros pobres, como o Harlem. Três em cada quatro alunos vêm de famílias que vivem abaixo da linha da pobreza. Ainda assim, a Success Academy tem desempenho comparável ao de escolas de bairros ricos — e muito superior à média da cidade.

Nas últimas provas de inglês aplicadas pelo governo do estado de Nova York, apenas 29% dos alunos de escolas públicas foram aprovados. Entre os alunos da Success Academy, o percentual foi de 64%. Em matemática, os resultados foram ainda melhores: 35% dos alunos de escolas públicas obtiveram o resultado mínimo, ante 94% da rede de escolas.

Fundada em 2006, a Success Academy é parte de um modelo educacional que tem ganhado força nos Estados Unidos: as chamadas charter schools, espécie de parceria público-privada para a educação. Elas recebem dinheiro público, mas são administradas de forma independente. Como não precisam contratar professores sindicalizados, podem demitir sem dor de cabeça.

Em contrapartida, têm de satisfazer algumas exigências: não podem cobrar mensalidade, são proibidas de selecionar os alunos e devem seguir o currículo estadual. “As charter foram criadas para testar novas estratégias”, diz Margaret Raymond, professora de política educacional na Universidade Stanford.

Marcação cerrada

Na Success Academy, os professores — a maioria recém-saídos da universidade — trabalham até 11 horas por dia. Vigiados por supervisores, são constantemente colocados em um ranking feito com base nos resultados dos alunos. A direção faz questão de dizer que os problemas de aprendizagem das turmas são um retrato do trabalho dos professores.

As deficiências de crianças e jovens são usadas para definir as áreas em que cada docente receberá reforço nas sessões de treinamento — uma estratégia que poderia inspirar as escolas brasileiras. Embora trabalhem no Harlem, os professores têm uma pressão comparável à de bancos de Wall Street.

A regra é clara: os de alto desempenho são promovidos; e os de baixa performance, demitidos — muitos pedem para sair. Em um ano, a rotatividade pode chegar a 50%. Nas salas de aula, os alunos são treinados à exaustão para os testes promovidos pela Secretaria de Educação estadual. Essa é a parte da receita da Success Academy que pode ser elogiada.

A parte mais polêmica é a maneira como as escolas da rede tratam as crianças e os jovens. Na porta da sala de aula é colado um cartaz com a classificação dos alunos de acordo com as notas das provas — os de pior desempenho ficam na área vermelha.

Nas aulas expositivas, os professores exigem que as crianças fiquem com a coluna ereta e com as mãos cruzadas. Vale até dar doces para os de bom comportamento. Nesse clima de extrema disciplina, uma parcela dos alunos acaba abandonando a escola — a evasão é de 50% ao longo de cinco anos.

“A Success tem uma lição a ensinar no que se refere à preparação para as provas. A saída de alunos, porém, é bastante preo­cupante”, diz Halley Potter, pesquisadora da Fundação Century. Críticas à parte, o governo do estado de Nova York tem o plano de dobrar o número de escolas da rede.

A escola The Equity Project (conhecida pela sigla em inglês TEP), outra charter de Nova York, tem um modelo que responde diretamente aos críticos da Success Academy. Atua em bairros pobres e faz questão de ter entre seus alunos, ao longo de todo o ano, a mesma proporção de crianças com dificuldades de aprendizagem encontrada em escolas públicas.

Ficar apenas com os de melhor desempenho não é uma opção. A escola foi fundada em 2008 por Zeke Vanderhoek, educador formado na Universidade Yale. Depois de trabalhar cinco anos no ensino público, Vanderhoek decidiu criar a própria escola para demonstrar na prática o que os estudiosos já sabiam na teoria: nenhum outro fator é tão importante para o aprendizado quanto a qualidade dos professores.

Por isso, paga, em média, o equivalente a 125 000 dólares por ano, o dobro do salário de um professor em Nova York. Como Vanderhoek faz questão de trabalhar com o mesmo orçamento disponível para as escolas públicas tradicionais, não aceita doações. Só conseguiu viabilizar o salário mais alto porque cortou gastos na área administrativa.

“Pago acima do mercado para poder cobrar mais”, diz. A The Equity Project, assim como a Success Academy, também demite os professores, mas num ritmo menos intenso. Todo ano, um em cada quatro perde o emprego por baixo rendimento — algo ainda impensável na rede pública brasileira, onde até docentes com excesso de faltas vivem sob a proteção da estabilidade de emprego.

De acordo com um estudo da consultoria Mathematica Policy ­Research encomendado pela fundação Bill & Melinda Gates, os alunos da The Equity Project aprendem, ao fim de quatro anos, o equivalente ao que os alunos da rede pública tradicional levam cinco anos e meio para aprender.

As escolas charter são admiradas por 70% da população dos Estados Unidos, mas apresentam desempenho desigual. Em Boston, onde estão as melhores, os estudantes aprendem matemática como se tivessem assistido a 230 dias a mais de aula do que os alunos de escolas públicas tradicionais. Já as charter de Las Vegas são as piores de toda a cidade.

Os jovens americanos têm um desempenho abaixo da média se comparados aos de outros países ricos. As autoridades americanas, porém, estão empenhadas em mudar isso. Para um país como o Brasil, que tem uma enorme dívida com as crianças pobres, acompanhar esses experimentos e se inspirar nos mais bem-sucedidos deveria ser uma lição de casa. Mas por aqui, infelizmente, as autoridades também mostram grande dificuldade de aprendizagem.

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