Funcionários da Vale: para cumprir a meta de retorno, o fundo de pensão da empresa passou a investir em private equity (Agência Vale/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 20 de agosto de 2012 às 06h00.
São Paulo - A perspectiva de o Brasil ter, finalmente, juros baixos tem sido justamente comemorada. O crédito fica mais barato, a bolsa costuma ganhar impulso, as empresas tendem a aumentar seus investimentos. Mas um grupo de pessoas está apavorado (ou, se não está, tem motivos para se apavorar) com esse cenário tão celebrado: os diretores e os investidores dos fundos de pensão.
Quando os juros caem, a rentabilidade desses fundos — que reúnem as reservas para a aposentadoria de 3,2 milhões de funcionários de empresas e bancos, públicos e privados — cai junto, como ocorre com todas as aplicações que dependem da renda fixa. O problema é que muitos desses fundos têm, por contrato, a obrigação de render mais do que os juros de mercado, hoje em 8%.
Em média, os valores das aposentadorias têm de ser corrigidos em 12,4% ano a ano. Atingir esse percentual tem sido quase impossível. E ninguém consegue imaginar de onde o dinheiro virá.
Um levantamento feito por EXAME mostra que, em 2011, dez das 15 maiores fundações do país não conseguiram entregar o que prometeram. É o caso de Previ, do Banco do Brasil, Valia, da mineradora Vale, e Postalis, dos Correios. O déficit somado do mercado de fundos foi de quase 9 bilhões de reais.
A maioria dos planos tem recursos em caixa para fechar a conta e seguir pagando as aposentadorias normalmente. Mas, se o descompasso continuar, vai faltar dinheiro. Em risco, só no caso desses dez fundos, está a aposentadoria de 1 milhão de trabalhadores — e essa, como se verá adiante, é apenas uma parte do problema.
Só para recuperar o que não fizeram no ano passado, as fundações precisam entregar um retorno de, no mínimo, 14% em 2012, segundo um estudo da consultoria Mercer. No ano passado, a Previc, autarquia do Ministério da Previdência que fiscaliza esse segmento, interveio em quatro fundos de médio porte, entre eles o Portus, da Companhia Docas, que estão perto de ficar sem dinheiro para pagar as aposentadorias.
Há duas alternativas: pedir dinheiro às companhias que patrocinam os fundos ou aumentar as aplicações mensais dos investidores — o que não é fácil: a Fundação Cesp tentou aprovar isso recentemente e não conseguiu.
Esse é um problema novo num setor que convive há anos com a perspectiva de uma trombada. No fim dos anos 90, o Tesouro Nacional teve de colocar dinheiro nos fundos de pensão do Banco do Brasil, da Petrobras e de outras companhias estatais para evitar que eles deixassem de pagar aposentadorias (o buraco era de quase 20 bilhões de reais).
Ficou tudo bem por uma década. Agora, os riscos voltaram. A origem do desafio atual é uma lei de 1977, que criou a garantia de rentabilidade dos fundos de pensão — na época, o principal título público, a ORTN, rendia 6% mais a inflação, e estabeleceu-se que os planos tinham de pagar, no mínimo, isso.
Essa obrigação ficou por aí, como um fóssil financeiro de tempos remotos. Com a estabilização da economia, ficou evidente que seria impossível manter essa situação por muito tempo, e o modelo vem sendo abandonado nos novos planos.
Mas, apesar disso, 31% dos planos do mercado brasileiro ainda têm rentabilidade definida, e o Ministério da Previdência não sabe o que fazer com eles, dados os riscos que correm no cenário de queda de juros.
Uma medida paliativa
Segundo EXAME apurou, uma das alternativas em estudo é reduzir as metas de retorno, tomando como base o rendimento dos títulos públicos de longo prazo atrelados à inflação (que, atualmente, rendem cerca de 4% acima do IPCA). Seria, na melhor das hipóteses, uma medida paliativa.
“Se o juro cair mais, a rentabilidade desses títulos também vai diminuir”, diz José Roberto Ferreira Savoia, professor de finanças da USP e ex-secretário de Previdência Complementar. Alguns fundos, como o Aceprev, da siderúrgica ArcelorMittal, reduziram as metas por conta própria nos últimos meses.
Só que estender essa mudança a todo o mercado não é simples, porque é preciso fazer um ajuste contábil. Como a previsão de rentabilidade no longo prazo diminui, o volume atual de recursos nos planos precisa aumentar para que não falte dinheiro para pagar as aposentadorias no futuro. Ou seja, os fundos precisam colocar dinheiro para fazer a mudança, e nem todos têm caixa.
A outra hipótese em estudo para salvar os fundos de pensão depende da ajuda do governo. Quando um plano consegue bater suas metas de retorno com folga por três anos, ele precisa distribuir o ganho aos investidores.
Ou seja, não pode manter a sobra de caixa para usá-la em períodos conturbados — em que, por exemplo, as ações ficam mais baratas, abrindo uma oportunidade de ganhos no longo prazo, algo que deveria ser a meta maior de um gestor de fundos de pensão. A Previc diz que planeja mudar essa regra para aumentar a flexibilidade na gestão.
“Para conseguir esse dinheiro extra num cenário de juros mais baixos, os fundos precisam mudar seus investimentos e arriscar, mas nem todos vêm fazendo isso”, diz François Racicot, diretor da consultoria Mercer. Na média, a carteira de ações das fundações está no mesmo patamar de 2004: representa 30% do patrimônio.
No mesmo período, a taxa básica de juro caiu pela metade. Os gestores, portanto, seguem viciados em investimentos de renda fixa que pagam cada vez menos. Quem muda se dá bem.
A Fundação Cesp e a PrevDow, da empresa química Dow, reduziram a carteira de títulos públicos que seguem os juros de mercado e passaram a comprar papéis atrelados à inflação — com isso, ficaram entre as poucas que cumpriram suas metas em 2011. A Valia e a Funcef, da Caixa Econômica, passaram a aplicar em fundos de private equity, como é praxe nos Estados Unidos.
Se a situação dos fundos de pensão de bancos e empresas é delicada, a dos planos de previdência dos estados e dos municípios é crítica. Criados em 1998, já estão sem recursos para pagar as pensões. Alguns estão fechando a conta com dinheiro público — no Rio de Janeiro, parte dos recursos dos royalties do petróleo está sendo usada para pagar as aposentadorias.
O principal problema, dizem os especialistas, é a gestão pouco profissional. Até 2008, qualquer funcionário podia cuidar dos investimentos dos fundos (hoje, é exigido um certificado comprovando algum conhecimento do mercado financeiro, o que também não ajuda muito).
Esses planos estavam entre os principais cotistas dos papéis do banco Cruzeiro do Sul, que está sob intervenção do Banco Central desde junho. Também aplicaram em CDBs do banco Santos, que quebrou em 2004. Casos como esses chamaram a atenção de tribunais de contas, que estão processando os gestores pelos prejuízos. Só no caso dos planos estaduais e municipais, 7,5 milhões de aposentadorias estão em jogo — gente que tem motivo para se preocupar com a queda de juros comemorada pelo resto do país.