O acesso é desigual, com famílias de baixa renda e rurais para trás na comparação com os lares de alta renda e urbanas (MARTIN BERNETTI/AFP/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 26 de abril de 2023 às 06h00.
As barreiras ao progresso econômico na América Latina e no Caribe (ALC) são tão conhecidas quanto formidáveis. A desigualdade é grande; a evasão fiscal, galopante; e os sistemas de ensino, impróprios. A pobreza e a pobreza extrema são generalizadas, especialmente na esteira da pandemia. Além disso, os subsídios públicos que poderiam auxiliar os mais vulneráveis são mal direcionados, prejudicando sua eficácia.
Superar essas barreiras exigirá a construção de instituições estáveis e infraestruturas de nível mundial — um feito difícil que requer tempo, investimento e vontade consideráveis. Mas há um caminho relativamente tranquilo para o progresso: a digitalização dos serviços públicos.
Hoje, quase três quartos da população da ALC usam a internet. A região adotou smartphones, com mais de dois terços dos latino-americanos atualmente conectados a uma rede móvel. O acesso é desigual, com famílias de baixa renda e rurais para trás na comparação com os lares de alta renda e urbanas, mas os governos têm trabalhado bastante para diminuir a lacuna, especialmente porque a pandemia realçou o papel da internet como um serviço essencial.
O setor privado já está aproveitando ao máximo a revolução digital: a região da ALC tem hoje mais de 25 empresas digitais avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares. Contudo, mesmo que a proliferação do acesso à internet e ao smartphone transforme serviços como compras e transações bancárias, os serviços públicos continuam a ser entregues em grande parte presencialmente e em papel.
Essa é uma enorme oportunidade perdida. Ao usar as tecnologias digitais, os governos podem prestar uma grande variedade de serviços públicos — inclusive serviços que não são oferecidos hoje de modo algum — de forma ampla, eficiente e de baixo custo.
De fato, as possibilidades são tão vastas que o primeiro desafio é priorizá-las. É por isso que o Banco Interamericano de Desenvolvimento lançou um relatório avaliando as opções políticas em domínios que vão desde a educação e a saúde até os programas fiscais e a administração pública.
Quais programas proporcionarão o maior retorno para o dinheiro do contribuinte? Um exemplo de destaque é o envio de mensagens de texto para pessoas pré-diabéticas, incentivando-as a comer alimentos mais saudáveis e a praticar mais atividade física.
Essas mensagens custam pouco para serem criadas e difundidas. Mas podem ter um impacto grande: programas semelhantes na China, Índia e no Reino Unido levaram a uma redução de 5% a 30% no aparecimento de diabetes após dois anos.
De modo semelhante, os vídeos sobre os benefícios econômicos da educação — distribuídos através das redes escolares no Peru — reduziram a taxa de evasão escolar em 20% ao longo de um período de dois anos, com benefícios econômicos globais que totalizam cerca de 553 milhões de dólares.
Outra intervenção que resiste a uma rigorosa análise custo-benefício é a compra eletrônica, que melhora a eficiência e a transparência das transações entre o governo e os fornecedores de bens e serviços. A plataforma de e-compras da Argentina, COMPR.AR, reduziu os preços pagos em 4,4%, diminuiu os processos de aquisição em 11 dias e aumentou o número de proponentes em 0,3%.
Para que esse programa funcione, o governo central deve garantir que os serviços digitais sejam acessíveis, confiáveis e baratos, especialmente para grupos de baixa renda. Além disso, apps e outros softwares relevantes devem ser fáceis de utilizar — principalmente em smartphones ou celulares — e as intervenções devem ser implementadas em grande escala, maximizando o retorno do investimento. Inclusão, eficiência e custo-eficácia estão na ordem do dia.
Os governos centrais também têm de assumir a liderança na implementação das infraestruturas digitais e arcabouços institucionais necessários. Se a segurança dos serviços públicos digitais for muito complicada, é provável que os usuários se sintam desencorajados.
Eles devem poder usar uma única identificação digital para todas as interações com o governo e tirar proveito de todos os serviços online oferecidos pelo governo através de um único ponto de acesso.
Para que isso funcione, os dados devem fluir sem problemas entre instituições e agências em todas as esferas de governo. Essa integração digital poderia impulsionar a expansão da capacidade administrativa dos governos municipais — que realizam grande parte dos gastos e da prestação de serviços na região da ALC.
Ao mesmo tempo, as estruturas regulatórias devem ser modernizadas — por exemplo, para assegurar a privacidade e proteger contra ataques cibernéticos. Além disso, governos devem monitorar e avaliar continuamente o impacto de suas inovações e intervenções digitais — controlando não só o retorno do investimento mas também o grau de inclusão de seus programas — e ajustar suas estratégias conforme a necessidade. Felizmente, as tecnologias digitais facilitam a coleta de dados em tempo real.
O argumento para os governos da região da ALC usarem intervenções digitais para aumentar a qualidade, o valor e o alcance dos serviços públicos não poderia ser mais robusto. Graças à adoção generalizada de celulares e smartphones, os governos só precisam desenvolver apps fáceis de usar e investir em intervenções de baixo custo. Some-se a isso a avaliação contínua dos impactos dos programas, e uma estratégia de digitalização dos serviços públicos se torna uma arma poderosa na luta contra a pobreza e a desigualdade.