Os craques, no evento patrocinado pela Hublot: afagos mútuos (Hublot/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 11 de abril de 2019 às 05h24.
Última atualização em 25 de julho de 2019 às 14h49.
Desde antes de Edson Arantes do Nascimento pisar pela última vez um gramado como profissional, em agosto de 1977, torcedores e imprensa procuram por um novo Pelé. Já foram apontados como seu sucessor promessas que nunca vingaram e dos quais ninguém se lembra mais, como Berico e Washington. Cláudio Adão, que chegou a jogar no início de carreira com Pelé no Santos, já foi chamado de sucessor, da mesma forma que craques superestimados, como Robinho e Ronaldinho Gaúcho. Neymar já estampou a capa da revista Time com essa chamada. Sempre que perguntado, Pelé fez pouco das comparações. A única vez em que parece ter ungido publicamente uma nova majestade do futebol foi recentemente, em uma entrevista para a revista France Football, no começo do ano. Para Pelé, o novo Pelé é o francês Kylian Mbappé.
O aguardado encontro entre o rei e o príncipe aconteceu no começo de abril, e EXAME foi a única publicação brasileira a testemunhar esse momento. Nem mesmo a chuva torrencial que caía em Paris pôde parar a história. Talvez atrasá-la um pouco. Mbappé e Pelé, o príncipe e o rei, encontraram-se no Hotel Lutetia, no 6o arrondissement, à esquerda do Rio Sena. O primeiro olhar, o primeiro aperto de mão aconteceram minutos antes, em uma sala reservada para os promotores do evento e pouquíssimos familiares e convidados. No andar de cima, a imprensa esportiva francesa ocupava metade dos fundos da sala. Em um tablado reservado, uma dúzia de câmeras de televisão estava apontada para uma cortina preta, esperando os astros aparecerem.
Com exatas 2 horas de atraso (a organização do evento ligou para os jornalistas avisando sobre a falta de pontualidade), as cortinas se abrem. Pelé e Kyllian, já sentados, olham para o público de não mais de 100 pessoas sem saber ao certo onde focar. Mbappé virou um fenômeno na França ao se tornar, aos 19 anos, o jogador mais jovem — depois de Pelé — a marcar um gol numa final de Copa do Mundo, na conquista da França no ano passado. Agora, eles são amigos. No começo, apenas trocavam elogios pelas redes sociais. Agora, a barreira das telas de celular não existe mais. “Eu não paro de tocá-lo para ver se é real”, diz Mbappé, em meio à trilha sonora de cliques das câmeras cada vez que toca no Rei.
Além do recorde compartilhado, a história deles se assemelha em muitos aspectos. Mbappé, filho de imigrantes africanos, foi treinado pelo pai e cresceu jogando bola nos campos de Bondy, nos banlieues parisienses, como se chamam as cidades na periferia. Pelé, nascido no interior de Minas Gerais, foi descoberto no time de Bauru, do interior de São Paulo, aos 15 anos. Hoje ambos carregam o peso de serem referência para milhões de fãs. “Ver os vídeos de Pelé, sua elegância e sua agilidade em movimento são uma verdadeira inspiração. Não chego aos 1.000 gols nem no PlayStation”, brinca Mbappé.
A empolgação ali ia além das palavras. Mbappé mal conseguia olhar para a frente, como mandava o protocolo do evento. O costume preto não escondia a pouca idade. Sua vontade de olhar para o lado e comemorar aquele momento estava estampada nos olhos, no sorriso e na inquietude de suas mãos, que, aparentemente suadas, não paravam de ser esfregadas nas pernas da calça. Na plateia, o irmão caçula e o pai, lado a lado, dividiam a atenção do olhar do jovem jogador. “Vocês viram quem está aqui a meu lado?”, parecia dizer o sorriso mal escondido na boca fechada.
Quem estava lá naquela sala viu, sim. Mas o foco do jovem craque está mesmo no campo. A agilidade capaz de desnortear os olhos de um espectador comum e impressionar o torcedor adversário foi colocada à prova na final da Copa da Rússia. “Descobri que poderia entrar para a história um pouco antes daquele jogo. Disse para mim mesmo que seria grande e seria para a França e pela França”, diz Mbappé. “Nunca imaginei ganhar uma Copa. Não tinha pensado nisso em meus dois anos e meio de carreira. Mas vou tentar manter esse ritmo. O futebol permite que eu continue a materializar sonhos. Ele é um dos sonhos, e que se tornou realidade.”
Pelé já falou muito de si mesmo, até na terceira pessoa. Não precisa mais. Naquela sala do Hotel Lutetia, as palavras são sobre a estrela em ascensão. “Kylian simboliza a encarnação da nova geração do futebol, e carrega os valores de um esporte que inspira e solidariza o mundo. Para mim, a chave do sucesso se resume em duas palavras: humildade e assiduidade; é essa mensagem que a nova geração deve levar consigo, e ele compreendeu isso muito bem.”
A apresentação dos dois ídolos estava prevista para novembro. Foi adiada por problemas de saúde de Pelé. Nos últimos anos, ele passou por três cirurgias, duas no quadril e uma na coluna. Em 2016, nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, não conseguiu acender a tocha. No sorteio da Copa do Mundo, em janeiro do ano passado, estava em cadeira de rodas. Hoje, depende de um andador para se locomover. Na manhã seguinte ao evento, ele foi internado devido a uma infecção urinária.
O encontro entre Pelé e Mbappé só aconteceu pelo esforço da manufatura suíça de relógios Hublot, patrocinadora dos dois atletas. O encontro faz parte da estratégia da marca de associação com o futebol, com parcerias com personalidades como Diego Maradona, José Mourinho e a própria Copa do Mundo da Fifa. Enquanto as tradicionais fabricantes de relógios de luxo patrocinam atividades de elite, como tênis e golfe, a Hublot, fundada apenas em 1980, foi atrás do talvez único esporte global.
Essa é a realidade do marketing esportivo atual. Marcas como Nike e Audi patrocinam craques e clubes, e com isso têm direito a diárias das celebridades para fotografar campanhas e participar de eventos. Segundo o Le Figaro, o contrato de Mbappé com a Hublot é de 1 milhão de euros por ano. Se ele for mesmo o novo Pelé, e só o tempo dirá, esse investimento terá saído barato.