Revista Exame

O pioneiro global

À frente de negócios de 100 bilhões de dólares, o sueco Percy Barnevik conhece como poucos os caminhos para prosperar numa economia globalizada. Para ele, o Brasil tem amplas chances de sair da crise. Seu conselho aos empresários: exportar, exportar,

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 10h40.

Última atualização em 10 de fevereiro de 2021 às 18h32.

Percy Barnevik já foi chamado de visionário, pioneiro, louco, gênio e Genghis Khan. Em 1988 ele assumiu o comando da ABB, o segundo maior conglomerado europeu de engenharia e tecnologia de energia, formado pela fusão da empresa sueca Asea com a suíça Brown Boveri. Ao longo dos nove anos em que esteve à frente da ABB, Barnevik transformou a empresa numa agressiva potência mundial, com presença em 140 países de cinco continentes e faturamento anual de 32 bilhões de dólares.</p>

Para isso, apostou firme na idéia da globalização dos negócios. Numa época em que a Europa ainda estava longe de se unificar, ele já vislumbrava um mundo sem fronteiras econômicas. Sua divisa era (e é): pense globalmente, aja localmente. Para implementá-la, o sueco Barnevik adotou um modelo agressivo de gestão, que chegou a ser considerado suicida na época.

Em seus primeiros cinco anos de existência, a ABB comprou 60 novas fábricas em lugares tão diferentes como Kuala Lumpur e Sydney. Para minimizar a influência funesta da burocracia, Barnevik eliminou a camada de gerentes médios da ABB - cerca de 90% deles foram demitidos. A cúpula da empresa também foi enxugada. Dos cerca de 900 executivos de primeira linha, sobraram 25 (é provavelmente dessa época que provém sua alcunha de Genghis Khan).

Com o emagrecimento forçado, a ABB ganhou o que Barnevik considera fundamental para uma empresa globalizada: velocidade. Para dar corpo ao mote aja localmente, Barnevik fatiou a ABB em centros de especialização e criou o que ele chama de 5 000 centros de lucratividade. Os resultados da estratégia vieram rápido. Em 1995 os lucros haviam aumentado 73% em relação a 1988. Pequenas empresas regionais que eram cronicamente deficitárias passaram a dar lucro.

Na esteira do sucesso, Barnevik, hoje com 57 anos, tornou-se uma celebridade no mundo dos negócios, tão festejado quanto um Jack Welch, da GE, ou um Lee Iaccocca, o ex-presidente da Chrysler. Em 1991 a Harvard Business Review dedicou-lhe 15 páginas numa de suas edições. Três anos depois, Barnevik foi eleito pela revista International Management o CEO mais admirado da Europa.

No auge de sua carreira, em 1997, Barnevik voltou a surpreender. Pediu demissão do posto de presidente executivo da ABB, alojando-se em seu conselho de administração. Não foi um movimento intempestivo. Ao contrário. Segundo ele, foi a concretização de uma decisão tomada anos antes. "Sempre disse que quando tivesse 55 anos deixaria o comando da ABB", afirma.


Mas Barnevik não está aposentado. Tornou-se presidente da Investor AB, holding da família sueca Wallenberg, controladora de um império que vale 100 bilhões de dólares, formado por companhias como Ericsson, Electrolux, Saab, Scania e SAS, além da própria ABB. Atualmente, a rotina de Barnevik consiste em viajar pelo mundo conversando com presidentes, primeiros-ministros e empresários que conhecera em seus tempos de ABB. Seu objetivo é sentir a temperatura da economia mundial e identificar oportunidades de investimento em diferentes países. Em sua recente visita ao Brasil, Barnevik conversou com o presidente Fernando Henrique Cardoso, com empresários e com os ministros militares. "Eles me garantiram que não pensam em ocupar o poder novamente", afirma.

Apesar da agenda lotada, da diferença de fuso e do calor que fazia em Brasília, Barnevik não aparentava impaciência ou cansaço. Ao contrário, depois de uma palestra de 2 horas e de participar de um almoço de negócios, Barnevik parecia recém-saído de uma barbearia. Sua imagem pouco mudou desde que passou a atrair a luz dos holofotes. Há mais de 15 anos ostenta o mesmo bigode e cavanhaque bem aparados, salpicados de fios brancos. Antes de receber EXAME, Barnevik analisou, no saguão do hotel, um punhado de papéis que tinham acabado de chegar pela Federal Express. Assinou e despachou alguns documentos e dedicou 1 hora à seguinte entrevista.

Quais os seus interesses no Brasil?

Tenho interesses de investidor. Sou presidente da Investor AB, uma empresa que busca oportunidades de negócios em diferentes países. Somos acionistas da Ericsson, Electrolux, SKF, Scania e ABB, entre outras empresas. Temos muito dinheiro investido no Brasil. Vim para sentir a temperatura do país e conversar com as pessoas, estimulá-las um pouco.

Como o senhor está vendo o Brasil?

Encontrei pessoas de diversos setores, como o automobilístico, o farmacêutico e o de telefonia. Elas estão precisando de um pouco de estímulo porque estão passando por momentos difíceis e por problemas como juros altos, falta de crédito, pouca disponibilidade de capital. Fui às empresas, discuti as oportunidades. Tento acender as esperanças quando os empresários de um país estão um pouco deprimidos, sabe? Eu tento forçar reações, ações, mudanças.

Como o senhor avalia a crise atual?

Tenho acompanhado este país por 30 anos. Todos os seus altos e baixos. As expectativas nos anos 70, a década perdida, nos anos 80, e a estabilidade econômica. Hoje, o Brasil está novamente numa encruzilhada. As coisas ficarão muito ruins se o país escorregar de novo para a inflação, a indexação econômica, o confinamento dos movimentos do capital numa camisa-de-força. Mas não acredito que o Brasil volte a esse momento.

Por quê?

Vocês sabem gerenciar esse tipo de crise, têm o FMI dando cobertura e bancos que funcionam. Não é como a Coréia. O país é transparente, as instituições se desenvolveram e existe apoio internacional.

E as lideranças?

Sou um admirador do presidente Fernando Henrique Cardoso. Eu o conheci antes de ele se tornar presidente. Ele realmente entende de economia. Acredito que o novo presidente do Banco Central, Armínio Fraga, vai trazer estabilidade para o país. Claro que você tem também o Congresso, o velho Congresso. Aprovar reformas nas regras tributárias não é tão fácil. Espero sinceramente que exista um número suficiente de líderes no Congresso para aprovar, por exemplo, a reforma tributária.


Qual o conselho que o senhor está dando aos empresários brasileiros?

Exportar, exportar, exportar. E que lutem contra os importados. Quando o real era uma moeda forte, houve aumento das importações e, conseqüentemente, uma diminuição da produção doméstica. Agora as empresas têm a oportunidade de concorrer com os produtos importados e forçá-los para fora do país novamente. Digo: optem por exportações, optem pelo aumento da fatia de participação no mercado interno, comprem novas empresas.

O senhor acha que o Brasil é um lugar de boas oportunidades?

Sim. Mas há os dois lados da moeda: riscos e oportunidades. Acontece hoje no Brasil o que aconteceu na Ásia há pouco tempo. Você pode comprar empresas que não podia comprar antes. Se você não acredita na América Latina, se você acredita que o Brasil vai desabar com a chuva, você não deveria investir aqui. Mas a maioria de nós acredita no Brasil. Eu me encontrei com os ministros militares ontem à noite e eles me asseguraram que não têm a intenção de tomar o poder. Então parece que o Brasil vai continuar nos trilhos.

Não é difícil analisar diferentes países e determinar as oportunidades de investimento?

Bom, não faço análise em países como o Equador, por exemplo. Mas faço na Rússia, China, Polônia, Índia, Indonésia e no Brasil. Esses são os países emergentes que estão passando por grandes transformações. Nesses países eu conheço as pessoas, faço contatos com o governo. Claro que não acerto sempre. Eu cometi meus erros. Não vi a crise asiática vindo tão forte como veio. Espero que a Rússia consiga se recuperar minimamente de seus problemas e sua economia não caia a ponto de se desintegrar. Mas eu fui o primeiro na Polônia. A Polônia é um sucesso de proporções inacreditáveis. A ABB tem um negócio de 1 bilhão de dólares lá.

E na América Latina?

Sempre acreditei que os investidores não podem esquecer da América Latina, mesmo no auge das crises. Existe muita gente educada aqui, e muitos recursos. Além disso, a América do Norte está muito próxima. Na América do Sul temos participação em várias indústrias, desde os anos 50. Fomos nós que trouxemos a primeira hidrelétrica para Pernambuco em 1912. Também entregamos o bondinho do Pão de Açúcar para o Rio de Janeiro.

O senhor foi um dos primeiros a falar em globalização, em meados da década de 80. Como vê a globalização hoje?

A globalização é uma tendência que tem-se mantido forte nos últimos dez anos. Isso é muito encorajador. Ainda existem poucas empresas verdadeiramente globais, mas isso vai mudar. Durante a década de 80 muitas empresas se retraíram. Muitas americanas se retiraram do mercado global e voltaram para os Estados Unidos. Hoje existe uma reversão dessa tendência. Essas empresas estão começando a voltar para o mercado global. Veja a Sony com dois QGs, um no Japão e outro nos Estados Unidos. Os japoneses compreenderam que não podem limitar-se ao seu país, mas têm de investir no mundo. Eles têm de criar algo novo, pequenas fábricas-satélite ao redor do planeta. Essa tendência está acontecendo. Pouca coisa foi feita, em termos de globalização, antes de 1987. Pouca coisa foi feita depois. Agora, as empresas que não cederam às dificuldades dos anos 80, como nós, estão em fase de crescimento, consolidação e tomada de decisões. Minha mensagem principal é que as grandes empresas têm de tornar-se globais, fortes ao redor do mundo, não apenas aqui ou ali.


Por quê?

Há vantagens em ser global, desde que não se perca as características locais. Veja o exemplo da ABB. Suas encomendas caíram de 6 para 3 bilhões de dólares na Ásia com a crise. Mas cresceram 1 bilhão no Oriente Médio e na África. Se você está em todas as regiões, a vantagem é que pode compensar as mudanças da economia. Você consegue uma economia de escala porque você é maior. Mesmo que você seja uma filial com uma economia muito regional, participando de uma empresa global você se beneficia de contratos globais. A empresa local se beneficia do investimento em pesquisa e desenvolvimento da corporação. O conhecimento resultante se espalha pelas empresas ao redor do mundo. Você não precisa ficar reinventando a roda localmente. Além disso, você cria uma rede de distribuição mundial. Se quer vender na Ásia, não precisa recorrer a uma empresa asiática. Ao mesmo tempo, o negócio global está no Brasil, comandado por brasileiros, perto dos consumidores. Se pode combinar as vantagens de uma empresa global com as de uma empresa local, você tem o melhor de dois mundos. Você fala a língua local, tem o consumidor e oferece o excedente para o mundo.

Isso não é difícil de conceber...

Mas é difícil de fazer. Para permanecer no limite da competitividade, é necessário estar lançando produtos de ponta. Seus concorrentes vão copiá-lo, mas com uma diferença de seis meses, dez meses, um ano. A tecnologia simplesmente flutua ao redor do mundo. As empresas roubam, copiam, licenciam. Não se pode apostar num mercado protegido. Na prática, você tem uma vantagem de 6 a 24 meses entre o prazo de lançamento e o momento em que a concorrência empata com você. Por isso, o seu diferencial não é o produto, mas o processo. Há 20 anos, os japoneses começaram sua grande jornada rumo à qualidade. Eles transformaram a marca made in Japan, que até então era associada a produtos baratos e de baixa qualidade. Quando os americanos acordaram, 15 anos depois, os japoneses tinham conquistado 25% do seu mercado. Quando os consumidores pararam de comprar os carros de Detroit e passaram a preferir os carros japoneses, a General Motors e a Ford disseram basta, precisamos lutar. Mas a reação levou muitos anos para acontecer. Foi o tempo necessário para que os americanos conseguissem copiar os processos japoneses de priorizar e recompensar a qualidade.

Qual é o segredo de criar e manter uma empresa global?

Para criar uma verdadeira empresa global, é preciso que ela seja doméstica e global ao mesmo tempo. Grande - e que tire vantagens disso - e ao mesmo tempo pequena. Isso não é algo que se faça do dia para a noite, não importa o quanto o conceito seja simples. Não basta distribuir um gráfico organizacional. Você tem de fazer um produto global padronizado, você tem de criar confiança mútua entre nacionalidades, tem de construir relações. Isso não leva uma eternidade, mas leva muito tempo. Nós começamos nosso processo de globalização há 20 anos. Fizemos a fusão da sueca Asea com a suíça Brown Boveri, criando a ABB. Pela primeira vez executivos italianos e americanos trabalharam juntos. Houve muitas brigas, por vezes os americanos chegaram perto de mandar os italianos para o inferno. Num segundo momento, começaram a se conhecer melhor e a construir uma cultura comum, uma espécie de cola da corporação que praticamente isola as contradições. Isso acontece na Colômbia, na China, em toda parte.


Como o senhor vê o mundo hoje?

Estamos passando por uma fase de crescimento. Há crescimento por toda parte. O mundo passou por um período de intenso downsizing, com uma forte mentalidade de encolhimento, enxugamento, terceirização. Precisamos agora criar a mentalidade do crescimento. Não digo que o período de enxugamento não tenha sido necessário. Mas, se continuarmos a encolher, encolheremos até o desaparecimento. Veja a Westinghouse: desapareceu. Você tem de ter uma mentalidade mais aberta, tem de se perguntar "como eu posso crescer no Brasil? Como eu posso crescer na Inglaterra?" Nós tínhamos uma receita de 100 milhões de libras na Inglaterra há dez anos, hoje temos 2 bilhões de libras. E a Inglaterra é um mercado maduro.

Como o senhor vê o mundo daqui a dez anos?

Uma coisa que eu aprendi é a inutilidade de prever as coisas. O senhor Daimler, fundador da Daimler-Benz, disse há 100 anos que nunca haveria mais de 5 000 carros no mundo porque nunca haveria um número suficiente de motoristas para dirigi-los. Há 50 anos disseram que um único computador, que é hoje um décimo do PC, bastaria para arcar com todas as necessidades de informática do mundo por 100 anos. Quem viu o declínio do Império Russo mesmo um ou dois anos antes de acontecer? Quem previu a crise asiática? Diziam que os tigres eram invencíveis. Uma pessoa só pode fazer uma coisa: viver próximo ao mercado. Agir rápido, ter uma mente aberta. Quando você começa a prever, já é tarde demais.

Por que o senhor saiu da ABB?

Há muitos anos decidi que quando fizesse 55 anos deixaria o cargo de presidente da ABB. Não acho que um presidente deva permanecer no posto por 25, 30 anos. O cargo deve ser aberto para outro. Depois de algum tempo você conhece demais as pessoas, faz amizades. Hoje eu estou em segundo plano.

Foi difícil sair?

Minha maior expectativa foi trazer uma pessoa que desse continuidade ao trabalho. Quando deixei o cargo de presidente da ABB, imediatamente saí da Suíça. Uma vez que você não é mais o presidente, deve sair. Quando Jack Welch sair da GE, ele também vai deixar o conselho de administração. Se você continua como presidente não-executivo, então tem de deixar absolutamente claro que sua atuação se confina aos limites do conselho. Você tem que se esforçar ao máximo para sair do caminho do novo presidente executivo. As pessoas têm de compreender que há outro senhor ABB agora. Eu modifiquei minha vida para fazer isso. Algumas pessoas acharam que eu estava doente, porque desapareci. Não dei entrevistas por dois anos.

É difícil achar pessoas para liderar uma empresa global?

Costumo dizer que você precisa de uma locomotiva e dez vagões. Você sempre tem algumas pessoas disponíveis que são agentes de mudança. Pessoas que florescem na mudança. São os que têm a coragem e o ímpeto de tentar coisas novas. Fui tachado de louco por algumas coisas que tentamos fazer na Europa. Quando, por exemplo, apostei na Polônia, ainda no tempo dos últimos presidentes comunistas. Mas acreditávamos que esse país estava às vésperas de uma abertura econômica. Precisamos de coragem para olhar além da próxima esquina. Algumas vezes você erra, mas outras acerta.


Como o senhor forma líderes?

Faço rotação de pessoas e as mando pelo mundo afora. Numa empresa com 30 000 funcionários, você acha dez que estão dispostos a viajar pelo mundo. Alguns têm problemas pessoais para se realocar. Pessoas com menos de 30 anos têm mais disponibilidade. Você as manda para fora e elas adquirem experiência de três a cinco anos no exterior. Depois voltam a seu país e continuam a trabalhar lá. Mas aí você formou candidatos a futuras promoções. E, quando precisa de uma pessoa para tomar conta do seu negócio na Itália, você tem.

O que o senhor faz quando encontra uma pessoa com características para ser um líder?

Quando encontro um líder, ponho-o na linha de frente. É preciso fazer essas pessoas passarem dois anos aqui, três anos ali, gerenciarem projetos, saírem do país, interagirem com o mundo. Para ser um líder mundial, você não pode viver no ambiente protegido de um presidente de empresa. Se você senta na cadeira do presidente em nossa sede em Osasco, com 3 000 pessoas sob seu comando, com sua secretária, assessores à sua volta, vive em um ambiente que lhe paparica o tempo todo. Mas, se você tiver um time de cinco pessoas, e o seu ambiente de trabalho é o mundo inteiro, então não tem um porto seguro. Tem de ser bom o tempo inteiro, tem de convencer as pessoas pelo poder do seus argumentos. Você tem de viajar muito. O prestígio também é muito alto. Você trabalha com cinco pessoas, mas tem um tremendo impacto na empresa. Você decide construir uma fábrica na China, fechar outra na Alemanha, então é realmente um colaborador importante para a empresa. É um emprego muito difícil. E ninguém que não seja muito bom pode sobreviver nesse emprego. Para presidir uma empresa também não se pode ser ruim, mas não é necessário ser tão bom, entende? As pessoas globais têm responsabilidades globais. São poucas. São pessoas que têm de ser bons líderes, mas, mais que tudo, têm de compreender bem a diversidade cultural, têm de ser bons ouvintes.

É difícil formar gente desse tipo?

Construir uma pessoa assim leva muito tempo. É necessário muita experiência, mas também é importante que essa pessoa seja íntegra. É fácil tender a favorecer o seu próprio país em decisões globais. Favorecer seus velhos amigos, gente da sua nacionalidade. É preciso resistir a isso, é preciso priorizar o que é importante para a empresa, não o que é importante para este ou aquele país.

É possível formar líderes?

Até um certo ponto. Muitas coisas podem ser aprendidas. Eu mesmo, quando tinha 35 anos e estava começando minha carreira, era um pouco arrogante, queria as coisas rapidamente. Normalmente eu ficava irritado com pessoas lentas. Eu sentava em reuniões e dizia: "Vocês têm 2 minutos para falar". Esse tipo de coisa. Com o passar dos anos, você aprende a não fazer isso. Uma vez eu estava falando em inglês no telefone com um alemão. Ele estava com dificuldades de formular as frases e falava muito lentamente. Eu disse: "Fale mais rápido". O resultado foi que ele não conseguiu proferir nem mais uma palavra.

Que conselhos o senhor daria aos executivos?

Há muitos detalhes que se aprendem com o tempo. Se você está zangado, por exemplo, não mande cartas ao seu chefe ou ao seu subordinado. Se você está furioso, ligue para ele e fale tudo por telefone. Tire o peso da sua cabeça. Diga tudo diretamente. As pessoas fazem o contrário. Quando estão zangadas, elas escrevem cartas. Se você não escreve tão bem em inglês, por exemplo, pode ser um desastre. Agora, se você tem algo bom a dizer, não ligue, escreva. Há centenas de dicas sobre como evitar as pequenas armadilhas.


E como o senhor identifica um líder?

Há muitas coisas. Mas a principal é que no fim do dia essa pessoa atingiu todos os seus objetivos, apresentou resultados. É importante encontrar esse tipo de pessoas cedo. Manter os olhos nelas e garantir que não empaquem na carreira. Evitar que seus chefes as escondam para mantê-las por perto por dez anos. Quando eu era presidente, viajava muito. Sentava com as pessoas e as ouvia, verificava como elas acompanhavam suas equipes, como os chefes trabalhavam para construir uma cola entre seus empregados. Ontem falei com 41 jovens brasileiros. Um deles me perguntou: "Um brasileiro pode ser o chefe da ABB?" Respondi: claro. Adoro trabalhar com gente jovem. Eles me realimentam, perguntam como você faz isso, como você faz aquilo. Hoje prefiro trabalhar com trainees. É também uma forma de pagar meus débitos com a sociedade. Tive a sorte de desfrutar uma bolsa de estudos nos Estados Unidos quando era jovem, e eu acho que lidar com os jovens é uma das obrigações que tenho.

Pelo seu tipo de trabalho, o senhor deve gostar muito de falar com gente. Senão sua vida seria um inferno.

Gosto de falar com gente, mas também prezo muito estar sozinho. Gosto de andar pelos Alpes e de velejar. Toda a sua vida você trabalha com gente. Tudo o que eu consigo, consigo por intermédio das pessoas. Você precisa acendê-las, motivá-las, convencê-las. Se você não gosta de trabalhar com gente, não deveria ser um líder. Mas é maravilhoso quando posso fazer alguma coisa sozinho.

O que o senhor faz para ter certeza de que está analisando as coisas como elas são, não como gostaria que elas fossem ou como elas eram no passado?

É importante não permanecer preso às idéias preconcebidas. É importante ajustar sua visão da realidade. Para isso, é necessário compreender que é permitido cometer erros. Mas, se você errar e não corrigir o erro, então eu não o perdôo. Se você simplesmente se apegar ao seu ponto de vista, tudo está perdido. Eu errei quando previ a profundidade da crise russa. Isso não significa que você tenha de abandonar a Rússia. Significa que tem de se adaptar à nova situação. Tem de ser aberto e falar sobre isso. Aqui no Brasil, encontrei-me com 60 pessoas-chave para o país. Militares, políticos, empresários, estrategistas e pessoas comuns, como aqueles jovens da ABB. Fiz uma sessão de perguntas e respostas de meia hora. Durante esse tempo fui interiorizando minhas impressões, e comecei a formar uma opinião sobre onde está o Brasil atualmente. Devemos mandar investimentos de 100 milhões de dólares agora? Devemos esperar? Depois vou para outros países e digo aos presidentes locais: "É melhor vocês correrem, ajam rápido, porque o Brasil agora pode produzir 5% mais barato que suas empresas". Você tem de ser um catalisador, algumas vezes me sinto como um receptáculo de informações, para dentro e para fora. Para isso você tem de se mover, não pode se contentar com sentar e ler a The Economist e o Wall Street Journal.

Não é cansativo?

Muito. Estou com quase 60 anos e não posso continuar para sempre. Deixei de ser presidente executivo para ter menos trabalho. Se você é presidente executivo, está nas barricadas todo o tempo. As pessoas lhe buscam, ligam no meio da noite, você tem de estar sempre disponível. Agora eu dei um passo atrás. Sou presidente do conselho de três empresas e aconselho muitas outras com as quais nem sequer tenho uma ligação formal. Assim disponho de mais tempo para pensar em estratégias, uma rotina menos caótica. Tenho alguns netos agora, e espero poder gastar um pouco mais de tempo com eles do que gastei com meus próprios filhos. É uma espécie de segunda chance que se tem na vida.

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