Teste da fabricante Horus, em Santa Catarina: 80% da receita vem do campo (Michel Teo Sin/Exame)
Gustavo Gusmão
Publicado em 22 de novembro de 2018 às 05h44.
Última atualização em 27 de novembro de 2018 às 13h00.
Há um problema no canavial. Uma infestação de larvas de broca da cana, um tipo de mariposa, foi identificada em um ponto no meio da lavoura. Se não for controlada com rapidez, a praga poderá se espalhar e afetar uma parte maior da produção. A solução, por sorte, vem do alto: cápsulas biodegradáveis contendo pequenas vespas da espécie Cotesia flavipes — que combatem as larvas — são deixadas no local exato da infestação por um drone, controlado remotamente por meio de um notebook.
Essa cena já é uma realidade em diversas plantações de cana no país. Os drones — também conhecidos como veículos aéreos não tripulados, ou vants — estão cada vez mais presentes na agricultura e são usados, principalmente, no plantio de cana, milho, soja e algodão. De acordo com um levantamento feito com mais de 700 empresas que oferecem serviços com essas aeronaves no Brasil, o setor deverá fechar 2018 com um faturamento estimado em 400 milhões de reais, um aumento de 30% em relação ao ano passado e o dobro de 2016. Os dados são da Drone Show, uma organizadora de eventos focados no setor. Quase metade desse faturamento tem origem nos serviços prestados para a agricultura.
A decolagem do setor de drones é um fenômeno mundial. Uma pesquisa do banco americano Goldman Sachs, aberta para EXAME, prevê que, até o final de 2020, o segmento comercial de aeronaves não tripuladas formará um mercado global de 21 bilhões de dólares. Desse total, quase 6 bilhões virão da agricultura, e deverá haver cerca de 200.000 drones aplicados somente nesse setor. No mundo, a agricultura será o segundo maior segmento em termos financeiros para o mercado de drones, atrás apenas de infraestrutura. Mas, no Brasil, as posições são invertidas.
O setor agrícola lidera com bastante folga o ranking de importância para as empresas de drones. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), já existem 19.000 veículos aéreos não tripulados registrados no Brasil para uso profissional. A estimativa é que o agronegócio seja responsável por algo entre 40% e 50% da demanda total de veículos e serviços. O número, porém, pode ser ainda maior. “Nossa pesquisa engloba apenas pequenas empresas que se dedicam a trabalhar com drones e não atuam em outras áreas, como grandes empresas do agronegócio”, diz o engenheiro cartográfico Emerson Granemann, presidente da MundoGEO, empresa brasileira por trás da Drone Show. “Mas grandes companhias e contratantes de serviços, que já atuavam no setor agrícola, estão cada vez mais incorporando essas aeronaves em suas soluções e trabalhos.”
O motivo principal desse interesse crescente pelos drones é o baixo custo. Segundo José Olavo Vendramini, gerente executivo da fabricante francesa de açúcar Tereos, é mais barato, mais prático e mais eficiente usar os drones do que outras soluções que fazem o mesmo trabalho no campo. A Tereos é a segunda maior produtora de açúcar do mundo, com receita anual de 4,8 bilhões de euros. No Brasil, trabalha com mais de 1.000 produtores de cana, que têm cerca de 300.000 hectares de plantações.
Quase metade dessa área é cultivada diretamente pela companhia. As aeronaves são usadas para controlar ervas daninhas e pragas, estimar a safra e o volume de bagaço de cana gerado e, principalmente, checar falhas no plantio — como verificar se a planta não germinou em algum ponto da lavoura. A empresa fez os primeiros voos com vants no fim de 2013. De lá para cá, a frota foi expandida, e hoje é usada para monitorar boa parte das lavouras. A ideia é cobrir 100% delas no futuro.
Vendramini estima que, considerando só o monitoramento de falhas de plantio, é possível economizar 25% em mão de obra. Estudos independentes também indicam o benefício do uso dos drones. Sua aplicação pode diminuir os custos do controle de pragas em até 60% e ainda aumentar a produtividade em 4%, segundo a consultoria britânica PwC. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), por sua vez, já identificou casos de aumento de até 30% na produção, pelo menos no primeiro ano após a aplicação de drones na lavoura.
Integração de tecnologias
É claro que as aeronaves, sozinhas, não garantem esse aumento da produção. Para Daniela Coco, especialista em agronegócio da PwC no Brasil, os drones são acompanhados de uma série de outras ferramentas de agricultura de precisão. “Quando falamos das aeronaves, falamos também das soluções que elas usam, de integração com inteligência artificial, análise de dados, aprendizado de máquina e outras”, diz Daniela. Esse pacote tecnológico é o que proporciona o grande ganho de produtividade. Os drones tiram as fotos, mas são os computadores e os operadores que interpretam os dados e guiam os agricultores. É por isso que as companhias que fazem os drones agrícolas não são apenas fabricantes de equipamentos, mas, sim, fornecedoras de soluções e de software — o que amplia o potencial de crescimento dos negócios.
Dados da PwC mostram que o mercado potencial para soluções relacionadas a drones no agronegócio é de 32,4 bilhões de dólares. Isso explica por que a Horus, fabricante de drones com sede em Florianópolis, desenvolve uma plataforma online própria para analisar as informações coletadas por câmeras e sensores das aeronaves dos clientes no campo. É deles que vêm 80% do faturamento da empresa. Outras duas fabricantes paulistas de drones, a XMobots, de São Carlos, e a Elio Tecnologia, de São Paulo, fazem o mesmo e oferecem software de interpretação de dados próprios. “Programamos o que for preciso para o cliente, sempre buscando automatização, mas sem dispensar um olhar humano. É o que chamamos de inteligência agrícola”, diz Luciano Araújo, presidente e fundador da Elio.
Por mais que a perspectiva de crescimento seja positiva, ainda existem obstáculos que dificultam a disseminação dos drones na agricultura. Falta de mão de obra qualificada e pouca compatibilidade entre as tecnologias (prejudicando a análise dos dados) são duas das principais barreiras citadas por especialistas. O limite de carga das aeronaves estipulado pela Anac, de 150 quilos em modelos médios, também dificulta a adoção dos veículos para atividades como a pulverização, em que eles poderiam substituir aeronaves tripuladas.
O mais difícil de superar, porém, é a resistência a mudanças. “Na agricultura, em geral, as pessoas demoram para acreditar na funcionalidade de algumas novidades”, diz Kalinka Castelo Branco, pesquisadora da Universidade de São Paulo que estuda o uso de vants. “A mão de obra também não evoluiu, e as pessoas têm medo de ficar sem emprego, de ser trocadas por um drone, quando na verdade a tecnologia vai ajudá-las a fazer o trabalho mais rapidamente.” Mesmo na agricultura, é preciso se atualizar para acompanhar a inovação tecnológica.