Revista Exame

O vôo sem Rolim

O comandante Rolim Amaro era a alma da TAM. O que muda na empresa com sua ausência?

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h52.

Em sua primeira semana de trabalho como presidente da TAM, o executivo paulista Daniel Mandelli Martin, de 48 anos, recebeu alguns de seus visitantes na sala de reuniões da presidência. Envidraçada, a sala revela um dos hangares da companhia no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Dá vista também para uma das três salas ocupadas até poucos dias atrás pelo então presidente da TAM, o comandante Rolim Adolfo Amaro, morto num acidente de helicóptero no dia 8 de julho, aos 58 anos. A porta que dá acesso às salas de Rolim está trancada. Martin, casado com Leny, irmã do comandante, continua despachando de sua sala, um andar abaixo da presidência. Quando ele vai fazer a mudança? "Não sei", afirmava, com ar abatido, um dia depois de assumir seu novo cargo. "Vai ser difícil ocupar aquele espaço."

Muito mais difícil que se mudar para a antiga sala de Rolim será desvincular a imagem da empresa do homem que a pilotou por 25 anos e mudou a cara da aviação comercial brasileira. Líder carismático, hábil no marketing, homem de frases de efeito e atitudes surpreendentes, Rolim transformou uma pequena empresa de táxi aéreo do interior na segunda maior companhia aérea do Brasil, com faturamento de 1,2 bilhão de dólares em 2000. Mais do que isso: conseguiu prosperar e manter seu negócio saudável mesmo numa época em que vários nomes do mercado brasileiro e internacional de aviação perdiam altitude. (A Transbrasil, com quem Rolim chegou a estruturar uma possível fusão, passa por uma fase de agonia. Há alguns dias, um de seus credores, a GE Capital, pediu a falência da empresa.) Rolim também passou, com poucos arranhões, pelo mais duro teste que um dono de companhia de aviação civil pode passar.

A TAM conservou a confiança de boa parte de seus clientes mesmo após a queda do Fokker 100 e a morte de 99 pessoas em outubro de 1996.

Como acontece com quase todos os grandes empreendedores da história corporativa, a figura, o estilo e as crenças de Rolim se confundiam com a identidade de sua empresa. Para muitos, Rolim e TAM eram praticamente sinônimos, ainda que nos últimos tempos ele pouco se dedicasse ao dia-a-dia dos negócios. Nos primeiros meses deste ano, a profissionalização da TAM foi acelerada. Em abril, três novas vice-presidências foram criadas. Rubel Thomas, ex-presidente da Varig, assumiu a área de relações internacionais. O francês Jean Duboc, ex-presidente da subsidiária brasileira do Carrefour, tornou-se o responsável por recursos humanos. E o paulista Marco Bologna deixou o banco Inter American Express para assumir a vice-presidência financeira. Dessa forma, Rolim - o criador - se distanciava ainda mais da operação. "O negócio dele era ser o grande relações-públicas da empresa", diz um fornecedor da TAM.

O administrador paulista Martin, dono de uma personalidade introspectiva, reconhece que não poderá desempenhar esse papel à altura de seu antecessor. É bem-humorado, atencioso e descontraído até no modo de se vestir (só usa gravata em situações muito formais), porém muito mais reservado que o espirituoso Rolim. Essa característica tem reflexos em seu relacionamento com passageiros e funcionários. Não era raro que Rolim andasse pela companhia com um colorido de batom na bochecha - marcas dos beijinhos de bom-dia que dava e recebia das comissárias. Martin nem sequer circula por todos os departamentos da empresa, localizada no Aeroporto de Congonhas, na Zona Sul de São Paulo. É um executivo de bastidor, voltado muito mais para a estratégia do que para a operação de linha de frente. Martin jamais foi visto à porta dos aviões da companhia, ocupado em embarcar passageiros ou servindo balinhas nos corredores das aeronaves.

E é muito provável que as coisas continuem assim daqui para a frente. "Esse não é o meu estilo, e não faria sentido tentar imitar o Rolim", diz. "Até porque eu nem conseguiria."

Na TAM há 28 anos - seu único emprego até hoje -, Martin tornou-se uma espécie de braço direito do fundador e era o executivo responsável por muitas das negociações com bancos e fornecedores. Mas jamais esteve sob os holofotes e faz questão de frisar que terá uma equipe para ajudá-lo a tocar a TAM. (Sua primeira entrevista na posição de presidente foi dada ao lado dos cinco vice-presidentes.)

Era evidente que a era do personalismo na TAM um dia teria de acabar. Sua perenidade como negócio dependia disso, como mostram as histórias de algumas das mais promissoras empresas do mundo. Mas a morte abrupta de Rolim acelerou de forma radical esse processo, o que evidentemente gera alguns traumas na corporação.

Teria sido um erro deixar que para o público externo - e mesmo para os funcionários - a TAM e Rolim se tornassem uma coisa só? "Não é certo nem errado", diz Zilla Patrícia Bendit, professora de marketing da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo. "Essa é uma característica de empreendedores que comandam empresas familiares." O que realmente importa, agora, é que efeitos a ausência de Rolim terá sobre os negócios da TAM.

Estrategicamente, pouca coisa deve mudar. Se Rolim era a alma da empresa, Martin já há algum tempo era seu cérebro. A forma rápida como a sucessão foi resolvida talvez seja o mais evidente sinal disso. Numa reunião realizada na terça-feira, 10 de julho, menos de 48 horas depois do anúncio da morte de Rolim, o conselho de administração da TAM indicava Martin para substituí-lo. Essa era uma exigência do próprio comandante, parente e amigo pessoal de Martin. Entre os cinco conselheiros estão nomes como Jorge Paulo Lemann, do GP Investimentos, e Marcelo Medeiros, diretor do CSFB Garantia, banco que detém 26,26% das ações da empresa. Martin, então vice-presidente corporativo e estratégico e sem participação acionária na empresa, era o candidato previsto pelo estatuto para ocupar o cargo. Mesmo com todas essas precauções - raras no ambiente corporativo brasileiro - a sucessão nunca foi um assunto debatido abertamente na TAM. "O Rolim e eu nunca conversamos sobre isso", diz Martin.

Para a tarde do mesmo dia foi marcada uma reunião com mais de 30 pessoas, entre vice-presidentes, diretores, representantes do conselho e familiares de Rolim. Maria Claudia, filha mais velha do comandante e diretora de marketing da companhia, leu em nome da família (que detém 99,93% das ações ordinárias e 72,3% do capital total) uma carta de apoio a Martin. "Essa decisão ágil indicou para o mercado que tudo está sob controle", diz Carlos Eduardo Albano, analista do setor de aviação do Unibanco.

A medida também evitou que se iniciasse uma disputa interna pelo poder dentro da companhia. Um nome que chegou a ser cotado na imprensa como possível substituto de Rolim foi o do engenheiro Luiz Eduardo Falco, 39 anos, vice-presidente comercial e de marketing da TAM. Falco está há mais de dez anos na empresa. Para o mercado, é dele o mérito de a TAM ter hoje uma ampla malha aérea e um sistema de vendas invejável. Tido como um administrador de estilo agressivo, Falco era o segundo rosto mais conhecido da empresa. "O sucessor terá de mostrar muita liderança, especialmente neste período de transição, para que a empresa não corra o risco de uma feudalização", diz Jorge Garcia, diretor de programas executivos do Ibmec, escola de negócios, de São Paulo, e amigo de Rolim há quase uma década.

Martin tem agora o desafio de manter a TAM na rota do crescimento. No ano passado, a companhia faturou 1,2 bilhão de dólares (contra 857 milhões em 1999) e transportou 10,4 milhões de passageiros. A expectativa é de que, em 2001, cresça entre 20% e 30%. Para isso, pretende aumentar sua participação tanto no mercado interno quanto externo. De janeiro a junho deste ano, segundo dados do Departamento de Aviação Civil (DAC), a TAM transportou 29% dos passageiros domésticos, um índice 0,5% menor que o da Varig (somadas as participações da Varig, Rio-Sul e Nordeste, as três companhias controladas pela FRB-Par, porém, chega-se a mais de 40% do mercado). A meta da TAM é ambiciosa, sobretudo num mercado dado a freqüentes instabilidades e que vem sendo alvo de empresas com conceitos inovadores, como a recém-chegada Gol. Seu plano é deter 35% do transporte aéreo nacional nos próximos anos.

É nesse cenário que surgem os rumores de uma possível fusão com a Varig. "Nunca houve uma conversa formal sobre isso", diz Martin. Mas, nos últimos meses, Rolim e Ozires Silva, presidente da Varig, trocaram idéias a respeito de criar uma companhia que, por seu tamanho, faria frente a uma possível investida de empresas internacionais do setor. É difícil, porém, saber até que ponto Rolim, dono da mais saudável das empresas aéreas brasileiras, estava realmente interessado numa união com a problemática Varig. Dona de um faturamento de 2,9 bilhões de dólares em 2000, a empresa controlada pela Fundação Rubem Berta vem registrando prejuízos há três anos. Um dos projetos conjuntos que a TAM tinha com a Varig, o portal virtual de turismo Plata, naufragou. Anunciado em junho do ano passado como um investimento de 60 milhões de dólares, o Plata nunca deixou de ser um negócio literalmente virtual. "A Varig não teve recursos para tocar o projeto", diz um executivo que acompanhou as negociações.

Para ganhar mercado, a TAM vem investindo em novas aeronaves. Sua frota atual é de 50 jatos F-100 e 23 jatos Airbus. Em junho passado, seus executivos anunciaram a assinatura de um memorando de intenções que prevê a compra de até 100 aviões ERJ 190-200, fabricados pela Embraer. Por causa disso, a TAM soma atualmente 1,3 bilhão de dólares em obrigações de leasing, o equivalente a mais de cinco vezes seu patrimônio. "Apesar de ser muito dinheiro, não é um endividamento grave porque a origem do passivo está na compra de aeronaves, e não em resultados operacionais", diz Maurício Levi, diretor da Fama Investimentos, corretora de valores de São Paulo.

Rolim, talvez o maior showman dos negócios no Brasil, realizou o excepcional trabalho de erguer sua empresa e revolucionar o setor de aviação no país. A Martin, seu sucessor, cabe a não menos difícil missão de solidificar o negócio, mantê-lo fiel a seus valores e enfrentar os desafios de um mercado instável e que deve mudar radicalmente daqui para a frente.

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