Revista Exame

Para evitar o apagão das agências

O governo trocou políticos por técnicos vinculados aos partidos aliados. Um avanço. Mas falta fazer o mais importante — as agências precisam sair da sombra do Planalto

Brasília tem população de maior renda na América Latina (Wikimedia Commons)

Brasília tem população de maior renda na América Latina (Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 16 de junho de 2011 às 13h16.

Brasília - Neste início de governo, a presidente Dilma Rousseff terá a chance de cumprir uma promessa feita logo após sua eleição, quando afirmou que “as agências reguladoras terão todo respaldo para atuar com determinação e autonomia”.

Nada menos que quatro mandatos de presidente das nove principais agências do país — Anac, Anvisa, Anatel e ANP — terminam até o fim do ano. Além disso, nove dos 43 cargos de diretoria estão vagos, à espera de nomeação. É uma excelente oportunidade para dar uma nova cara aos órgãos regulatórios — desde que o governo passe a acreditar num modelo autônomo.

EXAME analisou a composição das principais agências reguladoras do país. O quadro desperta preocupação, pois é nítida a ingerência política. Dos nove órgãos analisados, um é presidido por um político e outros seis por técnicos vinculados aos partidos da base governista. Nas diretorias, o quadro é semelhante.

Vinte diretores têm vinculação partidária, sejam eles técnicos ou — muito pior — políticos indicados no governo Lula sem currículo à altura nem experiência prévia no setor. Na ponta oposta, há apenas cinco diretores que podem ser caracterizados como técnicos independentes. “Os diretores precisam tomar decisões duras e enfrentar interesses poderosos”, diz Fábio Medina Osório, doutor em direito pela Universidade Complutense de Madri. “Não podem dever o cargo a padrinhos políticos.”

A situação, é verdade, já foi bem pior. Em 2007, quando ocorreu o trágico acidente com um avião da TAM no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, a indicação política grassava nas agências.

Na época, dos cinco cargos de diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil, justamente a responsável pelo setor aéreo, apenas um era ocupado por um técnico. Aos poucos, os políticos foram sendo trocados por profissionais — mas sempre apadrinhados por partidos da base governista.

Com a atual estrutura técnico-partidária, as agências ainda correm perigo de sofrer um apagão regulatório. Historicamente, o governo federal tem aplicado apenas 2% do PIB por ano em infraestrutura, uma proporção obviamente insuficiente.


Para construir e expandir estradas, portos, aeroportos, usinas e a rede de saneamento no ritmo necessário, seria preciso elevar a proporção para 5% ao longo de 20 anos. E isso só poderá ser feito com a participação do capital privado, sempre atento aos órgãos de Estado — não de governo — que garantem a segurança jurídica.

“A autonomia das agências reguladoras é fundamental para garantir investimentos em infraestrutura no país”, diz Sergio Heumann, sócio-diretor da Rio Bravo Infraestrutura, gestora que assessora grandes investidores do setor.

Um passo importante ao alcance da presidente Dilma seria conferir independência financeira aos órgãos. Teoricamente, as agências deveriam ser financiadas pelas taxas de fiscalização pagas pelos consumidores, como nas contas de energia elétrica e telecomunicações. Na prática, elas estão vinculadas aos ministérios dos setores que cobrem.

São os ministérios que definem seu orçamento, repassando a receita gerada pelas agências ao Tesouro Nacional. Responsável pela fiscalização do setor de telecomunicações, em 2009 a Anatel arrecadou 4,9 bilhões de reais. Naquele ano, porém, seu orçamento foi de 305 milhões de reais.

Segundo a ONG Contas Abertas, o corte no orçamento previsto para todas as agências neste ano é de 5,3 bilhões de reais, ou 61% do total. Quando o ajuste fiscal for detalhado, o contingenciamento pode se tornar maior.

“Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o orçamento das agências é uma peça de ficção”, diz o economista Gil Castello Branco, secretário-geral do Contas Abertas.


Na Aneel, a asfixia financeira e a ligação com o governo são claras. Na agência presidida por Nelson Hubner, homem de confiança de Dilma, é comum haver cortes de mais de 50% no orçamento.

Esse é um dos motivos pelos quais a Aneel tem dificuldade para fiscalizar as concessionárias de transmissão de energia elétrica, responsáveis por apagões como o de novembro de 2009, causado por uma falha de Furnas. Uma de suas metas neste momento é apurar as causas dos apagões que deixaram no escuro vários estados do Nordeste e a Grande São Paulo em fevereiro.

Velocidade, no entanto, não tem sido o forte da Aneel. No começo de 2010, um transformador de Furnas da subestação do Grajaú, no Rio de Janeiro, queimou e foi retirado de circulação. Por vários meses, a subestação passou a operar com um transformador reserva. É dever da Aneel­ cobrar de Furnas uma solução rápida.

Alegando dificuldades na licitação do novo transformador, cujo custo é estimado em 3 milhões de reais, Furnas tem sinalizado que a solução deve sair até dezembro. Em razão da demora, o governo ativou, por medida de segurança, uma termelétrica. Se a usina operar até dezembro, a conta vai custar pelo menos 900 milhões de reais aos contribuintes.

O caminho da independência

Setores do PT têm historicamente criticado o modelo de agências autônomas com o argumento de que é necessário o controle do governo para evitar abusos. Atribui-se ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a crítica de que seu antecessor teria “terceirizado o governo” ao conceber o modelo das agências.

É fato que os órgãos reguladores devem prestar contas à sociedade, mas isso não precisa necessariamente envolver o Planalto. “A exemplo do que já acontece com o Banco Central, as agências deveriam fazer relatórios periódicos de suas atividades e submetê-los ao Congresso”, diz o economista Gesner Oliveira, ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Outro ponto importante seria a cassação do mandato de um diretor da agência até pela via judicial em caso de abuso de poder. Na Nova Zelândia, país que é referência mundial em regulação, é assim que funciona. No Brasil, essas questões poderiam ser resolvidas com a aprovação no Congresso da lei geral das agências.

Mas o projeto enviado pelo governo em 2004 à Câmara está empacado, um sinal eloquente da importância que o governo atribui ao tema. Criadas nos Estados Unidos no século 19, as agências são conhecidas por lá como “o quarto poder”. Por aqui, elas estão mais para uma repartição do Executivo.

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