São Leopoldo Mandic, em Campinas: novos alunos pagarão mais de 1 milhão de reais pelo curso (Germano Lúders/Exame)
Naiara Bertão
Publicado em 6 de dezembro de 2018 às 05h36.
Última atualização em 6 de dezembro de 2018 às 05h36.
Um milhão de reais separam um aluno que vai começar em 2019 o curso de medicina na Faculdade São Leopoldo Mandic, em Campinas, de sua formatura em 2024. Criado em 2013, o curso é o mais caro do nicho de mercado mais caro do ensino privado do país, segundo ranking da consultoria especializada em educação Atmã — são quase 13.000 reais por mês. Até o final da graduação, cada um dos 1.095 alunos acomodados em dois campi no interior paulista (Campinas e Araras) terá acompanhado 11.000 horas de teoria e prática, e deixará nos cofres da empresa o montante de 1,026 milhão, considerando inflação anual de 4,5%.
Apesar do preço, a evasão é de 2%, a inadimplência fica abaixo de 4% e o interesse continuou alto mesmo na crise: foram 14 candidatos por vaga no último vestibular. A faculdade nasceu em 1997 com foco em odontologia. Depois de anos de espera e inúmeras visitas de burocratas de Brasília, em 2013 a autorização para o curso de medicina saiu. O curso responde por 40% do faturamento da faculdade, de 300 milhões de reais por ano.
A São Leopoldo é o mais espetacular exemplo de um mercado que não vê sinal de crise. De 2012 a 2017, o faturamento da graduação em medicina no país cresceu 78%, ante 30% de todos os cursos de ensino superior privado. O valor da mensalidade de medicina, cuja média foi de 7.124 reais no ano passado (quase dez vezes a média de toda a graduação privada), subiu 29% nos últimos cinco anos, ante 8% da média geral. Enquanto os demais cursos precisam de programas de incentivo financeiro, como o federal Fies, as faculdades de medicina não oferecem assistência além do exigido por lei — na média, 10% das vagas são destinadas a bolsistas de programas como o ProUni. “Medicina exige investimento alto, mas o curso empresta credibilidade à marca da faculdade”, diz José Luiz Cintra Junqueira, presidente e fundador da São Leopoldo Mandic.
Os cursos de medicina vivem num mundo à parte, em primeiro lugar porque a carreira médica costuma ser uma aposta segura. O salário de um médico recém-formado beira os 11.000 reais e, a partir dos dez anos de carreira, é comum profissionais ganharem 40.000 por mês nas grandes cidades. Segundo o consultor financeiro e colunista do site EXAME Mauro Calil, um médico graduado na São Leopoldo Mandic que ingresse no programa Mais Médicos ganhando 11.800 reais por mês, sem desconto de imposto de renda, levará mais de nove anos para compensar o investimento feito, supondo uma inflação de 4,5% ao ano e que metade de seu salário seja reservada para isso. Quem receber 30.000 reais mensais demorará no mínimo seis anos, também considerando que poupe metade para abater o investimento e que tenha o desconto de 27,5% do imposto de renda.
Mesmo tendo apenas 1,5% do volume de alunos em cursos de graduação no país, as faculdades de medicina respondem por 14,2% da receita. “A oferta de médicos é muito menor do que a demanda. Essa é a força que motiva os interessados em investir na área”, diz Felipe Miglioli, sócio da consultoria de negócios EY-Parthenon. Quase todo mês a Faculdade São Leopoldo Mandic recebe propostas de fundos e outros grupos de educação interessados. O mesmo acontece com a Universidade de Marília (Unimar), também no interior paulista, que oferece o curso há 20 anos e está em quarto lugar entre as mais caras (com mensalidade de 9.500 reais).
Fundada há 60 anos, a Unimar tem 23 cursos, entre eles engenharia, enfermagem e psicologia, mas o de medicina é o que traz mais retorno para a instituição. Além da São Leopoldo e da Unimar, estão entre as cinco primeiras no ranking da mensalidade a paulista Unoeste (segundo lugar, com 9 800 reais), a cearense Centro Universitário Christus (terceiro lugar, com 9.700 reais) e a mato-grossense Centro Universitário Várzea Grande (quinto lugar, com 9.300 reais), em dados de 2018.
O número de médicos formados no Brasil cresceu 23% em sete anos, passando de 365.000, em 2010, para 453.000, em 2017. Ainda assim, a média brasileira, de 2,2 profissionais por 1.000 habitantes, fica abaixo dos 3,4 por 1.000 da OCDE, grupo dos países ricos. O imbróglio recente envolvendo o programa Mais Médicos e a saída dos 8.000 cubanos do país escancararam a falta de profissionais em muitas regiões — no Maranhão, há 0,87 médico por 1.000 habitantes.
Além de atrair médicos cubanos para regiões com déficit de atendimento, o Mais Médicos estimulou a abertura de novos cursos de medicina pelo Brasil. Em comparação a 2010, o número de vagas para entrantes em medicina cresceu 89%. Mesmo assim, das quase 32.000 vagas abertas todos os anos, metade (46%) delas ainda está concentrada no Sudeste, onde é também fácil encontrar bons professores. Segundo dados da Medcel, empresa de cursos online para médicos, com dados do Ministério da Educação (MEC) e embaixadas latino-americanas, cerca de 60.000 brasileiros já estudaram medicina no exterior, em países como Colômbia, Cuba, Paraguai e Argentina, onde a mensalidade custa cerca de 2.000 reais.
De 2003 a 2018, foram criados mais de 178 cursos de medicina no Brasil, segundo o MEC. Com o programa Mais Médicos, em 2013 a expansão acelerou, com novos cursos autorizados em 67 cidades. O total de vagas oferecidas passou de 17.000 para 31.000. O número de alunos em faculdades públicas subiu de 44.000, em 2013, para 55 000, em 2017. Ainda assim, no ano passado, 33,7 candidatos disputaram uma vaga de medicina, bem mais do que em 2008 (21,8) e dez vezes mais do que a média de todos os cursos.
Segundo estimativa da Atmã, o Brasil ainda tem espaço para ampliar 50% o número de ingressantes sem prejudicar a qualidade do aluno, pois manteria a alta concorrência na seleção, de 22 candidatos por vaga, a mesma de 2007. Mas, em abril, entrou em vigor uma moratória do governo proibindo a criação de novos cursos pelos próximos cinco anos (os editais em andamento não serão afetados). O Conselho Federal de Medicina é o maior defensor da moratória. Em carta a EXAME, o conselho afirma que “a abertura de vagas em cursos de medicina e de novas escolas médicas tem sido conduzida de forma abusiva, com sérios prejuízos à formação dos profissionais e impacto negativo na qualidade do atendimento oferecido à população”.
Enquanto o mercado de ensino superior privado é dominado por grandes grupos, os cursos de medicina mais disputados ainda são de faculdades independentes. A complexidade para a abertura de uma faculdade de medicina e o alto investimento são duas explicações. Os grupos de ensino com foco em saúde também são mais refratários a ofertas de aquisição, segundo consultores. O fundo carioca Bozano é o que tem tido mais sucesso nessa tarefa de consolidação. Sob o guarda-chuva da NRE Educacional, a Bozano comprou e investiu em nove escolas de medicina desde 2014. “Temos oportunidade de criar um grupo de educação que acompanhe o profissional de A a Z, do ingressante no vestibular ao formado há muitos anos”, diz Daniel Borghi, da Bozano.
À NRE devem se juntar outras três faculdades, já em negociação. Além disso, a empresa ganhou sete licitações em pequenas cidades do Norte pelo Mais Médicos, em cada uma das quais está investindo 20 milhões de reais. Um dos ativos com maior potencial de crescimento dentro do grupo é a Medcel, escola online focada em candidatos à residência e estudantes brasileiros que fizeram faculdade no exterior. O plano do fundo é abrir o capital da BR Health, possível nome do grupo, ainda em 2019. O faturamento é de 400 milhões de reais por ano. “Vemos oportunidades no ensino de medicina tanto no Brasil quanto no exterior”, diz Julio De Angeli, presidente da Medcel.
Ter um curso de medicina pode dar muito dinheiro, mas é um negócio que está permanentemente à prova. Alguns cursos de direito, por exemplo, chegam a 70% de margem bruta, ante 58% de medicina. Na São Leopoldo Mandic, desde o primeiro ano os alunos têm contato com robôs que choram, gritam de dor, têm filhos e morrem. Alguns deles custam mais de 1 milhão de dólares. A Unimar começou a construção da quarta torre de seu hospital universitário, um investimento de 300 milhões de reais. Ter um hospital não é obrigatório para a graduação — as faculdades podem fazer parcerias com instituições locais —, mas é uma vantagem. “Não podemos descuidar nunca de entregar ao aluno equipamentos e ensino o mais atualizados possível”, diz Fernanda Serva, pró-reitora da Unimar. Com a melhora econômica à vista, e uma moratória a novos entrantes, o ensino de medicina deve continuar um grande (e caro) negócio.