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Performance e paz

Paris mostrou que o alto desempenho é resultado direto do cuidado com o corpo e com a mente. Vale para a Olimpíada, e para a vida corporativa

Muitas vezes, medimos o sucesso com base no número e no volume de afazeres. Contudo, pessoas extremamente atarefadas não necessariamente são mais produtivas (Melpomenem/Getty Images)

Muitas vezes, medimos o sucesso com base no número e no volume de afazeres. Contudo, pessoas extremamente atarefadas não necessariamente são mais produtivas (Melpomenem/Getty Images)

Sofia Esteves
Sofia Esteves

Fundadora e Presidente do Conselho Cia de Talentos/Bettha.com

Publicado em 22 de agosto de 2024 às 06h00.

Para responder à pergunta se é possível ter alta performance e manter a saúde mental, vou citar um dos assuntos mais comentados nos últimos tempos. Sim, a Olimpíada. Os Jogos de Paris chegaram ao fim e, dentre os vários episódios marcantes dos últimos dias, uma lição que vou carregar comigo tem a ver com o impacto da saúde mental na performance. Pode parecer banal comentar a relação entre esses dois fatores, afinal, supostamente, todos nós sabemos que uma mente sã é fundamental para o bom desempenho — seja no esporte, seja em qualquer outro trabalho.

Contudo, a verdade é que quando pensamos em recordes, superação de limites e conquistas olímpicas associamos tudo isso a muita dedicação física, esforço, sacrifício e suor. Ou seja, dificilmente pensamos que, por trás daquela foto de comemoração de um título, houve uma série de sessões de terapia, tempo de descanso, uma boa rotina de sono...

Por isso, o agradecimento da nossa grande medalhista Rebeca Andrade me chamou a atenção: além de atribuir sua vitória à equipe treinadora, ela lembrou do papel fundamental da sua psicóloga ao longo dos anos. Da mesma forma, a ginasta estadunidense Simone Biles afirmou que fez algumas mudanças na sua rotina de treino, o que inclui ir à terapia uma vez por semana e tentar reservar um dia só para relaxar.

O que essas e demais atletas que se pronunciaram sobre esse assunto têm em comum é o entendimento de que o alto desempenho é resultado direto do cuidado com o corpo e a mente. Ambos são importantes para um resultado de destaque — e isso vale não só para a arena olímpica mas para a nossa realidade corporativa.

Extrair tal lição desse grande evento esportivo me parece fundamental neste momento em que passamos por um ritmo de mudanças cada vez maior e mais intenso. O que percebemos na nova edição da pesquisa Carreira dos Sonhos, realizada anualmente pela Cia de Talentos, é que a maneira como muitas pessoas lidam com o desconforto de uma realidade em constante transformação é direcionando maior esforço em aprender, saber e fazer mais. É como se estivéssemos em uma corrida incessante por mais produtividade para, assim, conseguirmos dar conta do tamanho do recado.

Corremos, aceleramos, pulamos barreiras, mergulhamos fundo no trabalho e praticamos tantas outras “modalidades”, só que sem preparo. Nessa “rotina de treino”, não sobra espaço para a pausa, o descanso, o autocuidado e tantas outras práticas que diferentes atletas de alto desempenho citaram como fundamentais para a sua conquista.

O resultado dessa “competição”, como é de imaginar, não é bom nem para as pessoas nem para as empresas. Prova disso é o aumento de cansaço e de preocupação identificado pelo nosso estudo na comparação dos dados dos últimos cinco anos. Em 2019, 52% diziam sentir cansaço sempre ou frequentemente; em 2024, o número subiu para 63%. Em 2019, 46% afirmaram sentir preocupação sempre ou frequentemente; em 2024, são 69%.

Além do impacto óbvio desse estado de esgotamento no desempenho profissional, há de se considerar como esse cenário interfere no nível de satisfação das pessoas com o trabalho e com a organização na qual atua. Analisando os dados da nossa pesquisa, percebemos que quem sente exaustão demonstra menos satisfação com o trabalho, enquanto as pessoas que não terminam a jornada do dia esgotadas sentem-se mais satisfeitas com o trabalho. A mesma dinâmica se repete na relação com a empresa. Entre os exaustos, 47% têm satisfação com o trabalho; entre os não exaustos, são 75% os satisfeitos. Apenas 37% dos exaustos, por sua vez, acham que a empresa oferece apoio no desenvolvimento; já 57% dos não exaustos acreditam que a empresa oferece apoio.

Esse cenário, contudo, pode mudar, e uma das recomendações que deixo para a liderança é ajudar sua equipe a alternar momentos de inquietude com quietude. Saber fazer isso e ensinar seu time a praticar o mesmo depende, antes de tudo, da conscientização do valor do descanso e do autocuidado. Em termos práticos, minhas dicas são:

1. Conscientize seu time de que o tempo de qualidade gera eficiência: muitas vezes, medimos o sucesso com base no número e no volume de afazeres. Contudo, pessoas extremamente atarefadas não necessariamente são mais produtivas. Na verdade, a probabilidade maior é de que a sobrecarga gere ineficiência, já que uma mente cansada não consegue ter um desempenho tão bom quanto uma que teve tempo para repousar.

2. Deixe de vangloriar a exaustão constante: vivemos em uma sociedade que, muitas vezes, define a identidade dos indivíduos a partir do trabalho. O resultado disso é que passamos a ver o descanso como uma atividade passiva e desinteressante, enquanto entendemos uma agenda sempre ocupada e o cansaço como sinais de uma vida de sucesso. No fim, é quase como se estivéssemos incentivando um estado permanente de fadiga, o que, como já expliquei, prejudica tanto as pessoas quanto os negócios.

Se não desenvolvermos hábitos saudáveis e aprendermos a fazer pausas voluntárias, há o risco de, uma hora, nosso corpo forçar uma parada obrigatória. Se não seguirmos o exemplo de Rebeca Andrade, Simone Biles e tantas outras estrelas olímpicas, perderemos a capacidade de fazer entregas extraordinárias. A pausa, o respiro, o cuidado com a mente e com o corpo nos dão não só energia, mas equilíbrio para superar desafios e celebrar conquistas.

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