Yasuhito Hirota, no hotel Unique, em São Paulo: em busca de expandir as vendas da marca em países como China e Brasil (Germano Lüders/Getty Images)
O inglês é a língua oficial na matriz da Asics, localizada na cidade portuária de Kobe, no centro do Japão. É nesse idioma que os documentos internos são redigidos; e as reuniões de diretoria, conduzidas.
Ainda assim, Yasuhito Hirota, presidente global da empresa de material esportivo, pediu a presença de um intérprete para a entrevista a seguir, em sua primeira visita ao Brasil. “Não quero correr o risco de ser impreciso”, disse Hirota. Quem cumpriu a função foi o simpático tradutor japonês Yutaka Isoda, que imigrou ainda criança para o Brasil.
A mudança de idioma foi uma das medidas adotadas em meados da década passada, quando pesquisas mostravam que muitos consumidores não identificavam a Asics como uma marca japonesa. Ao mesmo tempo, 75% das vendas aconteciam no reduzido mercado doméstico.
A internacionalização foi uma questão de sobrevivência. Hoje, a taxa de vendas se inverteu. A Asics é uma das maiores marcas esportivas do mundo. No Brasil, é a terceira maior em faturamento, atrás de Nike e Adidas, e a primeira em running performance.
A Asics foi fundada em 1949 por Kihachiro Onitsuka, inicialmente como Onitsuka Tiger. Nos anos 60, os tênis de boa fama da marca começaram a ser distribuídos nos Estados Unidos por Phil Knight, que mais tarde fundaria a Nike. Em 1977, o nome mudou para Asics, acrônimo que vem do célebre ditado “Anima sana in corpore sano” (Mente sã em corpo são).
Desde o início daquela década, com a onda das corridas de rua e a busca cada vez maior pelo mercado internacional, a empresa vinha experimentando um crescimento de dois dígitos por ano, até estacionar em 2016 e 2017 e cair no ano passado, quando apresentou uma receita de 3,6 bilhões de dólares.
Depois de trabalhar 38 anos no departamento financeiro da Mitsubishi, Hirota chegou à Asics no início de 2018 com a missão de reverter os maus resultados. Para isso, conta com a visibilidade dos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020, primeiro grande evento global que a marca patrocina. No dia da entrevista, na suíte presidencial do Hotel Unique, em São Paulo, ele vestia calça cinza de alfaiataria, blazer azul-marinho e sapato derby preto.
Nada de roupas esportivas. Mas naquela manhã já havia calçado tênis para correr no Parque Ibirapuera. Foram só 5 quilômetros, um trote leve para quem já completou os 42 quilômetros de uma maratona, com o tempo de 3 horas e 53 minutos. Isso aconteceu em Osaka, no ano passado, depois de ter completado 61 anos. Hirota está em plena forma. Sua meta é recuperar a forma da Asics.
A Asics patrocina maratonas, como a de Paris e a de Los Angeles, mas é a primeira vez que entra em um evento global. Por que escolheu os Jogos de Tóquio?
A Olimpíada é a plataforma ideal para criar laços emocionais e proporcionar experiências ao consumidor, e para incrementar as vendas diretas de nossos produtos. Vamos vestir os 110 000 voluntários de mais de 50 delegações. Os Jogos de Tóquio devem ser vistos por 5 bilhões de pessoas, e todas elas verão nossos uniformes nos atletas, nas federações e nas delegações.
Os Jogos de Tóquio já atraíram 3,1 bilhões de dólares em patrocínios de empresas locais, três vezes mais do que em Londres, em 2012, e no Rio de Janeiro, em 2016. Por que esse interesse?
Os Jogos de Tóquio são um grande evento internacional, é natural que atraiam interesse. Existe hoje uma tendência de globalização das empresas japonesas.
Cada vez menos cidades se interessam em sediar os Jogos Olímpicos devido aos gastos públicos. Em Atenas, em 2004, foram 11 candidatas. Em Tóquio, apenas cinco. A população japonesa está vendo com bons olhos os Jogos de 2020?
A população japonesa está muito feliz. Prova disso é que muitos ingressos, mesmo com valor alto, já esgotaram. A primeira Olimpíada de Tóquio, em 1964, foi a afirmação de um país recuperado da guerra. Foi quando se construíram viadutos, vias expressas, e o trem-bala foi inaugurado. Eu tinha 7 anos e lembro que minha escola organizou um almoço especial para que todos pudessem comer e festejar, foi uma data especial para nós. Agora o cenário é outro, somos um país amadurecido, consolidado. As discussões são outras, estamos falando de sustentabilidade. Vamos viver tudo com mais prazer.
No início dos anos 2000, pesquisas mostravam que muitos consumidores achavam que a Asics fosse uma empresa americana. Ainda é assim?
Isso mudou. Mas houve uma época em que não fazíamos tanta questão de ser vistos como uma empresa japonesa, achávamos bom ser confundidos com uma multinacional, como Nike, Adidas e outras marcas. Isso talvez tenha nos ajudado a entrar no cenário global. Hoje é diferente, fazemos questão de nos posicionar como uma empresa japonesa para reforçar nosso cuidado com a tecnologia.
Naquela época, 70% das vendas aconteciam no Japão. E hoje?
O mercado doméstico responde por 25% das vendas. O resto é exportação. Pretendemos aumentar ainda mais nossas vendas no exterior, até porque a população japonesa não cresce, pelo contrário. Estamos olhando para a Ásia, para a China e para outros países no Sudeste Asiático, onde as pessoas estão fazendo cada vez mais esporte, estão correndo mais. O Brasil também é um mercado muito importante para nós, primeiro porque tem uma população considerável, são 200 milhões de habitantes, e depois porque aqui se pratica muito esporte.
O que foi feito para promover a internacionalização da empresa?
Uma diferença da Asics é deixar a administração local na mão dos funcionários locais. Normalmente, as empresas japonesas levam executivos para trabalhar nas operações de fora. Nós, não. Na Europa são europeus que estão na direção local. Nos Estados Unidos são americanos, no Brasil são brasileiros. O inglês é a língua oficial do grupo. Se em uma reunião estão apenas japoneses, é natural que falemos japonês, mas mesmo isso é raro, há cada vez mais estrangeiros nas unidades japonesas.
A Asics estabeleceu a meta de dobrar o faturamento anual de 2015 até 2020. A receita estagnou em 3,8 bilhões de dólares em 2016 e em 2017 e caiu um pouco em 2018. O que aconteceu?
Depois do boom de corridas, ocorreu certa saturação. Nossa empresa vinha crescendo continuamente até 2015. Fazendo a mesma projeção, dobraríamos a receita até 2020. Isso não aconteceu por causa da estagnação da população que corre, e também por causa do surgimento de concorrentes que entraram no mercado. Com os Jogos de Tóquio, temos uma excelente oportunidade de aumentar a visibilidade da marca e expandir as vendas na Ásia como um todo, na China e no Brasil.
A corrida continuará como tendência?
Sim, continuará. Somos a maior marca de tênis de corrida de alta performance. Esse é nosso principal produto e o carro-chefe no mundo inteiro, não só no Brasil. Estamos ampliando outras linhas, como atletismo e atividades indoor. No Brasil, o vôlei vai muito bem, vamos reforçar esse segmento.
A proporção de quem corre em alta performance é bem menor do que a de corredores amadores. Como vocês estão atendendo esse público?
Estamos trabalhando nas duas frentes. No Brasil, temos três fábricas terceirizadas, em que fazemos produtos para iniciantes e amadores. Os tênis de alta performance são importados. Se olharmos para trás, todos os produtos eram voltados para performance, eram bem técnicos. Continuamos tendo tecnologia em todos os produtos, mas temos feito modelos para atingir o maior número possível de consumidores. As pessoas querem usar tênis inspirados nos modelos de performance, que têm tecnologia na sola, mas com outro cabedal, por exemplo.
A Asics está dividida em três linhas. Como elas estão posicionadas?
Cada uma atua em um segmento. A Asics é de artigos esportivos, está focada em tênis de corrida. A Onitusuka Tiger é mais fashion, tem um tom mais casual, promovemos alguns eventos, fizemos parcerias com grifes como Givenchy. Com a Asics Tiger entramos no segmento de sneakers. Não são calçados para prática de esporte, mas é importante que sejam confortáveis para uso no dia a dia. A Asics representa 70% das vendas, a Onitsuka vem com 20% e a Asics Tiger com 10%. Quem mais cresce é a Onitsuka.
A cultura da empresa estimula os funcionários a praticar exercícios?
Sim. Na matriz temos um ginásio em que os funcionários praticam esportes nos intervalos ou depois do expediente. Em junho temos o Dia Mundial da Corrida, em que promovemos provas. Eu mesmo comecei a me exercitar mais. Quando completei 50 anos, ao ver a Maratona de Tóquio, prometi que começaria a correr. Já completei algumas maratonas. Quando fiz 61 anos, bati meu recorde pessoal, de 3 horas e 53 minutos. O importante é você gostar e praticar com prazer.
O senhor correu hoje?
Sim, mas apenas 5 quilômetros. Fui conhecer o Parque Ibirapuera. Estava frio, mas assim é melhor para correr.