Revista Exame

Petrobras, uma empresa em compasso de espera

A Petrobras se preparava para dar o maior passo de sua história quando veio a crise financeira global e a queda do petróleo. Agora refaz as contas para a o pré-sal

Plataforma P-34, da Petrobras: a empresa redefine prioridades e adia projetos de refinarias e petroquímicas (Divulgação)

Plataforma P-34, da Petrobras: a empresa redefine prioridades e adia projetos de refinarias e petroquímicas (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 29 de março de 2011 às 11h13.

No calendário dos executivos da Petrobras, o mês de novembro é tradicionalmente marcado por um processo conhecido como desdobramento. É quando os diretores da empresa informam aos gerentes as metas previstas para o ano seguinte. O objetivo é garantir o andamento do plano de investimentos da estatal — uma alocação monumental de recursos que, em 2007, chegou a 112 bilhões de dólares, a ser investidos até 2012. Aos gerentes, por sua vez, cabe estabelecer metas para suas equipes para que cada funcionário saiba exatamente o que terá de fazer no ano seguinte. Geralmente, o desdobramento é concluído em janeiro. Mas em 2008 essa corrente de planejamento foi quebrada. Até agora a Petrobras não definiu seu plano de investimentos para 2009, a base de todo o processo, e ninguém sabe exatamente o que fará nos próximos meses. Com a crise global do sistema financeiro, a Petrobras colocou em revisão todos os investimentos já acertados para o próximo ano. Debruçados sobre as novas variáveis econômicas, os diretores da empresa se lançaram numa rotina extenuante, em que analisam continuamente informações coletadas por 40 grupos de trabalho ligados às áreas operacional, financeira e administrativa. Nas últimas quintas-feiras, as reuniões do alto escalão da companhia têm, invariavelmente, atravessado a madrugada. “Não vejo a hora de isso tudo acabar”, diz um dos diretores da estatal.

Embora as discussões ainda estejam em andamento, algumas decisões já são dadas como certas por pessoas próximas ao centro de decisão da Petrobras. Os projetos da área de exploração e produção, responsável pela retirada do petróleo da camada do pré-sal, deverão ter participação ainda maior no volume total de investimentos, hoje na casa de 60%. “É a produção do petróleo que garantirá caixa à empresa e musculatura para obter condições favoráveis de financiamento no mercado”, diz o engenheiro Marco Tavares, sócio da consultoria Gas Energy. A direção da Petrobras, no entanto, deve ser bem menos condescendente em relação a outros projetos. Os planos para a área petroquímica e de refino, por exemplo, com investimentos da ordem de 30 bilhões de dólares, deverão ser suspensos. Isso significa que a construção de três novas refinarias nos estados do Maranhão, do Rio Grande do Norte e do Ceará será afetada pelos cortes e deverá sofrer atraso de pelo menos dois anos. O mesmo deve ocorrer com as obras da unidade petroquímica no Rio de Janeiro. Os empregados da estatal também já sentem os impactos da crise, antes mesmo de as decisões mais importantes serem anunciadas. Na semana passada, José Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras, usou a rede interna de TV para conclamar os funcionários para economizar em tudo. De eventos a viagens.

De maneira geral, empresas de todo o planeta têm realizado em maior ou menor intensidade processos de revisão de projetos. No caso da Petrobras, essa situação chama a atenção pelo porte do que está na mesa de discussão. Oitava maior empresa de petróleo do mundo, a Petrobras se prepara para aquele que talvez seja o passo mais importante de sua história. Com a extração de óleo da camada do pré-sal, a empresa se vê na perspectiva de dobrar de tamanho em uma década e se tornar a quinta petrolífera mundial.

Apenas com os campos de Tupi e Iara, as reservas subiriam de 14 bilhões de barris para até 26 bilhões. E ainda há outras oito reservas no pré-sal para perfurar e dimensionar. Ao todo, as reservas podem chegar a até 80 bilhões de barris. Tudo seria perfeito se não fossem necessárias montanhas de dinheiro para tirar o óleo de lá. Por baixo, calcula-se que, só para fazer jorrar petróleo de Tupi e Iara, serão investidos 140 bilhões de dólares. Em 2007, a Petrobras fez uma previsão de gastos considerada otimista. A idéia era investir cerca de 112 bilhões de dólares até 2012. Com o cenário mais nebuloso, discute-se neste momento quanto será investido e como será o novo cronograma desses investimentos. Mas uma coisa já está definida: o prazo para retirar petróleo das camadas mais profundas do pré-sal deve (no mínimo) ser alongado.


A exploração da área vai exigir uma complexa equação financeira em que se levarão em conta tanto a falta de liquidez mundial como a queda no preço do petróleo. Calcula-se que, devido à dificuldade de extração a uma profundidade de 7 000 metros a partir do fundo do mar, o óleo do pré-sal só seja lucrativo em um cenário em que o barril esteja cotado a pelo menos 60 dólares. Abaixo disso, a exploração do pré-sal se tornaria inviável. Outra questão crucial é o financiamento dessa operação. Dona de um caixa robusto, cerca de 6 bilhões de dólares, e de um grau de endividamento considerado baixo, 46% da geração de caixa, a Petrobras se preparava para custear o projeto com fontes externas de recursos. Há exatos seis meses, Gabrielli anunciou que a estatal captaria 5 bilhões de dólares ainda neste ano para o início da exploração do pré-sal. Como até as crianças de 7 anos sabem, a crise secou a fonte externa. Claro que Gabrielli ainda pode recorrer ao caixa para financiar parte desses projetos, mas, segundo os especialistas, essa não seria a melhor opção. “São tantas variáveis envolvidas que fechar essa conta se transformou em um enorme desafio”, diz o analista Nelson Rodrigues, do Banco do Brasil.

Em que pese a imensa tarefa de refazer um plano de dezenas de bilhões de dólares praticamente às cegas, a Petrobras pode sair revigorada do tranco provocado pela crise global e pela queda no preço do petróleo. Parece contraditório, mas no caso da maior empresa brasileira faz todo o sentido. Em qualquer corporação, momentos de exuberância costumam significar menos controle de gastos e baixo índice de seletividade de projetos. Em uma estatal, como a Petrobras, em que a União é a grande controladora, esse risco aumenta. Junto com a bonança, começa a florescer um ambiente propício para a politicagem. Os projetos de novas refinarias no Nordeste — um pleito do ex-governador maranhense e hoje ministro de Minas e Energia, Edison Lobão — são exemplos claros das duas situações. “Não há sequer logística para levar o petróleo para essas áreas. É um total disparate”, diz um ex-diretor da Petrobras. Na empresa, a sensação é que este é o momento de correção de rota. “Caiu a ficha de que não vai dar para fazer tudo. Agora é hora de tirar do orçamento o que não faz sentido”, diz um executivo da companhia.

Não será nada fácil. Embora se espere mais espaço para os argumentos técnicos nas decisões, é impossível fugir ao fato de que a Petrobras continua no foco — e sob a influência — do governo. Em Brasília, é dado como certo que a empresa vai arcar com cerca de 15% dos investimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento, estimados em 500 bilhões de reais. Além disso, o governo ainda discute mudanças na Lei do Petróleo. Especialistas do setor defendem a manutenção da legislação atual, mas o governo Lula ainda não abandonou a idéia de criar uma nova estatal apenas para administrar as reservas — e as receitas — do pré-sal. Para sorte da Petrobras e de seus acionistas, o assunto anda meio esquecido. A queda no preço do petróleo e a crise mundial calaram, ao menos por ora, as vozes que defendem a criação de mais uma estatal. Com isso, a Petrobras pode se concentrar naquilo que realmente importa: escolher os projetos em que vai investir nos próximos anos. E tentar convencer Brasília de que somente os critérios técnicos devem balizar essas decisões.

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