Revista Exame

O que está por trás da redução das mortes no trânsito de SP

Cidades paulistas começam a reduzir as mortes no trânsito. A parceria governo-empresas para mudar a atitude dos motoristas é parte da fórmula de sucesso.

Pedestres em São Carlos, no interior paulista: mortalidade no trânsito caiu 50% em um ano (Alexandre Battibugli)

Pedestres em São Carlos, no interior paulista: mortalidade no trânsito caiu 50% em um ano (Alexandre Battibugli)

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Da Redação

Publicado em 17 de outubro de 2016 às 05h56.

São Paulo — São Carlos, cidade do interior paulista com 245 000 habitantes, é conhecida por ter boas universidades e pela vida noturna agitada que oferece à juventude. Se, por um lado, a concentração de estudantes é bem-vinda, por outro, resultava em um destaque triste até pouco tempo atrás. Há dois anos, São Carlos estava em segundo lugar no país­ em estatísticas de mortes de jovens no trânsito.

A combinação de bebedeira com direção, comum entre os universitários, estava por trás do problema. “Era uma epidemia de violência nas ruas”, afirma Márcio Marino, secretário municipal de Transportes. De janeiro a agosto deste ano, as mortes em acidentes de trânsito na cidade caíram para 16, menos da metade dos 35 casos observados no mesmo período de 2015.

Hoje, as ruas e avenidas de lá têm 38% menos mortes do que a média nacional. Como foi possível melhorar tão depressa? A resposta está na adoção de algumas medidas simples, entre as quais pequenas obras viárias — 32 faixas de pedestres em locais perigosos foram pintadas com azul berrante para nenhum motorista passar desavisado.

Além disso, foram montadas blitzes diárias para flagrar motoristas alcoolizados ou que superam limites de velocidade. “Foi preciso mudar o comportamento de quem dirige”, diz Marino. A conquista obtida por São Carlos não é um caso isolado.

Estabilizadas num patamar elevado por uma década, as mortes no trânsito no estado de São Paulo começaram a cair no ano passado, e se descolaram da média nacional, que permanece altíssima para padrões globais.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, em 2015 houve 23 fatalidades no trânsito para cada grupo de 100 000 brasileiros, conferindo ao país­ um vergonhoso 125o lugar em segurança no trânsito, bem atrás de vizinhos como Chile (70o) e Argentina (73o). Já em São Paulo, nos oito primeiros meses deste ano ocorreram 13 mortes por 100 000 habitantes, 6% menos do que no mesmo período de 2015.

Em um conjunto de 15 cidades com alto índice de acidentes, como São Carlos, a redução foi de 15%. Por trás desses resultados está a ação do Movimento Paulista de Segurança no Trânsito, uma força-tarefa criada em 2015 com prefeituras, órgãos estaduais, como o Detran e a Secretaria de Segurança Pública, e grandes empresas, como a cervejaria Ambev.

“Só com bastante gente envolvida é possível reverter esse problema social”, diz Pedro Mariani, vice-presidente de relações institucionais da Ambev. No ano passado, a cervejaria e outros parceiros privados investiram 4 milhões de reais no Infosiga, um banco de dados sobre acidentes de trânsito até então espalhados em 15 órgãos públicos, como polícias e a Secretaria de Saúde.

Inspirado em softwares utilizados pela polícia para mapear áreas barra-pesada, o Infosiga informa as vias mais violentas no mês anterior.

De posse dos dados, técnicos das prefeituras, do governo estadual, da consultoria de gestão Falconi e do CLP, centro de formação de gestores públicos, contratados pelos parceiros privados, se debruçam em estratégias para reduzir os acidentes, com metas que são checadas todo mês. Os municípios com bons resultados têm prioridade em verbas estaduais para obras viárias e compra de aparelhos como radares.

Em dois anos, o governo estadual deverá aportar 450 milhões de reais no programa. Por ora, foram somente 10 milhões de reais, o suficiente para gerar medidas simples, porém eficazes. Em Praia Grande, na Baixada Santista, no intuito de reduzir atropelamentos de ciclistas à noite, a prefeitura criou placas que brilham no escuro para ser instaladas nas bicicletas.

Para receber a placa gratuitamente, o ciclista deve passar por um curso de formação de condutores e informar seus contatos. Mais de 18 000 ciclistas fizeram as aulas. Hoje, quem é pego infringindo regras de trânsito, além de receber algum tipo de multa, é procurado para ouvir um sermão dos agentes de trânsito locais.

“Foi o suficiente para diminuir 60% dos acidentes com bicicletas”, diz Marcelo Prado, secretário de Trânsito de Praia Grande. Desde o começo do programa, já foram salvas 226 vidas no estado de São Paulo, de acordo com a Falconi. É pouco ainda diante do estarrecedor número de 44 000 mortes que ocorrem nas estradas e ruas brasileiras anualmente.

Caso os 5 571 municípios do país adotassem o que vem dando certo em São Paulo, estima-se que em um ano seriam poupadas 6 700 vidas. Se o Brasil inteiro mantivesse patamares de segurança semelhantes aos da Suécia, terceiro país com as estradas mais seguras (atrás dos nanicos Mônaco e Micronésia), as fatalidades cairiam para 5 600 por ano no país.

Além do benefício de oferecer menos risco às pessoas, ter vias seguras também traria um alívio para a economia. Anualmente, o Brasil gasta 18 bilhões de reais no tratamento de feridos em acidentes, em indenizações às famílias de mortos e na reposição de mão de obra perdida na selvageria do trânsito.

“O país economizaria 3 bilhões de reais se tivesse uma melhoria na segurança viária igual à das cidades paulistas”, diz Álvaro Guzella, sócio da Falconi. As campanhas de direção segura, como a das cidades do interior paulista, vão na direção do que deu certo lá fora. Referência em segurança viária, a Suécia conseguiu diminuir a mortalidade no trânsito de sete para dois casos por 100 000 habitantes de 1997 para cá.

O caminho foi criar uma campanha nacional, chamada Vision Zero, com o objetivo de zerar as mortes. Em 15 anos, o governo sueco investiu 1,2 bilhão de dólares em pequenas obras viárias nos pontos críticos, como a construção de rotatórias, medida considerada mais eficaz que o uso de semáforos na prevenção de acidentes.

Além disso, o governo fechou parcerias com 40 empresas, como a montadora Volvo, para campanhas que educaram os motoristas a pisar no freio. Lá, os limites de velocidade em algumas cidades caíram para menos de 50 quilômetros por hora, o que no início causou gritaria similar à que houve na capital paulista quando a velocidade máxima nas marginais baixou de 90 para 70 quilômetros por hora.

No longo prazo, as medidas se provaram bem-sucedidas. Em 2015, a Suécia registrou 259 mortes no trânsito. “Estamos perto de atingir a meta”, diz Matts Belin, supervisor do programa Vision Zero. Recentemente, o bilionário Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, pôs 125 milhões de dólares à disposição de governos interessados em adaptar vias para o trânsito de pedestres.

Em junho, a prefeitura de Fortaleza estabeleceu o limite de velocidade no centro em 30 quilômetros por hora graças ao programa de Bloomberg. A capital paulista deverá fazer o mesmo no centro histórico de São Miguel Paulista, na zona leste, até o fim do ano, com o apoio do programa.

“A segurança viária ainda é um tema ignorado por muitos governantes”, diz Kelly Henning, diretora da Bloomberg Philanthropies, braço de filantropia do bilionário. Felizmente, os avanços obtidos mostram que é possível ter ruas mais seguras no futuro.

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