Lady Gaga no baile do Metropolitan: vestido rosa e exagero calculado | Mario ANnzuoniI/Reuters
Da Redação
Publicado em 23 de maio de 2019 às 05h09.
Última atualização em 27 de junho de 2019 às 16h23.
Antes de você pular esta página por motivos de tenho-coisa-melhor-para-fazer-do-que-ver-gente-fantasiada, um aviso: a Lady Gaga, na foto ao lado, tentou traduzir, ainda que de forma capenga, o futuro próximo da cultura de massa, cujos produtos ninguém estará alheio a ver, consumir ou investir. Nem você.
Nova York, 6 de maio de 2019. Como todos os anos, a primeira segunda-feira do mês reserva à internet uma saraivada de memes prontos diretamente do baile do Metropolitan Museum, que arrecada fundos para o Instituto de Vestuário do museu. Até então mais glamourosos do que espalhafatosos, os looks das celebridades convidadas são o foco do baile de gala, que tem como tema a exposição anual do Instituto do Vestuário. O mote escolhido neste ano foi esta palavra estranha: camp. E como esse termo se traduziu nos vestidos usados pelas estrelas? Basicamente em aparentes absurdos, como esses quatro looks em camadas que Lady Gaga trocou no tapete rosa montado numa das extremidades do Central Park, o local da festa.
Para entender essa corrente estética é preciso compreender o que é considerado natural pela maioria. O oposto da naturalidade ou do socialmente aceitável é, na prática, a base do camp, que potencializa a imagem extravagante e afronta olhos acostumados à sobriedade das coisas. Parece esquisito, e é mesmo. O escritor Oscar Wilde (1854-1900), hoje, é considerado um dândi, um homem extremamente elegante, mas em sua época era chacoteado pelos volumes dos casacos de pele, pelos acessórios e pela alfaiataria suntuosa. Camp. Aconteceu o mesmo com o francês Luís XIV (1638-1715), o Rei Sol, pai do luxo e das frescuras da etiqueta. Foi camp também.
Ambos e outros estetas da imagem são referências da mostra Camp: Notes on Fashion, do Metropolitan. A expressão vigora há centenas de anos, sem nome próprio, para transgredir a imagem vigente. Só em 1964 foi explicado pela escritora Susan Sontag, no ensaio Notes on Camp (ou “Notas sobre Camp”), publicado na revista Partisan Review e mote do convescote fashion de agora.
É do texto de Sontag que partem algumas ideias lançadas pela marca mais influente da atualidade, a Gucci, que, sob a batuta do estilista Alessandro Michele, impôs na prateleira uma explosão de cores, transparências, babados, tachas e brilho, tudo junto e misturado, como manda o camp pronto para consumo. Além de patrocinar a festa, a marca vestiu boa parte das celebridades. Houve dragões no vestido de Saoirse Ronan, uma cabeça de plástico nas mãos do ator Jared Leto e uma fileira de looks vitorianos trajados pelos cantores Harry Styles e Florence Welch.
Desvirtuar o consenso de beleza e também subverter os estereótipos de sexualidade na autoimagem é o mantra do modo camp de agir, vestir e viver. Por isso, o glamour das drag queens nos anos 60 e 70 é visto como seminal para o entendimento dessa corrente. Sontag relacionou a montação exagerada das drags com o camp, mas não definiu o ato como político. Um erro, na visão de alguns estudiosos. Em retrospecto, a luta por direitos civis nos Estados Unidos estava no auge, assim como a repressão aos direitos humanos por parte de uma política de tolerância zero engendrada por governos ocidentais.
Ativistas LGBTQ+ começaram a emular padrões de comportamento femininos, assim como roupas escandalosas para a época, como forma de contestação. O flower power, a arte pop, o rock e tudo o que viria na esteira da ebulição social daqueles tempos foram produtos da opressão. O camp passeou por essas manifestações e, na conjuntura geopolítica nervosa de hoje, volta a pairar sua teatralidade na cultura pop. Mas há um ingrediente novo, tão dourado quanto o look usado pelo ator Billy Porter: a forma como o mercado lucra com o modismo.
Grande acontecimento cinematográfico de 2018, o filme Bohemian -Rhapsody, sobre a banda Queen e sua estrela maior, Freddie Mercury, faturou 3,6 bilhões de reais. Outro ícone, este camp dos pés à cabeça e que tem parte do guarda-roupa exposto na mostra do Met, o inglês Elton John ganhou a cinebiografia Rocketman. A ser lançada no final do mês, é promessa de cifras estelares.
Um telefone-banana, ao estilo do álbum Sunday Morning do Velvet Underground; um champanhe grifado da Lady Gaga; uma roupa do alienígena Ziggy Stardust, criado por David Bowie; uma capa de botijão de gás com o azul da joalheria Tiffany. Todos são exemplos concretos de produtos à venda e de como o camp, esse exagero calculado, pode ser consumido. O fast fashion atual já reproduz em doses homeopáticas essa corrente. O paetê, que até há pouco tempo servia só de adorno para vestido de festa, passou a forrar moletom, calça e todo tipo de acessório nas redes de lojas populares. Os tecidos metalizados tomaram de assalto até a roupa de academia.
Como se trata de indústria que produz em larga escala e erros podem causar prejuízos dolorosos, a nova ordem deve entrar tímida no armário. Ao mesmo tempo, a velocidade de reposição permite experimentações. Prepare-se, portanto, para roupas volumosas, ombros marcados e algumas plumas. Certo mesmo é que brilho não vai faltar.
MÚSICA
O incensado festival de jazz só vai acontecer no Brasil por insistência do produtor Marco Mazzola | Guilherme Dearo
Prepare-se para a seleção de nomes: Miles Davis, Dizzy Gillespie, Art Blakey, Nina Simone, Aretha Franklin, Charles Mingus… Esses são alguns dos músicos que, desde 1967, passaram pelo Festival de Jazz de Montreux, às margens do Lago Léman, na Suíça. O evento, que começou com três artistas de jazz, englobou outros ritmos musicais e, em anos recentes, chegou a ter mais de 160 atrações.
O Brasil, desde os primeiros anos, recebeu atenção especial. De 1978 em diante, grandes nomes do país começaram a fazer as malas para Montreux graças aos esforços do produtor musical Marco Mazzola — por trás de grandes álbuns de Belchior, Elis Regina e Raul Seixas. À beira do lago tocaram Hermeto Pascoal, Gilberto Gil, Gal Costa e Milton Nascimento.
Agora chegou a vez de o festival cruzar o Atlântico. Acontecerá de 6 a 9 de junho, no Rio de Janeiro, a primeira edição do Rio Montreux Jazz Festival. Com ingressos a preços acessíveis e também shows gratuitos, fãs encontrarão três palcos no Píer Mauá e outros cinco espalhados pela cidade. Os palcos cariocas terão 44 apresentações, como de Maria Rita, Frejat, Hermeto Pascoal, Stanley Clarke, Steve Vai, Al Di Meola e Corinne Bailey Rae.
Mazzola vinha tentando nos últimos 15 anos convencer o criador do Montreux suíço, Claude Nobs, a trazer a marca para o Brasil. Nobs morreu em 2013, mas o projeto se manteve. Havia cinco anos o sinal verde estava dado e a primeira edição quase saiu em 2016. A crise econômica no país adiou o sonho para 2019. “Pensei o line up respeitando a filosofia de Montreux: valorizar novos nomes, trazer gênios da música brasileira idolatrados lá fora e também músicos famosos entre os brasileiros”, diz Marco Mazzola. O evento captou 5 milhões de reais pela Lei Rouanet. Os produtores das empresas responsáveis Dream Factory e Gael contaram com o apoio da prefeitura do Rio, do governo do estado e de patrocinadores. Cálculo da Fundação Getulio Vargas aponta que o evento poderá causar um impacto econômico de 52 milhões de reais. “O contrato prevê o festival no Rio até 2023, com possibilidade de renovação por mais cinco anos”, diz Gaetano Lops, da Gael. No ano que vem, deverá pular para maio em vez de junho.