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Índia traz lições para outros países em um 'novo mercado digital'

Embora um tanto incomum, o exemplo oferece um modelo que pode beneficiar outros países

Estúdio digital em Mumbai: serviços para varejo e bancos (Dhiraj Singh/Bloomberg/Getty Images)

Estúdio digital em Mumbai: serviços para varejo e bancos (Dhiraj Singh/Bloomberg/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 28 de abril de 2022 às 05h12.

Última atualização em 29 de abril de 2022 às 18h52.

Por: Michael Spence

Nos últimos cinco anos, a Índia experimentou uma expansão extraordinariamente rápida da conectividade digital e do acesso a serviços. Isso exerce um impacto positivo na diversificação do crescimento econômico; na eficiência e na produtividade do varejo; nas cadeias de abastecimento e finanças; e na atividade empreendedora.

O envolvimento da Índia com a tecnologia digital data do fim dos anos 1980. Os principais investimentos em ciência da computação e educação foram feitos no governo do primeiro-ministro Rajiv Gandhi (1984-1989). E, com a expansão do acesso à internet na década de 1990, a Índia se tornou o lar de muitas das principais empresas de terceirização em gestão de TI, processos de negócios e atendimento ao cliente. Entretanto, como a infraestrutura necessária para o acesso generalizado à internet móvel permanecia deficiente, a penetração teve dificuldades para acompanhar outros países, e os custos de dados para usuários móveis acabaram ficando entre os maiores do mundo.

Então, em 2010, quando muitas das ofertas de serviço existentes no país ainda eram em 2G e 3G, a IBSL, uma pequena empresa de telecomunicações, comprou espectro em um leilão que incluía direitos para bandas de frequência 4G muito mais rápidas. A IBSL foi então adquirida pelo conglomerado de energia do bilionário Mukesh Ambani, da Reliance Industries, que obteve assim os direitos do espectro 4G.

Nos cinco anos seguintes, a nova subsidiária resultante, a Reliance Jio, investiu em peso na construção de uma infraestrutura de fibra óptica que desse conta do acesso de banda larga e de um sistema nacional de internet móvel. Nesse período, foi concedido à Reliance Jio o direito de utilizar o mesmo espectro para serviços de voz, além de dados, o que permitiu a introdução de smartphones incrivelmente baratos, com planos de dados de baixíssimo custo. Os telefones celulares e serviços de voz e dados da Reliance Jio foram lançados em 2016.

O resultado foi um crescimento explosivo no número de assinantes da Jio (que chegou a 400 milhões de clientes em 2020) e de usuários de smartphones em todo o país. Os custos de dados na Índia passaram de um dos maiores do mundo para o mais baixo — de cerca de 3,50 dólares por gigabyte antes da Jio para menos de 30 centavos de dólares por gigabyte após a entrada e expansão da empresa.

A combinação de velocidade mais alta e custos baixos levou a um rápido crescimento no uso da internet em vários setores, incluindo e-commerce, mídia social, streaming de vídeo e outros formatos de conteúdo digital. Os principais participantes — incluindo Amazon, Netflix e Facebook — entraram no mercado indiano ou expandiram sua presença por lá.

Parecia improvável que os preços dos dados estabelecidos pela Reliance Jio ao entrar fossem sustentáveis no longo prazo. Mas a empresa se beneficiou de certo excesso de capacidade na infraestrutura de rede subjacente e, mais importante, usou seu crescimento inicial para se integrar a uma gama mais ampla de ofertas de serviços lucrativos em sua rede, aumentando os retornos de investimento em ofertas de internet móvel de baixo custo.

Em 2019, por exemplo, a empresa criou a Jio Platforms, subsidiária de propriedade integral que inclui smart­phones e planos de dados da Jio, bem como uma gama crescente de negócios digitais derivados. Então, no primeiro semestre de 2020, a Jio Platforms arrecadou 20 bilhões de dólares dos principais players globais de serviços digitais, incluindo Facebook (atual Meta), Google (Alphabet), Intel, Qualcomm e uma lista vip de investidores de capital privado.

Desde seu início, a Jio Platforms vem criando uma lista extensa de apps de serviços digitais e assumindo participações majoritárias em um número crescente de empresas que oferecem serviços semelhantes. Essas estratégias impulsionaram o crescimento acelerado da internet móvel na Índia, ampliando oportunidades para startups e empreendedores.

Até 2021, 38 startups indianas haviam obtido status de unicórnio — momento em que uma empresa vale mais de 1 bilhão de dólares — em setores como comércio social, educação, serviços financeiros e cuidados da saúde. E, embora alguns IPOs frustrantes de empresas indianas de serviços digitais tenham sido realizados no último ano, o financiamento geral vem acelerando conforme os fluxos de capital global são desviados da China, em razão do aperto regulatório do país.

Faz sentido comparar a história de crescimento digital da Índia com a do México, em que a renda per capita (corrigida pela paridade do poder de compra) é três vezes maior. O México levou mais de 16 anos para obter uma penetração de internet de cerca de 72%, enquanto a Índia expandiu sua cobertura de 16,5% para 41% no intervalo de apenas cinco anos após a chegada da Jio.

Mais capítulos da história da Índia digital serão escritos nos próximos anos. Mas o país já oferece lições importantes para a compreensão e adaptação de modelos de desenvolvimento para uma era em que as fontes tradicionais de emprego (especialmente o setor de produção) serão substituídas por automação e inteligência artificial.

As tecnologias digitais baseadas na internet são cruciais para a inclusão econômica e financeira. A experiência da Índia mostra que a rápida expansão da Internet móvel cria oportunidades de emprego, gerando valor e crescimento que superam muito os retornos para os investidores. Alguns desses benefícios adicionais podem ser capturados por meio da integração direta nas oportunidades de serviços digitais que se abrem com a expansão e a atualização da internet móvel (em termos de velocidade).

Mumbai, na Índia: crescimento da renda per capita teve contribuição de novos negócios digitais (Norbert Seiler/EyeEm/Getty Images)

Sim, os investimentos iniciais são significativos, e os retornos podem demorar vários anos. A Reliance é uma grande e lucrativa empresa de energia que usou seus recursos para financiar investimentos de longo prazo em internet móvel, preparando o terreno para a rápida expansão da Jio Platforms. É provável que esse modelo, que não exigiu investimentos significativos do setor público, não vá funcionar em todos os lugares.

No entanto, o argumento a favor do apoio e do investimento público na rápida implantação da internet móvel parece arrasadoramente forte. Com os incentivos apropriados, ele representa uma grande oportunidade para alcançar um crescimento mais inclusivo, considerando-se os benefícios econômicos, sociais e de desenvolvimento mais amplos.

A experiência da Índia, combinada com a de outros países, mostra que o acesso móvel à internet relativamente rápido e acessível é o ativo crítico na criação de novos ecossistemas econômicos dentro dos quais inovação, atividade empresarial e serviços expandidos ao consumidor podem emergir e prosperar. Centenas de milhões de indianos já estão se beneficiando dessas externalidades positivas e dinâmicas.

Prédio do Google: velocidade alta e preços baixos (NOAH SEELAM/Getty Images)

Formuladores de políticas de outros países em desenvolvimento deveriam prestar atenção. Em certo sentido, a internet móvel não é diferente dos investimentos tradicionais em infraestrutura que criam efeitos de desenvolvimento positivos dinâmicos ao aumentarem os retornos de uma enorme variedade de investimentos privados. Tanto a experiência chinesa quanto a indiana mais recente mostram que motores de crescimento facilitados pelo digital são extremamente poderosos e podem ser introduzidos mais depressa e em níveis de renda per capita menores do que se poderia imaginar anteriormente.

(Arte/Exame)


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