Ian Bremmer: “Não dar aos mercados a clareza que eles querem” é a melhor forma de evitar outra crise (Bill Pugliano/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 1 de março de 2012 às 12h13.
São Paulo - O cientista político americano Ian Bremmer é autor de algumas das análises mais ácidas sobre a situação política e econômica atual. Para ele, vive-se a época do G-Zero, em que as grandes potências abandonaram seu papel de liderança e desistiram de assumir riscos — assim, problemas globais tornam-se insolúveis. “Agora, é cada um por si, e isso deixa o mundo mais instável”, diz.
Ainda assim, Bremmer acredita que os investidores estão preocupados em excesso, especialmente no que diz respeito à crise europeia. Fundador da consultoria Eurasia Group, especializada em política, e autor de livros que exploram a relação entre os governos, as empresas e o mercado financeiro, Bremmer afirmou a EXAME que os investidores só estão apavorados com o futuro do euro porque não entendem nada de política.
EXAME - No último ano, a política se manteve no topo da lista de preocupações dos investidores. Essa preocupação é justificada?
Os riscos políticos aumentaram e são sérios. Mas o desafio é avaliar corretamente o que é risco de fato e o que é exagero. De forma geral, há pessimismo demais, o que leva as empresas a pensar duas vezes antes de investir na Europa, por exemplo, porque acham que há uma chance de o euro acabar e de a região entrar em colapso, e isso é pouquíssimo provável.
Também há uma preocupação muito grande com as eleições americanas, mas elas não devem provocar grandes mudanças na economia do país. Esse tipo de tensão só piora a crise e atrasa a recuperação econômica.
É a primeira vez, desde que sou cientista político, que os riscos políticos estão sendo sistematicamente superestimados. Isso é um problema para os investidores, porque deixa os mercados mais voláteis. Mas não estamos a caminho do caos.
EXAME - O que explica esse exagero?
Os investidores não entendem de política. Não entendem que a Alemanha está usando os mercados para conseguir uma solução de longo prazo para a região. O que acalmaria os investidores seria Merkel (Angela Merkel, chanceler alemã) dizer: vamos pagar para salvar os países com problemas. E o Banco Central Europeu seguir a mesma linha.
Mas, assim que ambos dessem essas garantias, não haveria mais tanta pressão por austeridade sobre os países periféricos da zona do euro e sobre 17 Parlamentos da região, para que eles continuem o processo de união fiscal.
A Alemanha e a França querem uma solução de longo prazo, querem criar meios para tentar evitar que uma crise dessa magnitude se repita, e a melhor forma de fazer isso é não dar aos mercados a clareza que eles querem.
EXAME - Mas, sem essa clareza, os investidores seguram o dinheiro que poderia financiar a dívida europeia, as empresas...
É um círculo vicioso, sem dúvida, mas ele é necessário. Essa incerteza, que ocasiona uma série de problemas hoje, é importante para garantir alguma estabilidade política no futuro. Os mercados não estão interessados em soluções de longo prazo, querem garantias de que a União Europeia não vai desmoronar hoje e ponto.
Se isso provocar uma catástrofe daqui a dez anos, lidamos com isso daqui a dez anos — é assim que muitos investidores pensam. Os principais atores não estão alinhados, e é isso que está tornando a crise mais profunda do que deveria ser.
EXAME - Há riscos que não estão sendo superestimados?
Sim, claro. O principal deles surge em função daquilo que chamo de G-Zero: a falta de habilidade ou de vontade das grandes potências de assumir novos riscos e resolver problemas globais. Os Estados Unidos abandonaram esse papel, e ninguém quer assumi-lo, o que deixa o mundo mais instável. A região mais afetada por essa falta de liderança é o Oriente Médio.
Há uma grande probabilidade de o Iraque desmoronar — os americanos não estão mais defendendo o espaço aéreo do país, que está claramente mais vulnerável a um ataque do Irã, por exemplo. As milícias devem ganhar mais espaço na região, a guerra civil na Síria pode se tornar mais séria.
Os líderes do Oriente Médio não são capazes de prover segurança e estabilizar seus países. Isso também vale para o Afeganistão, o Paquistão e a Coreia do Norte, onde o novo ditador mal pode controlar o país. Tudo isso vai continuar afetando a economia mundial. Com certeza, os preços do petróleo estariam mais baixos se não fossem esses conflitos no Oriente Médio.
EXAME - Qual pode ser o impacto dessa insegurança para países emergentes, como o Brasil, que precisam de investimentos de longo prazo para financiar, por exemplo, projetos de infraestrutura?
É um risco, sem dúvida. Mas o Brasil está mais bem posicionado do que a maioria dos países emergentes para lidar com isso. É a história de sucesso de menor risco entre os Brics. Há mais segurança jurídica, transparência, a demografia ajuda, os investimentos que estão sendo feitos para a Copa e a Olimpíada também.
Claro que existem desafios, e um dos principais é dar condições para as empresas se tornarem mais eficientes, especialmente em setores estratégicos para o país, como o de commodities. Mas a economia brasileira deve continuar crescendo mais do que a média mundial, e isso costuma atrair investimentos.
EXAME - As bolsas emergentes tiveram um desempenho péssimo no ano passado. Há motivos para ser mais pessimista em relação ao futuro econômico desses países?
Não acredito nisso. A China está crescendo menos, mas ainda assim estamos falando de uma expansão de 8% a 9%, que é excepcional. Acho que não há dúvida de que os chineses vivem melhor hoje do que há cinco anos — uma parcela maior da população está nas cidades, a educação melhorou — e viverão ainda melhor daqui a cinco anos.
Isso também está ocorrendo no Brasil e em outros países emergentes. Uma série de empresas é capaz de tirar vantagem da expansão da classe média nos Brics, o que é ótimo para a economia global. Só que um mundo que depende dos emergentes para crescer é mais volátil.
Esses países são fundamentalmente mais instáveis do que Alemanha, Estados Unidos ou Japão. Quando as pessoas ficam assustadas, elas querem segurança, e os mercados emergentes ainda não são vistos como seguros, apesar de terem melhorado nos últimos anos e estarem crescendo de forma acentuada.
Em períodos de incerteza, os investidores buscam com mais intensidade as moedas fortes, como dólar e euro, para se proteger. Com a Europa enfraquecida, os Estados Unidos ganham uma vantagem comparativa.
EXAME - Os políticos americanos têm se esforçado para soar irresponsáveis — basta lembrar do caos no Congresso que acabou levando ao rebaixamento da dívida. Em ano eleitoral, essa tensão pode voltar?
No curto prazo, a eleição americana pode provocar alguma instabilidade, mas é improvável que haja grandes mudanças, qualquer que seja o vencedor. Apesar de todo o barulho da campanha e de candidatos extremistas, a disputa de fato deve ocorrer entre moderados. Os investidores não entendem que a polarização entre democratas e republicanos é racional do ponto de vista político.
Brigar até o fim para defender um programa do partido faz parte do processo. Foi o que ocorreu na votação para aumentar o teto de dívida do país no fim do ano passado — não havia chance de os congressistas deixarem o país caminhar para uma crise da dívida, mas os mercados exageraram e reagiram de forma muito negativa. Devemos ver mais cenas como essa nos próximos meses. Sem dúvida, será um período difícil para os investidores.