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Planos de saúde têm novo plano para lucrar

Ganhar dinheiro com saúde no Brasil é duro. Mas um grupo de operadoras menores investiu em verticalização e prevenção e está se dando bem

Hospital da NotreDame Intermédica (Zeca Caldeira/Exame)

Hospital da NotreDame Intermédica (Zeca Caldeira/Exame)

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André Jankavski

Publicado em 2 de agosto de 2018 às 09h00.

Última atualização em 23 de outubro de 2019 às 21h09.

As operadoras de saúde NotreDame Intermédica e Hapvida abriram o capital, em abril, num momento que dificilmente poderia ser considerado promissor para o mercado. De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar, a crise econômica fez com que o número de beneficiários caísse de 50 milhões para 47,4 milhões em três anos. As operadoras sofrem com uma inflação médica, que bate na casa dos 20% ao ano, impulsionada pelo aumento na complexidade dos tratamentos e pelo envelhecimento da população. Nesse contexto, o número de gestoras de planos de saúde diminuiu de 1.400 para 930 em dez anos.

Mas a NotreDame Intermédica e a Hapvida vivem um bom momento: desde a abertura até 30 de julho, as ações da primeira valorizaram 48% e as da Hapvida 17%, enquanto o principal índice da bolsa de valores caiu 6% no período. No primeiro trimestre, o faturamento da NotreDame Intermédica cresceu 18%, para 1,4 bilhão de reais, e o número de beneficiários aumentou 7,7% em comparação a janeiro-março de 2017. Na Hapvida, o faturamento cresceu 23%, para 1,1 bilhão de reais, e o número de beneficiários subiu 8% no período.

Os bons números da NotreDame e da Hapvida, de acordo com executivos e analistas ouvidos por EXAME, são símbolos de uma mudança em curso no mercado de saúde no Brasil. Junto com outra empresa, a Prevent Senior, elas formam um bloco que aproveitou a crise para crescer num setor que movimenta 160 bilhões de reais por ano e é dominado por gigantes como Bradesco Saúde, que fatura 20 bilhões, Amil, 19,3 bilhões, e SulAmérica, 13,7 bilhões. A NotreDame Intermédica é a maior desse grupo: faturou 5,3 bilhões de reais em 2017, ante 3,8 bilhões da Hapvida e 2,3 bilhões da Prevent Senior.

Essas empresas miram públicos distintos: a NotreDame Intermédica atua em São Paulo, a Hapvida no Nordeste e a Prevent Senior foca os idosos. Em comum, hoje apresentam números acima da média. A maior operadora do país, a Bradesco Saúde, com 3,3 milhões de clientes, tem custos médicos equivalentes a 90% da receita. Na NotreDame Intermédica, a taxa, chamada de sinistro, é de 72%; na Hapvida, de 55%; na Prevent Senior, de 79%. O trio tem margem de lucro líquida de 15%, ante 4% da média do setor.

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NotreDame Intermédica, Hapvida e Prevent Senior criaram uma estratégia sob medida para atacar as dificuldades de um setor em que é duro ganhar dinheiro. O mercado de saúde no Brasil alia custos altos a uma judicialização crescente e a problemas de regulação. Um levantamento do Observatório da Judicialização da Saúde Suplementar, ligado à Universidade de São Paulo, mostra que o número de ações contra os planos de saúde no estado cresceu 329% de 2011 a 2017. A maioria se refere a negativas no atendimento, fruto de questões surgidas entre planos e pacientes. No meio do caminho, há um desalinhamento de interesses entre os hospitais e os laboratórios que realizam procedimentos e os planos que pagam por eles. Segundo a própria Associação Nacional de Hospitais Privados, 20% do meio trilhão de reais que o sistema de saúde fatura ao ano são perdidos em exames desnecessários, erros médicos, excesso de consumo de materiais e fraudes médicas.

Durante anos e anos, o custo crescente dos tratamentos foi sendo repassado dos hospitais às operadoras, e das operadoras aos clientes. Desde 2013, o preço dos planos de saúde corporativos, que representam 70% do mercado, subiu cerca de 160%, quatro vezes a taxa da inflação, forçando as empresas e os clientes a rever os gastos. De um lado, eles buscaram planos mais baratos dentro das mesmas operadoras. “Em algumas operadoras, até 80% dos clientes aceitaram rebaixar o plano para não aumentar as tarifas”, diz um executivo do setor. De outro, procuraram empresas mais baratas. A Bradesco Saúde perdeu 700 000 clientes de 2014 para cá, 17,5% da carteira; e a Amil viu diminuir 12%, cerca de 550 000 beneficiários. No mesmo período, o número de segurados de Hapvida, Prevent Senior e NotreDame Intermédica cresceu 18%, 38% e 45%, respectivamente.

Esse trio de operadoras vem conseguindo melhores resultados, em parte, por investir na verticalização. Elas são donas de hospitais, centros médicos e laboratórios. A NotreDame Intermédica tem 18 hospitais e 67 centros clínicos. A Hapvida, 25 hospitais, 74 centros clínicos e 83 laboratórios. A Prevent Senior é a menor das três, com oito hospitais e 32 centros clínicos. “Chegamos a fazer cirurgias por metade do valor cobrado por alguns hospitais”, diz Irlau Machado, presidente da NotreDame Intermédica. A Hapvida criou um sistema de identificação biométrica para pacientes e médicos que reúne o histórico dos clientes para acelerar o atendimento e evitar perdas. O mercado estima que 30% dos exames são ignorados nos laboratórios. “Com a rede própria evitamos o desperdício”, afirma Cândido Pinheiro Júnior, vice-presidente da Hapvida, que administra a operadora com o irmão Jorge Pinheiro de Lima.

Essas operadoras também colhem frutos de uma velha máxima no setor de saúde: prevenir é mais barato do que cuidar. A Prevent Senior cobra 25% menos do que as concorrentes, entre outras razões, porque  acompanha os 370.000 clientes no dia a dia. No ano passado, ajustou as mensalidades em 6,5%, metade do limite de 13,5% autorizado pela ANS. Uma pesquisa feita pela operadora espanhola Advance Medical Group indica que metade das visitas ao pronto-socorro poderia ser evitada com mais atenção das empresas aos clientes. Por ano, o setor gasta cerca de 20 bilhões de reais somente com o pronto-atendimento. Um estudo da Organização Mundial da Saúde mostra que cada dólar investido em prevenção de doenças gera um retorno de 7 dólares para empresas e sociedade.

Cândido Júnior e Jorge de Lima, controladores da operadora de planos de saúde Hapvida: 25 hospitais, 74 centros clínicos e 83 laboratórios de exames próprios | Drawlio Joca

As grandes operadoras buscam se adequar à nova dinâmica e também avançam na verticalização. A Bradesco Saúde está expandindo a rede própria de clínicas médicas Novamed, criada neste ano e, por enquanto, com quatro unidades em São Paulo. A Novamed oferece atendimento em várias especialidades, além de fazer exames e cirurgias por um custo menor do que o de outros fornecedores. A SulAmérica, com 1,7 milhão de clientes, trouxe ao Brasil o aplicativo de saúde Sharecare, que tem a ex-apresentadora de TV americana Oprah Winfrey como um dos investidores. Por meio de inteligência artificial, o aplicativo consegue até acompanhar o nível de estresse do usuário com o reconhecimento de voz.

Já a Amil anunciou, neste ano, um investimento de 10 bilhões de reais no Brasil, principalmente na compra de hospitais e também na criação de clínicas populares. A empresa registrou 19,3 bilhões de reais de receita em 2017. A Porto Seguro Saúde lançou um projeto chamado Saúde 24 Horas que vai pôr à disposição médicos e enfermeiros o dia inteiro por telefone. A Porto Seguro planeja que, até o fim do ano, todos os segurados possam ter acesso ao programa, hoje restrito aos funcionários. “No ano que vem, teremos médicos que visitarão os segurados em casa, no estilo médico de família”, diz Marcelo Zorzo, diretor executivo de saúde da Porto Seguro. Bradesco, Amil e SulAmérica, assim como Prevent Senior, não deram entrevista.

O debate sobre os custos no setor esquentou em julho, quando o Supremo Tribunal Federal vetou uma medida da ANS que permitia a cobrança de até 40% do custo dos tratamentos como coparticipação dos pacientes (a polêmica que se seguiu levou a agência a derrubar a resolução no dia 30 de julho). Cármen Lúcia, presidente do Supremo, chegou a dizer que “saúde não é negócio”. Claro que é. É um negócio tão atraente que a competição não para de crescer. Com concorrência mais acirrada, ganham todos, a começar pelos segurados. 

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