Revista Exame

No Piauí, parceiros são bem-vindos

O Piauí foi o segundo estado que mais fez concessões desde 2015. Ante um cenário econômico desfavorável, a sintonia público-privada é uma saída

Ceasa de Teresina: antes da concessão, a sujeira dominava o ambiente  (Leandro Fonseca/Exame)

Ceasa de Teresina: antes da concessão, a sujeira dominava o ambiente (Leandro Fonseca/Exame)

AJ

André Jankavski

Publicado em 5 de dezembro de 2019 às 05h44.

Última atualização em 10 de dezembro de 2019 às 18h07.

A rotina da professora aposentada Maria do Amparo de Souza mudou nos últimos quatro meses. Se antes ela concentrava todas as compras em um supermercado perto de casa, na região central de Teresina, hoje ela toma o ônibus semanalmente para fazer compras na Nova Ceasa, centro de abastecimento situado na zona sul da capital piauiense.

Mesmo levando 30 minutos no trajeto, contando ida e volta, Maria prefere ir ao local para comprar legumes, verduras e frutas. Segundo ela, a economia chega a ser de metade do valor. Apesar da vantagem financeira, até dois anos atrás a aposentada evitava o lugar. Quem ia à antiga Ceasa encontrava um ambiente desorganizado, sujo, com restos de alimentos nos corredores das barracas e arredores, além de banheiros quebrados. Hoje, a cena é outra. A Ceasa, inaugurada oficialmente em 1976, agora recebe cerca de 10.000 pessoas por dia, 12% mais do que a média de 2017. O que causou essa transformação no entreposto foi a concessão à iniciativa privada.

Concedida pelo governo do Piauí em maio de 2017, a Nova Ceasa foi arrematada pela empresa local Brazilfruit e tinha como projeção investimentos de 86 milhões de reais durante os 30 anos de contrato. Após a análise do projeto pela empresa, o valor caiu para 36 milhões de reais sem nenhuma diminuição dos objetivos estipulados pelo governo. “Essa redução de valor mostrou que o próprio governo não tinha conhecimento da gestão do espaço. Gastaríamos mais para fazer o mesmo”, diz Viviane Moura, superintendente estadual de Parcerias e Concessões.

Até o momento foram aportados 12 milhões de reais na operação e houve melhoras além da limpeza e da manutenção: o volume de alimentos vendidos cresceu 15%, para 35.000 toneladas no último ano. A meta é dobrar a quantidade até 2022. “Queremos que a Nova Ceasa seja uma espécie de centro de distribuição para o interior do Nordeste”, diz James Andrade, presidente da Nova Ceasa. O retorno do investimento é esperado em nove anos. O sucesso do projeto já ultrapassou as fronteiras do Piauí. Em 2018, a concessão foi uma das 15 escolhidas pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa, ligada à Organização das Nações Unidas, como exemplo de parceria que coloca os benefícios à população em primeiro lugar, incluindo a criação de um banco de alimentos para evitar desperdício e o apoio a pequenos produtores rurais.

A Nova Ceasa é uma das apostas do Piauí em parcerias e concessões iniciadas há cinco anos. Um levantamento feito pela consultoria Radar PPP, especializada no tema, mostra que o estado foi o segundo com mais iniciativas na área de 2015 a 2019: saiu de zero para 45.

No mesmo período, a liderança ficou com São Paulo, com 49 projetos, e Minas Gerais foi o terceiro, com 23. Em contrapartida, 25 projetos do Piauí estão sem novidades publicadas por cerca de 12 meses, e a Radar PPP os classificou como paralisados. “O Piauí evoluiu muito, mas o desafio é reduzir o número de projetos paralisados”, diz Bruno Pereira, sócio da Radar PPP. O governo discorda que haja iniciativa parada. “Cada processo tem um tempo de estruturação. Alguns dependem de lei prévia; outros, de levantamento de mercado”, diz a superintendente Viviane. Com os 45 projetos em andamento, espera-se a atração de 10 bilhões de reais em investimentos.

Para alcançar essa meta bilionária, o governo do Piauí precisará ser mais célere no andamento dos projetos. Até agora somente cinco saíram efetivamente do papel: a Nova Ceasa, a concessão dos terminais rodoviários de Picos, Floriano e Teresina, o ginásio poliesportivo do Verdão, a subconcessão dos serviços de água e esgoto de Teresina e a PPP Piauí Conectado. Fora essas, uma prioridade é estabelecer uma parceria para a construção do porto de Luís Correa. É uma demanda antiga do estado, o único do Nordeste que não tem um porto marítimo. A construção foi iniciada na década de 80, mas depois ficou no abandono. A maresia corroeu boa parte das obras, que já consumiram 500 milhões de reais. Segundo estimativa do governo, seriam necessários mais 260 milhões para a conclusão do porto.

Projeto do Piauí Conectado: 5 000 serão beneficiados com aulas de informática | Leandro Fonseca

A saída pela iniciativa privada faz parte de um projeto de recuperação fiscal que o Piauí adotou nos últimos cinco anos. Há resultados: o estado foi o único que conseguiu melhorar a nota de capacidade de pagamento em 2019. Na última avaliação feita pelo Tesouro Nacional, a nota do Piauí foi de C para B, alcançando o selo de bom pagador. O sinal de alerta, contudo, permanece ligado. O mesmo documento afirma que o Piauí pode voltar à avaliação anterior, assim como outros cinco estados, porque a relação entre despesa e receita está próxima de 95%.

Com esse cenário, faltará dinheiro para aporte em infraestrutura. “Nossa capacidade de investimento está entre as maiores do país, mas ainda é insuficiente. É preciso se abrir para o setor privado, seja com PPPs e concessões, seja com investimentos diretos”, diz o governador Wellington Dias. Além de atrair investimentos, ele aposta em medidas de contenção fiscal e defende a extensão da reforma da Previdência para os servidores públicos estaduais — uma proposta a que o PT, partido de Dias, faz dura oposição no Congresso. “Não há solução que funcione sem o equilíbrio das contas. Algumas medidas, mesmo ruins a princípio, servem para proteger os próprios servidores”, diz ele.

Toque para ampliar.

É com esse tipo de discurso que o governo busca chamar a atenção do empresariado. No Palácio de Karnak, sede do governo piauiense, EXAME acompanhou uma audiência pública do governador com executivos chineses da empresa de tecnologia ZTE. A empresa é a fornecedora dos equipamentos utilizados na PPP Piauí Conectado, projeto que deve ligar todos os órgãos públicos à internet, assim como oferecer conexão gratuita à população em locais públicos. A iniciativa, que tem a companhia mato-grossense H.Par Participações como responsável por obras e manutenção, tem a obrigação contratual de conectar 1 500 pontos de internet em 98 municípios do Piauí. A PPP entrou em operação em junho e bateu 33% da meta inicial com investimento de 21 milhões de reais. Até o fim da parceria, em 2049, o investimento deverá chegar a 214 milhões.

A reunião com os chineses tinha como objetivo as próximas fases da PPP. Além da conexão, o governador Dias quer ampliar serviços de saúde, educação a distância e segurança. A ZTE poderia entrar como fornecedora ou parceira nesses ou em futuros projetos. Ainda é cedo para dizer se o plano de concessões do Piauí terá pleno êxito. Mas, diante de um cenário econômico adverso, o fato de o Piauí romper com tabus e partir para a busca de soluções é algo a comemorar — e um bom exemplo. 


“NÓS RESPEITAMOS OS CONTRATOS”

Para o governador Wellington Dias, não há risco de quebras nos acordos assinados pelo estado com a iniciativa privada |  André Jankavski

Wellington Dias: “O Piauí prima por boas modelagens e garantias” | Leandro Fonseca

Quando assumiu o estado em seu primeiro mandato, em 2003, o governador Wellington Dias queria fazer com que o Piauí deixasse de ser o patinho feio do país. Conseguiu, em parte. Uma de suas conquistas foi fazer o produto per capita do estado crescer 5,3 vezes de 2002 a 2016 — a maior evolução entre todas as unidades federativas. Mesmo assim, o Piauí ainda amarga a penúltima posição nesse indicador. Para melhorar os resultados, o petista Dias argumenta que a iniciativa privada é fundamental. Não à toa, o Piauí aparece como destaque no número de concessões e PPPs. Para falar sobre o assunto, o governador recebeu EXAME em seu gabinete no Palácio de Karnak, em Teresina.

Como atrair investidores para o Piauí em um período de crise?

O investidor busca segurança jurídica. Ele quer saber se as garantias são sólidas e se há uma modelagem de projetos sustentável. E, mesmo a capacidade de investimento do Piauí sendo uma das maiores do país, entre 8% e 11% da receita corrente líquida, ainda é insuficiente. É preciso se abrir para o setor privado, seja por PPPs e concessões, seja por investimentos diretos.

Quanto o Piauí já atraiu?

Temos uma carteira que se aproxima de 20 bilhões de reais em investimentos privados. Os chineses, por exemplo, estão por aqui. Temos a CGN, que é uma das maiores empresas do mundo em energia, e deve investir quase 4 bilhões de reais. Além disso, temos a ZTE e a Huawei, que estão apostando no estado.

Os investidores estrangeiros estão confiantes no Brasil?

O que acontece em outros estados, como quebras de contrato, cria insegurança. Mas os investidores estão compreendendo que o Brasil é muito grande. O que ocorre em um lugar não pode ser visto como a regra do país. Nós primamos por um bom marco regulatório, boas modelagens de projetos e solidez nas garantias.

Como garantir a perenidade dos projetos ao longo de diferentes governos?

Nós respeitamos os contratos. Alguns têm 30 anos, o que significa chegar a até oito mandatos. Por isso mesmo, temos as regras estabelecidas na Constituição e nas leis complementares, que são difíceis de ser alteradas e precisam ser cumpridas independentemente do governador. E tudo será cumprido, pois os projetos são benéficos para o estado.

Poderia exemplificar os benefícios?

No caso da internet, pagávamos 488 reais por ponto de conexão e, depois da PPP Piauí Conectado, passamos a pagar 87 reais. Não acredito que um governante queira voltar a pagar os antigos valores. Há modelagens em que, quanto mais o projeto cresce, melhor fica para o estado.

O senhor sente dificuldades de diálogo com o governo federal?

O que eu vejo é um governo com dificuldades. Neste ano, o investimento deve chegar a 30 bilhões de reais, que é pouco relevante para o tamanho do Brasil. Recentemente, tivemos uma agenda do Consórcio Nordeste na Europa, e o próprio chanceler Ernesto Araújo elogiou a importância disso. Não fazemos oposição ao Brasil. Temos maturidade para ver que há uma disputa política, mas trabalharemos naquilo que for bom para o povo.

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