Revista Exame

Para que servem as auditorias?

Uma recente onda de escândalos contábeis coloca em xeque o trabalho dos auditores externos — contratados justamente para avalizar a contabilidade de seus clientes

Em novembro, o Banco Central descobriu um rombo de 2,5 bilhões de reais no balanço do PanAmericano, banco até então presidido por Luiz Sandoval (foto) e auditado pela Deloitte havia nove anos. O BC ainda está investigando as responsabilidades (Murilo Constantino/EXAME.com)

Em novembro, o Banco Central descobriu um rombo de 2,5 bilhões de reais no balanço do PanAmericano, banco até então presidido por Luiz Sandoval (foto) e auditado pela Deloitte havia nove anos. O BC ainda está investigando as responsabilidades (Murilo Constantino/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 15 de junho de 2012 às 17h01.

São Paulo - Num auditório lotado na sede da Comissão de Valores Mobiliários, no centro do Rio de Janeiro, advogados de 14 ex-executivos e ex-conselheiros da Sadia debateram no dia 14 de dezembro a responsabilidade sobre as operações com derivativos que trouxeram prejuízo de 2,6 bilhões de reais e quase quebraram a companhia em 2008.

Depois de um dia inteiro de julgamento, o ex-diretor financeiro Adriano Ferreira recebeu como punição o impedimento de administrar companhias abertas pelos próximos três anos.

Nove conselheiros, entre eles a empresária Luiza Helena Trajano, uma das donas do Magazine Luiza, receberam multas que variam de 200 000 reais a 400 000 reais.

“Eles falharam ao permitir operações acima do limite estabelecido pela companhia”, diz Alexsandro Broedel Lopes, relator do processo. Como é de imaginar, a decisão da CVM incomodou os conselheiros.

“Todo mundo errou”, diz Roberto Faldini, ex-conselheiro que acabou inocentado no julgamento porque havia assumido uma cadeira no conselho da Sadia poucos dias antes do estouro do escândalo. “Por isso mesmo, estranhamos o fato de os auditores não terem sido sequer indiciados.”

A KPMG, auditora da companhia entre 2004 e 2008, nunca fez ressalvas sobre o risco das operações com derivativos em seus pareceres anuais. Segundo a CVM, a apuração da conduta dos auditores ainda está em curso.

O debate em torno do rombo na Sadia (empresa que viria a se unir logo depois à Perdigão para formar a Brasil Foods) é mais um dos vários escândalos financeiros dos últimos anos que colocam em dúvida o papel das firmas de auditoria.

Nos últimos tempos, três outras grandes empresas sofreram perdas bilionárias com fraudes ou irregularidades contábeis — Aracruz, Carrefour e PanAmericano, todas avalizadas por auditorias independentes. Estima-se que companhias desse porte paguem algo em torno de 5 milhões de reais ao ano para contar com o serviço de auditores.


Com tanto dinheiro na mesa, seria fácil supor que o carimbo dessas firmas representasse uma garantia de que investidores e acionistas poderiam confiar nas informações divulgadas nos balanços. Mas não é bem isso o que acontece. De acordo com a legislação, descobrir fraudes não é papel das auditorias.

Sua função é esquadrinhar as contas dos clientes para verificar se a contabilidade está em ordem. E só. Ainda assim, essa tarefa esbarra numa limitação prática — o volume assombroso de documentos gerado pelas grandes empresas.

Para revisá-los, os auditores trabalham por amostragem. Pinçam alguns dados e checam com fornecedores, bancos e outras áreas da companhia se as informações estão corretas.

Desse modo, encontrar uma fraude isolada pode ser tão difícil quanto tirar o bilhete premiado na loteria. “Se um administrador conhecer os meandros e quiser burlar o sistema, pode ter sucesso”, diz Jorge Menegassi, presidente da Ernst&Young Terco. “Nosso trabalho é criterioso, mas nunca vai ser infalível.”

As estatísticas mostram que são raras as situações em que essas firmas percebem alguma irregularidade nesse sentido. Uma pesquisa da KPMG avaliou que em apenas 2% dos casos uma fraude é apontada pela auditoria.

Quem identifica com mais frequência os rombos são os filtros criados pelas próprias companhias — de canais para receber denúncias de funcionários a auditorias internas. Fortalecer esses órgãos foi justamente a solução da Brasil Foods para evitar ter novas surpresas em seus balanços.

Hoje, a companhia tem uma estrutura de controle mais complexa do que a Sadia ou a própria Perdigão possuíam. Cerca de 30 funcionários e conselheiros participam de um conjunto de instâncias de controle — entre elas, o recém-criado comitê de riscos financeiros, além dos tradicionais comitê de auditoria, auditoria interna e gerência de riscos.

É o dobro da equipe que a Sadia possuía. “A perda com os derivativos nos fez aumentar a lupa”, diz Roberto Faldini, que, após a fusão com a Perdigão, manteve uma cadeira no conselho da Brasil Foods.

Além de contar com os controles internos, um número crescente de empresas contrata firmas especializadas em investigações que fazem uma verdadeira devassa em suas operações. A subsidiária brasileira da Kroll, por exemplo, líder nesse mercado, teve um aumento de 35% no número de investigações em 2010.


É curioso que a natureza de uma atividade centenária ainda seja alvo de discussão. A primeira firma especializada em auditar contas foi criada por William Welch Deloitte, em Londres, em 1845. As concorrentes vieram nos anos seguintes, a reboque da cobrança de impostos com base no lucro das companhias.

Com a expansão global das companhias inglesas, a prática de auditoria se espalhou pelo mundo. No Brasil, a atividade chegou na década de 10, junto com as primeiras multinacionais, e tornou-se obrigatória para as companhias abertas nos anos 70.

Atualmente, o setor é dominado por um grupo batizado de Big Four, composto das multinacionais Deloitte, Ernst&Young, KPMG e PricewaterhouseCoopers.

Trata-se de um negócio bilionário. Em 2010, a líder Deloitte, por exemplo, faturou 26,6 bilhões de dólares no mundo — desse total, algo em torno de 400 milhões de dólares teve origem no Brasil.

Nos Estados Unidos, o cerco às atividades de empresas de auditoria vem aumentando. O ponto de inflexão nesse sentido foi a criação da Lei Sarbanes-Oxley nos Estados Unidos, em 2002, que passou a impingir multas mais pesadas a administradores, conselheiros e, conforme o caso, auditores.

Desde dezembro do ano passado, a Ernst & Young está sendo investigada pelo estado de Nova York por supostamente ajudar o banco Lehman Brothers a maquiar seus balanços — a quebra da instituição foi a  base da crise financeira de 2008. A multa pode se igualar ao valor que a Ernst&Young recebeu desde 2001 pelos pareceres emitidos para o banco: 150 milhões de dólares.

No Brasil, os casos ainda são raros. O mais recente aconteceu em dezembro, quando a CVM multou a KPMG e dois de seus auditores, num total de 700 000 reais, pela falta de uma ressalva nos resultados do segundo trimestre de 2008 da Perdigão. O mundo de muitos lucros e poucos riscos parece estar chegando ao fim também para os auditores.

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