Revista Exame

Os maiores investidores do Brasil são da China

De fornecedora de bugigangas a China se transformou no maior parceiro do Brasil. E vai investir mais de 17 bilhões de dólares no país.

China vai investir mais de 17 bilhões de dólares no Brasil (Feng Li/Getty Images)

China vai investir mais de 17 bilhões de dólares no Brasil (Feng Li/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 7 de julho de 2011 às 00h25.

São Paulo -  Há exatamente dez anos, quando o Brasil enfrentava a crise dos apagões de energia e via sua atividade econômica  ameaçada, com inflação beirando os 8% anuais, juros de 18% e crescimento do PIB de modesto 1,5%, a China era mais um entre tantos parceiros comerciais, mais conhecida pelas quinquilharias de baixo preço e falsificações que abasteciam camelôs e lojas populares.

Juntas, as empresas chinesas investiram no Brasil 28 milhões de dólares — uma ridícula fração dos 4,5 bilhões de dólares que os Estados Unidos, maiores investidores no Brasil em 2001, aportaram no país.

Há dez anos, a soma de exportações e importações entre Brasil e China, a chamada corrente de comércio, foi de 3 bilhões de dólares, enquanto o comércio entre Brasil e Estados Unidos atingia 27 bilhões de dólares. O mundo mudou radicalmente em uma década — e boa parte dessa mudança se deu graças à ascensão da China como nova potência global.

Em dez anos, os chineses deixaram de ser os paraguaios asiáticos para se tornar os principais parceiros e investidores no Brasil. Em 2010, a China anunciou investimentos de 17,2 bilhões de dólares no país, ante 6,2 bilhões dos americanos. Os chineses também assumiram a ponta nas relações comerciais, e a corrente de comércio entre nós e eles ultrapassou 56 bilhões de dólares no ano passado.

Um reflexo visível de todo esse avanço é a crescente presença da China em diversos mercados brasileiros. Os chineses continuam a querer nossas commodities. Mas também estão interessados em nosso mercado interno. Já estão em setores que vão da exploração de petróleo à produção de computadores, do processamento de soja à fabricação de motocicletas e automóveis.


Suas marcas — algo durante muito tempo considerado impensável para uma economia autodenominada comunista — começam a proliferar. A China é hoje a maior fa­bricante de automóveis do mundo. De suas montadoras saem modelos da GM, da Volkswagen e de marcas nacionais, como JAC e Chery, que tentam reproduzir no mercado internacional o que japoneses e coreanos já fizeram em décadas passadas.

Há alguns meses, a JAC fez sua estreia no Brasil. Representada pelo empresário Sérgio Habib, o mesmo que trouxe para o Brasil a francesa Citroën, a JAC investiu 150 milhões de reais em sua campanha de lançamento. Com preços cerca de 20% mais baixos do que os de seus concorrentes, uma rede inicial de 50 concessionárias com lojas grandes e vistosas e a promessa de entregar qualidade ancorada numa garantia de seis anos, a JAC quer ser o símbolo do novo momento chinês no Brasil.

“Vamos tirar mercado das grandes marcas. Até o fim do ano teremos 2,5% do mercado”, diz Habib. Se tudo sair co­mo planejado, a JAC deverá faturar no Brasil 1,1 bilhão de dólares até o fim deste ano e atingir a marca de 100 000 unidades vendidas em 2013. A partir desse volume, Habib considera a possibilidade de construção de uma fábrica no país.

De forma mais silenciosa, os executivos da Chery, maior montadora chinesa, já estão construindo uma linha de produção em Jacareí, no interior paulista. Fundada há 14 anos, a Chery é um fenômeno. Vendeu cerca de 600 000 carros na China em 2010 e ficou com 4% do mercado de automóveis que mais cresce no mundo.

Passou a exportar seus carros para o Brasil em 2009 e, em abril deste ano, lançou o modelo mais barato do mercado nacional — o QQ, um automóvel de pouco mais de 22 000 reais, equipado com ar-condicionado e air bag. A meta da Chery é vender 35 000 veículos neste ano no Brasil. “Nossos produtos mostram que os chineses sabem fazer coisas sofisticadas”, afirma Luís Curi, presidente da subsidiária brasileira.

Temida por muitos empresários, a invasão chinesa é aplaudida por parte dos economistas. “A entrada desses investimentos faz crescer a capacidade produtiva, e isso ajuda a segurar a inflação”, diz Luís Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais.

Os chineses, com sua mão de obra abundante e barata, sua moeda subvalorizada e sua política expansionista, são o modelo mundial na competição por preço. A estratégia da AOC é só mais um exemplo. Instalada no Brasil desde 1997, a AOC é a maior fabricante de monitores para computador do mundo, e recentemente entrou no mercado de computadores e televisores.

Fornecedora de telas para algumas das maiores fabricantes globais de TVs, comprou no início do ano passado 70% da divisão de televisores da Philips. Desde então, coloca seus produtos no mercado com preços 15% inferiores aos da média de seus concorrentes. Agora, prepara o lançamento de seus tablets.


Sua grande vantagem é usar mercados como o brasileiro como etapa final nos processos de montagem de seus produtos. Boa parte de tudo o que é feito vem da China, país de custos ainda imbatíveis. “O Brasil é fundamental para a operação mundial”, diz Maurizio Laniado, vice-presidente da subsidiária local da AOC. “Prova disso são nossas três fábricas construídas em Manaus no último ano.”

É inegável — por mais que a ideia assuste e desagrade a muitos — que a China busca se firmar na posição de grande fábrica do mundo, uma fábrica que vá muito além da imagem de galpões tomados por empregados suarentos, de custo baixo e nenhuma qualificação.

Mostrar o domínio da tecnologia faz parte do projeto da China como potência global. Isso e o senso de oportunidade em conquistar novos mercados estão por trás do recente — e surpreendente — anúncio de investimento no Brasil feito pela fabricante de produtos eletrônicos Foxconn.

Durante a visita da presidente Dilma Rousseff à China, em abril, o presidente da companhia, Terry Gou, afirmou que tem planos de investir até 7 bilhões de dólares na criação de uma cidade tecnológica em Jundiaí, no interior de São Paulo. Lá deverão ser produzidos o tablet iPad e o aparelho de celular iPhone, ambos da Apple.

Segundo Gou, 100 000 novos empregos seriam criados — 20 000 deles para engenheiros. (Para efeito de comparação, a Petrobras, maior empresa do país, tem 11 000 engenheiros contratados.) A Huawei, outra gigante chinesa da área de eletrônicos e equipamentos para telecomunicação, anunciou investimento de 350 milhões de dólares na construção de um centro de pesquisa e desenvolvimento de produtos.


No Brasil desde 1999, a Huawei é uma das líderes no fornecimento de equipamentos para operadoras de telefonia e começa a diversificar sua atuação investindo em produtos para o consumidor final. Nos próximos meses, deverá lançar um tablet e celulares. “O mercado brasileiro é prioritário e será decisivo para nosso crescimento”, diz João Pedro Flecha de Lima, vice-presidente da filial brasileira da empresa.

O apetite chinês pelo Brasil é enorme — e perfeitamente explicável diante da complementaridade das duas economias. Do início do ano até maio, de acordo com o Conselho Empresarial Brasil-China, os anúncios de intenção de investimento no país atingiram 14 bilhões de dólares. O bom momento brasileiro e a perspectiva de um crescimento sustentável ao longo dos próximos anos têm encantado os chineses.

“O que acontece hoje no Brasil parece muito com o que ocorreu na China há 20 anos. É uma oportunidade única, e não podemos ficar de fora”, diz Zuo Ying, vice-presidente de operações internacionais e filha do fundador da Zongshen, fabricante de motocicletas e minivans.

Ying assumiu o comando das operações da empresa fora da China e vem quase todos os meses para o Brasil. “É nossa prioridade”, diz ela. A empresa é uma representante do emergente capitalismo chinês, ao lado de companhias que nasceram há menos de 30 anos, muitas em pequenas garagens, e que hoje são grandes corporações.

A Zongshen começou em 1982 como uma oficina de bicicletas, com um investimento de 200 dólares feito pelo pai de Ying. No ano passado, faturou 13 bilhões de dólares. Chegou ao Brasil em 2009, em parceria com o empresário paranaense Cláudio Rosa. Juntos, compraram a marca de motos Kasinski, abriram uma fábrica em Manaus e planejam tirar o segundo lugar no mercado de motos, há décadas ocupado pela japonesa Yamaha, nos próximos cinco anos. Atualmente, a Kasinski disputa a terceira posição do mercado com a Dafra.

Casos como esses mostram uma mudança qualitativa na forma como a China passou a encarar o Brasil. Até o ano passado, os principais investimentos anunciados foram direcionados para as áreas de mineração, petróleo, alimentos e energia, matérias-primas vitais para assegurar o crescimento chinês daqui para a frente. “Agora, a maior parte dos investimentos é de empresas que buscam explorar nosso mercado interno”, diz o ex-ministro do Desenvolvimento Sérgio Amaral, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China. A infraestrutura é outra área de grande interesse.

O presidente do Bank of China no Brasil, Zhang Jianhua, diz que grandes empresas devem anunciar sua entrada no Brasil nos próximos meses para aproveitar as oportunidades das obras que devem ser erguidas para a Copa do Mundo e a Olimpíada.

A Sany, fabricante de equipamentos pesados, como guindastes e máquinas de concreto, iniciou a construção de uma fábrica no interior de São Paulo e deslocou um de seus fundadores, Victor Yuan, para cuidar de seus negócios no país. Sua meta é fazer o faturamento da Sany passar dos atuais 150 milhões para 1 bilhão de dólares em 2014.

A estratégia é a mesma de seus conterrâneos: investir em qualidade para mudar a imagem dos produtos chineses, conquistar a confiança do consumidor e manter preços mais baixos graças à integração global de sua produção. “Vamos ser grandes no Brasil”, diz Yuan. É bom não duvidar. Há dez anos, poucos imaginavam que ocorreria uma invasão chinesa no Brasil. Hoje, não se sabe aonde ela vai parar.

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