Revista Exame

O poder do Bunge

Ninguém movimenta tanto dinheiro com produtos agrícolas no Brasil quanto o grupo

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h07.

Num momento de prosperidade sem precedentes no setor de agronegócios brasileiro, nenhuma companhia atinge uma expressão tão grande -- e poucas se beneficiam tanto da situação -- quanto o grupo Bunge. No ano passado o conglomerado, formado por empresas de alimentos e fertilizantes, faturou 18,4 bilhões de reais e alcançou lucro de 917 milhões no país. Foi o melhor desempenho dos últimos anos. Seu concorrente mais próximo, o grupo americano Cargill, fechou 2003 com resultados pouco superiores à metade desses números.

O grupo Bunge é líder em beneficiamento de soja, produção de fertilizantes, margarinas, óleos comestíveis e gorduras vegetais, sem contar processamento de trigo, setor que lidera desde a década de 30 e pelo qual entrou no Brasil, há 99 anos. No ano passado o grupo exportou 7 bilhões de reais, ficando atrás somente da Petrobras e da Companhia Vale do Rio Doce em vendas externas. Nos próximos quatro anos, nenhum dos 30 países nos quais o Bunge atua receberá tanto investimento quanto o Brasil. Será 1,3 bilhão de dólares, aplicados principalmente na melhoria de infra-estrutura de transportes. "O Brasil é o país com maior potencial de crescimento em agronegócios do mundo", afirmou Alberto Weisser, presidente mundial do grupo Bunge, a EXAME. "Por isso, é estratégico para nós."

O Bunge se tornou a grande máquina do agronegócio brasileiro depois de implementar uma guinada estratégica que mudou a face de seus negócios. O grupo entrou na década de 90 acumulando quatro anos de prejuízos e uma série de negócios, que iam da produção de alimentos à incorporação de empreendimentos imobiliários e venda de seguros. "Percebemos que nosso desempenho não era condizente com nosso tamanho", afirma Adalgiso Telles, diretor corporativo de relações institucionais da Bunge Brasil. Pode-se traduzir suas palavras numa só -- dispersão. Em 1993, em vez de duas empresas, como tem hoje no Brasil, o grupo administrava 70. Naquele ano, com 20 000 funcionários, o dobro do número atual, a Bunge colheu receitas um terço menores que as do ano passado. O reconhecimento de que algo estava errado e a disposição de resolver os problemas foram os passos iniciais de uma década de mudanças. O novo objetivo estabelecido foi se concentrar no processo que vai do cultivo à fase de industrialização de apenas alguns produtos agrícolas. A recente venda do frigorífico Seara para a Cargill rompe o último laço que o grupo mantinha com setores que estavam fora de seu modelo de negócios. Em 1997, a Seara passou a fazer parte do grupo com a compra da Ceval, na época a maior processadora de soja do Brasil. Dois anos depois, a Seara foi transferida para o Mutual, o fundo de investimentos pertencente a alguns dos acionistas do Bunge. De lá para cá, a operação brasileira do Bunge auxiliou na gestão da Seara. Com a venda, o vínculo se desfez. "A Seara nunca fez parte da estratégia do grupo e desde o começo decidiu-se que ela seria vendida", diz Oscar Bernardes, ex-presidente e atual conselheiro do grupo. "Ser a número 1 do mundo em frangos exigiria muitos investimentos, e talvez jamais conseguíssemos chegar a essa posição."

Bernardes, ex-presidente da Booz Allen Hamilton no Brasil, foi um dos dois brasileiros responsáveis pela remodelagem estratégica do Bunge não só no Brasil, mas no mundo todo. Após sua saída, em 1999, a operação global foi assumida pelo administrador de empresas paulistano Weisser, de 49 anos, sediado na matriz, em White Plains, nos Estados Unidos. "Queremos ficar apenas em atividades com grande potencial de crescimento e nas quais o grupo tenha condições reais de ser líder, como a soja", diz Bernardes. Na industrialização, o Bunge também definiu limites. "A idéia é ficar só com produtos de consumo de alto volume, como óleos comestíveis, margarinas e farinhas para a indústria de alimentos", afirma um ex-diretor da Bunge Alimentos.

O grupo partiu para a integração de seus negócios, passando a vender fertilizantes para o produtor rural em troca dos grãos que exporta e utiliza na industrialização de alimentos. "O Bunge foi o primeiro a ter essa visão e é o mais avançado na venda de pacotes integrados ao produtor rural", afirma Leonardo Sologuren, sócio da consultoria Céleres, especializada em agronegócios. Esses pacotes integrados não se limitam à troca de fertilizantes por grãos, mas podem incluir a venda de tecnologias de cultivo. A Bunge Fertilizantes vende seus produtos para 60 000 produtores rurais e a Bunge Alimentos compra grãos de 30 000 deles. Isso é o que lhe dá condição de processar 27 000 toneladas de soja ao dia, mais que o dobro da segunda maior do setor, a Cargill, que esmaga diariamente 12 000 toneladas.

Na execução da sua estratégia de concentração, o Bunge teve de se livrar de negócios, ainda que saudáveis, como ocorreu com a venda das Tintas Coral para o grupo inglês ICI. Ao mesmo tempo em que vendeu dezenas de empresas e fundiu outras tantas, o grupo comprou várias companhias, como a catarinense Ceval, adqui rida do grupo Hering em 1997, que lhe deu a liderança brasileira no esmagamento de soja. Comprou também várias empresas de fertilizantes, como a Iap e a Manah, esta adquirida em 2000, quando o grupo se tornou líder em fertilizantes no país.

Agora os executivos do Bunge acreditam que não haverá mais gastos de energia com a venda de operações que estejam fora de seu escopo estratégico. Ao contrário, a operação enxuta permite que sua direção possa voltar a investir em negócios que tenham relação direta com sua estratégia.

Recentemente foram feitos três movimentos nessa direção. O primeiro deles foi a transação ocorrida no final do ano passado com a empresa cearense
J. Macêdo. A Bunge Alimentos transferiu à J. Macêdo suas marcas e operações de farinha, massas e misturas para bolo voltadas para o mercado de consumo. Em troca, assumiu as marcas de farinhas industriais e misturas destinadas à indústria de alimentos e panificação. "Percebemos que não éramos competitivos nos produtos de consumo da cadeia de trigo", afirma Telles. O segundo movimento foi a criação, em 2003, da empresa Solae, de ingredientes à base de soja para a indústria alimentícia, em sociedade com a DuPont, a controladora do negócio, com 78% do capital. A Solae somou ativos das duas empresas. "O investimento na Solae demonstra que o Bunge está atento ao centro de seus negócios, mas não quer perder oportunidades que se mostram promissoras no futuro", diz Sologuren, da consultoria Céleres. "Trata-se também de um mercado constituído por produtos de altíssimo valor agregado." Com um ano e meio de existência, a Solae fornece proteínas e lecitinas de soja a empresas como Del Valle, Vigor e Leco, que fabricam bebidas e iogurtes à base de soja. O terceiro passo foi a compra, por 240 milhões de reais, de 11% da Fosfértil, líder em insumos para fertilizantes e controlada pela Companhia Vale do Rio Doce, no final do ano passado.

Em agosto, o Bunge decidiu fechar o capital no Brasil. A decisão ocorreu depois de o fundo de pensão Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, anunciar que venderia seus 7% de participação na companhia. A operação foi marcada para o final de setembro. Como restariam apenas 10% das ações no mercado, o grupo decidiu comprar a totalidade dos papéis.

Após uma década de ajustes, os executivos do Bunge acreditam que a empresa está no auge da sua competitividade. "Agora o Bunge está redondo", diz Telles. Estar redondo, nesse caso, significa estar pronto para crescer ainda mais no Brasil -- e crescer no Brasil é absolutamente estratégico para encorpar o Bunge no agronegócio global. No caso da soja, o grupo é o terceiro maior do mundo, atrás apenas das americanas Cargill e ADM. "Para dominar o negócio da soja é preciso ser grande nos Estados Unidos e no Brasil", diz um ex-executivo do grupo. "E, no Brasil, o Bunge já está bem na frente."

O tamanho do grupo
O grupo Bunge é o maior processador de soja e trigo do Brasil.
Também é o maior fabricante de fertilizantes, óleos comestíveis e gorduras
vegetais do país. Em 2003, a operação brasileira (em reais)
Faturou
18,4 bilhões
Lucrou
917 milhões
Exportou
7,1 bilhões
Investiu
418 milhões
Fonte: empresa

Menos negócios, vendas maiores
No início dos anos 90, o braço brasileiro do grupo Bunge contava
com empresas nas áreas de agronegócios, tintas, informática, financeira,
empreendimentos imobiliários, seguros e cimento. Nos últimos dez anos, a
organização se concentrou no agronegócio e triplicou sua receita. Compare
a mudança
Anos
1993
2003
Número de empresas
70
2
Faturamento (em reais)
6 bilhões (1)
18,4 bilhões (1)
Número de funcionários
20 000
10 600
(1) Valores ajustados para dezembro de 2003
Fonte: empresa
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