Revista Exame

O motor que vai à nuvem

A WEG aposta seu futuro no desenvolvimento de sistemas digitais para pequenas e médias indústrias brasileiras. A crise no setor pode atrapalhar

Fábrica da WEG em Santa Catarina: aposta agora é em Minas Gerais (Germano Lüders/Exame)

Fábrica da WEG em Santa Catarina: aposta agora é em Minas Gerais (Germano Lüders/Exame)

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Juliana Estigarribia

Publicado em 12 de março de 2020 às 05h30.

Última atualização em 12 de março de 2020 às 05h30.

O vocabulário tecnológico deste início de século está na ponta da língua das empresas. Digitalização, computação em nuvem, inteligência artificial — todos os setores sabem de cor esses conceitos. Porém, a distância entre a teoria e a prática é muito grande, especialmente nas fábricas, onde os processos tendem a ser atualizados de maneira mais lenta.

No Brasil, apenas 2% das empresas adaptaram todos os seus processos à chamada Indústria 4.0 (que traz inteligência a processos industriais), e de 5% a 7% delas adotam apenas algumas novidades, segundo a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Essa defasagem é vista como uma grande oportunidade de crescimento pela fabricante de motores elétricos, geradores e equipamentos de automação catarinense WEG. “Os processos estão ficando cada vez mais digitais e a WEG vai ser protagonista na manufatura brasileira. Queremos ajudar principalmente as pequenas e médias empresas a fazer essa jornada”, diz Harry­ Schmelzer Junior, presidente da companhia que, de um pequeno galpão aberto em Jaraguá do Sul em 1961, se transformou em uma multinacional presente em mais de 135 países com faturamento de 13,3 bilhões de reais em 2019.

Investimentos de 5 bilhões de reais nos últimos cinco anos, sendo quase um terço em pesquisa e desenvolvimento, estão começando a render os novos produtos com que a WEG pretende diversificar sua atividade e ajudar o país a entrar de fato na Quarta Revolução Industrial.

Consolidada no segmento de motores elétricos, com participação de 90% no mercado brasileiro, a WEG vem apostando na tendência mundial de produtos inteligentes. Os sistemas de motores e inversores que estão sendo criados não só vão coletar dados dos processos produtivos como também processá-los para que a indústria consiga, por exemplo, medir melhor o fluxo de produção e tornar seus processos mais rápidos e eficientes até chegar o momento, no futuro, em que as próprias máquinas poderão sugerir ajustes. “Vamos reduzir o tempo de solução dos problemas e até evitar que aconteçam”, afirma Schmelzer Junior.

Recentemente, a WEG desenvolveu um software de gerenciamento de controle da fábrica para monitoramento, em tempo real, dos processos produtivos. Também está desenhando um software para administrar melhor o controle de energia nas unidades fabris, ampliar a manutenção preditiva e a indicação de falhas. A ideia é aliar a ciência de análise de dados, armazenagem na nuvem e internet das coisas para uma produção mais eficiente, flexível e rentável.

Paralelamente, a companhia catarinense se torna parceira de projetos de grandes indústrias. A WEG está trabalhando com a Volkswagen Caminhões e Ônibus para produzir, em escala comercial, um caminhão leve 100% elétrico, batizado de e-Delivery, no complexo fabril da montadora em Resende, Rio de Janeiro, a partir de 2021. A fabricante catarinense participou, junto com a gaúcha Randon, do desenvolvimento de uma carroceria com eixo auxiliar elétrico que armazena energia do processo de frenagem, diminuindo em 25% o consumo de combustível. Outro empreendimento com que a WEG está contribuindo é o desenvolvimento do primeiro avião elétrico da Embraer, cujo protótipo tem voo inaugural previsto para este ano.

O planejamento do novo ciclo de negócios começou há 12 anos, quando ­Schmelzer Junior assumiu o posto de presidente do grupo. O executivo completa, em 2020, 40 anos de casa. “Desde que a WEG foi fundada, os sócios queriam ter o domínio das tecnologias e crescimento contínuo. Se não investirmos em pessoas, inovação e novos mercados, não vamos cumprir essa meta”, diz. Com 43 unidades fabris espalhadas globalmente — 14 no Brasil, quatro nos Estados Unidos, quatro na China e o restante na Europa, na África e na América Latina — e 58% das receitas vindas de fora, a companhia emprega 3.100 engenheiros. “Temos uma engenharia industrial forte no Brasil e nos países onde produzimos localmente, por isso nossos resultados vindos do exterior são tão expressivos”, afirma Schmelzer Junior. Nos últimos dez anos, a receita e o lucro líquido do grupo mais do que triplicaram. O valor de mercado saltou de 11 bilhões para 90 bilhões de reais. Mesmo na recessão de 2014 a 2016 a empresa continuou crescendo. Resultado, segundo o executivo, da política de investimentos em inovação: em 2019, 44% das vendas vieram de produtos lançados ou atualizados nos cinco anos anteriores.

Produção global: a WEG tem 43 unidades fabris pelo mundo | Adriano Kirihara/Pulsar Imagens

Ou seja, a WEG não enfrentava uma crise, mas viu a necessidade de se antecipar. A indústria, afinal, vive uma revolução. Ter um portfólio complexo de produtos e serviços reduz sua exposição a riscos. Além do crescimento orgânico, para conseguir sustentar essa estratégia, a WEG vem comprando empresas no Brasil e no mundo, de diversos setores. Desde 2008, foram 27 aquisições, muitas delas do setor de energia, dentro da estratégia de avanço nos mercados de infraestrutura e renováveis. A última delas foi a compra de uma fábrica de transformadores em Betim, Minas Gerais. Em setembro do ano passado, a WEG adquiriu o controle da PPI-Multitask, de São Paulo, especializada em sistemas de integração industrial, softwares para a indústria e internet das coisas.

A nova estratégia também pode tirar do marasmo um mercado essencial para a empresa: o Brasil. Com uma ociosidade média de 35%, a indústria brasileira precisa ganhar produtividade, reduzir o endividamento e até melhorar processos produtivos básicos antes de dar um novo passo rumo à Indústria 4.0. Após uma ligeira melhora de desempenho em 2017 e 2018, a produção industrial brasileira apresentou queda de 1,1% no ano passado, impactada principalmente pelas paralisações de algumas operações da Vale decorrentes da tragédia em Brumadinho, Minas Gerais. A situação das pequenas e médias indústrias do Brasil é ainda pior do que a das grandes. Atual­mente, as empresas passam, de modo geral, por um processo de recomposição de caixa, depois de um longo período de desalavancagem, que ocorre desde mea­dos de 2014. A taxa básica de juro no menor valor da história ajuda as companhias que querem expandir ou modernizar sua operação. No entanto, ainda é necessário que o crédito mais barato esteja disponível para as indústrias de todos os portes. De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), 74% das grandes empresas do setor investiram no ano passado, motivadas pela busca por aumento de produtividade e redução de custos. O levantamento mostra que praticamente três quartos dos valores investidos em 2019, em média, tiveram origem de recursos próprios das empresas. “A intenção de investimentos tende a ser menor entre pequenos e médios empresários. Além da falta de crédito, a exigência de garantias é um problema grande. A burocracia é um obstáculo às novas tecnologias”, diz Marcelo Azevedo, economista da CNI.

Schmelzer Junior: investimentos de 5 bilhões de reais | Raphael Günther


Em tempos de vacas magras, convencer o pequeno industrial a atualizar práticas novas é um enorme desafio. “É preciso criar um ambiente propício para pequenos e médios investirem na fronteira 4.0, com uma agenda de articulação e estímulos, forte comunicação sobre os benefícios dessas tecnologias e programas de treinamento de mão de obra”, diz Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Falta, ainda, que a economia brasileira tenha uma recuperação contundente, o que levaria a um crescimento mais disseminado entre os setores. Em 2019, o crescimento do produto interno bruto brasileiro foi de apenas 1,1%. Para este ano, a mediana das projeções do mercado é de 1,99%, segundo o Relatório Focus, do Banco Central — isso sem contar os últimos efeitos do coronavírus, que tende a jogar os números para baixo. A previsão da CNI, até o momento, é de um avanço de 2,8% do PIB industrial em 2020, com uma expansão mais disseminada dos segmentos produtivos, especialmente da indústria extrativa, que deve crescer 6,8%.

Mesmo vendendo para 135 países, a WEG quer ser protagonista na digitalização das fábricas do Brasil. Apesar dos tombos dos últimos anos, a indústria brasileira ainda figura no ranking das dez maiores do mundo, o que confere enorme potencial de expansão à catarinense. No mundo, a disputa da WEG em motores elétricos é contra gigantes como Schneider, Siemens e ABB, que há muitos anos vêm lançando inúmeras inovações rumo à Indústria 4.0 e que já estão sendo adotadas em países como Alemanha, Estados Unidos e China. A brasileira não se sente intimidada. Schmel­zer Junior diz que o investimento em pesquisa e desenvolvimento nos países onde a empresa tem produção local é a chave para lançar produtos que se encaixem perfeitamente nesses mercados. A estratégia é importante es­pecialmente no momento atual, de fortes incertezas. A WEG afirma que, por ora, não há impactos nas operações da companhia, que tem quatro fábricas na China. No entanto, se a atividade industrial naquele país não voltar à plena capacidade em breve e o Brasil não crescer como se previa, não haverá comprador para as novidades.

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