Fantin, presidente da fabricante de alimentos Parati: 3 horas e meia de intervalo para o almoço e crescimento de 100% em seis anos (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de janeiro de 2014 às 14h56.
Bela Vista de Goiás, Belém, Rolândia e São Lourenço do Oeste - Cercada por estradas sinuosas e extensas plantações de milho e de trigo, São Lourenço do Oeste, a 600 quilômetros de Florianópolis, é uma típica cidade do interior de Santa Catarina.
Fundada por imigrantes alemães e italianos na década de 50, tem pouco mais de 20 000 habitantes — e parte deles ainda se reúne toda semana nas missas da igreja matriz da praça central. A meia dúzia de ruas asfaltadas não tem semáforos. O prédio mais alto conta com apenas oito pavimentos.
Na parte mais alta de São Lourenço do Oeste, no número 475 da rua Tiradentes, um enorme galpão com 60 000 metros quadrados de área construída se destaca. Ali é a sede da fabricante de massas e biscoitos Parati, a maior empregadora da cidade, com 1 800 funcionários — quase 10% da população local.
Nas trocas de turno, centenas de pessoas chegam de carro ou fazem fila para pegar os ônibus fornecidos pela empresa — afinal, não há transporte público. O intervalo para almoço dura 3 horas e meia, tempo suficiente para os funcionários da Parati ir para casa, preparar a refeição, fazer a sesta e — se for o caso — levar os filhos à escola.
A rotina pacata dos trabalhadores contrasta com o ritmo de expansão da companhia, que dobrou suas vendas desde 2005 e atingiu um faturamento de 440 milhões de reais no ano passado. A história da Parati é relativamente curta. Seu fundador, o italiano Angelo Fantin, chegou à região na década de 50 e, inicialmente, dedicou-se à plantação de trigo.
Em 1972, passou a comprar farinha dos produtores locais e a produzir biscoitos doces e salgados. Hoje, a Parati fabrica mais de 400 itens, entre biscoitos, chocolates, massas, balas, sucos e barras de cereais. Neste ano, a linha completa de produtos da marca começou a chegar a grandes redes de supermercados de São Paulo, como Pão de Açúcar e Walmart.
“Eu e meu pai nunca imaginamos que uma empresa nascida numa cidade de 20 000 habitantes pudesse um dia competir com as grandes do setor”, diz Mauro Fantin, filho de Angelo, hoje com 84 anos e presidente emérito do conselho de administração. Entre goles de chimarrão, uma tradição da cultura local, ele conclui: “É incrível. Mas está acontecendo”.
O crescimento da Parati é um retrato do vigor econômico que toma conta de parte do interior do Brasil. Nos últimos cinco anos, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste cresceram acima da média nacional. Segundo dados da consultoria Tendências, enquanto o país avançou, em média, 4,4% entre 2006 e 2010, o Nordeste cresceu 4,8%; o Norte, 5%; e o Centro-Oeste, 5,5%.
O mesmo aconteceu com pequenas e médias cidades do Sul e do Sudeste. O processo de gradativa interiorização do crescimento fez emergir um grande número de empresas regionais de porte. De acordo com os dados da edição Melhores e Maiores, de EXAME, existem pelo menos 129 companhias fora de São Paulo e do Rio de Janeiro com faturamento entre 500 milhões e 1 bilhão de reais.
Em 2010, esse conjunto de empresas cresceu, em média, 12,16%, quase duas vezes a expansão do PIB brasileiro no período. Esse resultado reflete a mudança de comportamento do consumidor do interior brasileiro — um sujeito que, em muitas regiões, passou a ter renda maior e que por um bom tempo permaneceu fora do radar das grandes corporações.
Foi esse consumidor que garantiu escala suficiente para que empresas como a Parati pudessem atravessar fronteiras. Com produtos, em média, 10% mais baratos que os das marcas líderes, hoje a companhia da família Fantin chega a 71% das casas da Região Sul do país, de acordo com dados da consultoria Kantar Worldpanel.
Na Grande São Paulo, a participação da Parati passou de 10% para 12% nos últimos 12 meses. “Há dezenas de empresas, desconhecidas dos consumidores dos grandes centros, com porte para brigar com as líderes nacionais”, diz Paulo Vicente, professor de estratégia da Fundação Dom Cabral.
Crescer nos rincões exige um plano de negócios diferente dos adotados em mercados como São Paulo ou Rio de Janeiro — e pode levar muito mais tempo. Deixemos São Lourenço do Oeste e sigamos para Araxá, cidade de 90 000 habitantes, localizada no Triângulo Mineiro e conhecida por suas águas medicinais.
Araxá é a origem da varejista de eletrodomésticos Zema, um caso de sucesso recente. Até a década de 90, a empresa fundada em 1976 por Ricardo Zema não passava de um apanhado de quatro lojinhas, que respondiam por 5% da receita de um grupo formado por concessionárias de veículos e postos de gasolina.
“No início dos anos 90, meu pai queria fechar o negócio de eletro, com o argumento de que vender um Opala dava muito mais dinheiro do que 40 geladeiras”, diz o administrador Romeu Zema, filho do fundador da rede. “Mas eu achava que havia um enorme mercado a ser explorado nas pequenas cidades da região e insisti para que a rede fosse mantida.”
Em 1991, Romeu abriu mais duas lojas em municípios vizinhos a Araxá — São Gotardo e Carmo do Parnaíba, ambos com menos de 30 000 habitantes. Hoje, a Zema fatura 700 milhões de reais e tem 315 unidades espalhadas por 312 cidades. Apenas dez delas têm mais de 80 000 moradores.
Em algumas, como a minúscula Arapuá, em Minas Gerais, a loja se confunde com o conjunto de casas que abriga os 3 000 moradores. As unidades da Zema têm, em média, 500 metros quadrados de área, cerca de metade do tamanho das unidades de Casas Bahia e Magazine Luiza. Com menos espaço para exposição, a oferta de produtos é 50% menor.
“Até hoje vendemos mais televisores de tubo do que de LCD”, diz Romeu. “Nossos clientes são desconfiados e não saem correndo em busca da última inovação. Preferem esperar que o vizinho teste a novidade para ter certeza de que o produto funciona”. Em algumas localidades, os primeiros modelos de telefones celulares estão chegando só agora.
Desde 2007 a Zema vem vendendo TVs de tubo longe de seus mercados tradicionais — o interior de Minas e o noroeste de São Paulo. Hoje, suas lojas estão presentes do sertão da Bahia ao interior de Goiás. De acordo com os planos de Romeu Zema, pelo menos mais 200 unidades devem ser abertas nos próximos anos nessas regiões — sempre em pequenas cidades.
Histórias como as da Parati e da Zema revelam que a maior arma das empresas regionais não é o preço, mas o conhecimento do mercado e da cadeia. Na década de 70, o empresário Evaldo Ulinski ganhava a vida vendendo ovos em Rolândia, no interior do Paraná, estado líder na produção brasileira de grãos.
Rapidamente, descobriu que poderia ganhar mais dinheiro produzindo ração para as galinhas. E por que não produzir os frangos e preparar e vender os cortes de carne? Neste ano, a Big Frango, de Ulinski, deve faturar 1,1 bilhão de reais, dominando toda a cadeia de fornecimento.
Sua linha de produção, em Rolândia, tem capacidade para abater meio milhão de frangos por dia — como unidade independente, é uma das maiores do Brasil. No catálogo da Big Frango, há 273 cortes de aves, batizados com nomes como “sambiquira”, “sassami” e “drumete” e exportados para países da Ásia e do Oriente Médio.
Na sede da Big Frango, as mesas são de fórmica, e as salas, coletivas. Dez dos 12 principais executivos trabalham com Ulinski há pelo menos uma década — entre eles estão sua mulher e os três filhos. O primogênito, Evaldo Ulinski Júnior, de 40 anos, é o escolhido para assumir a presidência no lugar do pai em 2014.
Se o desempenho recente for mantido, vai herdar uma companhia em franca expansão. A Big Frango vem crescendo 30% ao ano na última década. Se o planejamento de Ulinski se provar certo, em 2014 a empresa chegará a um faturamento de 2 bilhões de reais.
“Aí, estaremos prontos para a abertura de capital”, diz ele. (Normalmente discretos, os Ulinski passaram a ilustrar as páginas das publicações de celebridades nos últimos meses, quando foi revelado um suposto relacionamento entre Evaldo e a socialite paranaense Val Marchiori, com quem ele tem filhos gêmeos de 6 anos.)
A Big Frango é — e, ao que parece, continuará sendo — uma empresa de gestão familiar, na qual a linha de sucessão vai do fundador ao primogênito. Essa continua a ser a regra no Brasil. Mas é inegável que o crescimento acelerado de algumas companhias as empurra em direção à profissionalização e ao aprimoramento da gestão.
Aos 30 anos de idade, Carla Pontes é hoje diretora da holding que controla o cearense Marquise, grupo que reúne empresas de engenharia, incorporação e coleta de lixo.
Dona de um MBA em Harvard e de um currículo com passagens pelo banco Santander e pela consultoria Ernst&Young Terco, Carla é também filha de um dos fundadores do Marquise, o engenheiro José Carlos Pontes, que, com o colega José Erivaldo Arraes, criou o negócio na década de 70 a partir do capital obtido com a venda de um Volkswagen SP2 azul e de um Corcel vermelho.
É dela a missão de profissionalizar o Marquise, que neste ano deve faturar 650 milhões de reais. Carla coordena atualmente a formação de um conselho de administração e tenta mostrar aos fundadores as vantagens de analisar a abertura de capital ou um acordo com fundos de private equity. “Eram ações que nem sequer passavam pela nossa cabeça”, diz José Carlos Pontes.
No grupo Lwart, sediado em Lençóis Paulista, no interior de São Paulo, e com atuação nas áreas química, de papel e celulose e de lubrificantes, o programa de trainees é quase tão concorrido quanto o de grandes companhias de São Paulo ou do Rio de Janeiro.
Neste ano, 5 000 jovens se inscreveram no processo de seleção, e apenas 20 foram contratados. Formar novos líderes é crucial para garantir o futuro crescimento da Lwart, que neste ano deve faturar 770 milhões de reais.
Mais organizadas, mais ambiciosas e em processo acelerado de crescimento, as emergentes do interior do Brasil passam a atrair também executivos experientes. A fabricante de leite e derivados Piracanjuba, da cidade de Bela Vista de Goiás, a 50 quilômetros de Goiânia, contratou nos últimos três anos 15 gerentes e diretores egressos de companhias como Hypermarcas, Brasil Foods e Parmalat.
Eles ajudaram a mudar radicalmente a estratégia da empresa, cujo principal negócio até 2007 era a produção de leite longa vida, no qual é líder no Centro-Oeste. Aconselhados pelos novos executivos, os irmãos Cesar e Marcos Helou — filhos do fundador — decidiram privilegiar a marca Piracanjuba.
Trocaram o logotipo, contrataram agências de publicidade em São Paulo e passaram a investir em inovação. “Uma de nossas prioridades agora é crescer na linha de produtos saudáveis”, diz Cesar Helou. Nos últimos três anos, o faturamento da Piracanjuba cresceu 80%, alcançando 670 milhões de reais em 2010.
Investidores
A cadeia da modernização fecha com a chegada ao interior do Brasil de investidores e banqueiros. É cada vez mais comum ver representantes de fundos de private equity aterrissando em aeroportos de cidades como Rondonópolis, em Mato Grosso, ou Caruaru, em Pernambuco.
“É o mercado mais aquecido do Brasil. Há alguns anos, as empresas regionais nem sequer entravam no nosso radar”, diz Cristiano Lauretti, sócio da Kinea, empresa de private equity do Itaú que analisou 150 companhias emergentes nos últimos dois anos. Em outubro, a Brazil Pharma, holding de farmácias do BTG Pactual, comprou a rede de drogarias paraense Big Ben por 450 milhões de reais.
“As negociações demoraram 24 horas. É difícil recusar uma oferta como essa”, diz Raul Aguilera, de 57 anos, que abriu sua primeira farmácia em 1994. Com vendas de 800 milhões de reais no ano passado e 150 lojas instaladas em sete estados, a Big Ben tem um modelo de negócios peculiar.
Suas unidades, localizadas em plena Amazônia brasileira e decoradas com uma chamativa réplica do Big Ben de Londres, oferecem em média 80 000 itens, como brinquedos, celulares, computadores, biscoitos, CDs — e até remédios. Farmácias tradicionais costumam ter um catálogo de 20 000 itens.
A maior unidade da rede, em Belém, tem três andares e 3 000 metros quadrados de área. Um músico trabalha todas as noites tocando músicas ao vivo num piano de cauda, instalado no mezanino, onde são vendidos chope, café, tapiocas e suco de laranja, entre outros produtos.
Para os mais exigentes, há as cervejas artesanais, mantidas num freezer especial. É o tipo de situação que faz pouco sentido em São Paulo. Mas o Brasil vai muito além da avenida Faria Lima.