Ariel Frankel, CEO da Vitacon, construtora pioneira na digitalização: “A tokenização é o ponto de virada histórico para o mercado imobiliário” (Leandro Fonseca/Exame)
O Brasil é um dos países onde os criptoativos são mais populares. Recente pesquisa da Binance, maior corretora digital do mundo, mostra que cerca de 10 milhões de brasileiros investem nessa categoria de ativos. Mais do que o dobro dos CPFs registrados na B3, mais de três vezes o total de investidores em ações e mais de cinco vezes o número de pessoas que aplicam em fundos imobiliários.
Nesse universo digital, não existem apenas criptomoedas ou NFTs. É possível tokenizar quase tudo, incluindo imóveis. Aos poucos, começa a se transformar em tendência a união da modernidade dos criptoativos com a tradição imobiliária e patrimonialista do brasileiro.
Tokenizar um ativo, para quem não está familiarizado, significa criar um recibo digital da propriedade correspondente ao bem físico. Esse recibo fica registrado e certificado na blockchain. Os tokens podem ser transferidos de forma transparente, segura e rastreável. Trocando em miúdos, é possível comprar um apartamento ou um prédio inteiro por meio dos tokens, ou apenas um pedaço deles.
“Há alguns anos está se falando em tokenização de imóveis, e essa possibilidade, oferecida pela tecnologia blockchain, pode representar um ponto de virada histórico para o mercado imobiliário”, explica Ariel Frankel, CEO da Vitacon, construtora de São Paulo e pioneira no segmento de tokenização imobiliário.
O Valor Geral de Vendas (VGV) acumulado nos 12 anos de existência da Vitacon é de cerca de 7,7 bilhões de reais. Para Frankel, a tokenização permite dividir o imóvel entre vários proprietários, algo que torna o investimento mais acessível, especialmente no caso de imóveis de valor elevado. “Além disso, simplifica o processo, reduzindo drasticamente o tempo necessário para as empresas levantarem o capital para seus projetos”, diz.
A tokenização de imóveis já é uma realidade consolidada nos Estados Unidos e em países europeus como Luxemburgo e Suíça. Desde 2018 a plataforma imobiliária digital RedSwan CRE já tokenizou propriedades comerciais no valor de mais de 2 bilhões de dólares, e está desenvolvendo um mercado secundário no qual ativos imobiliários tokenizados podem ser negociados diretamente entre os proprietários, sem ter de passar por cartórios ou corretores.
Algo também está se movendo no Brasil, mesmo sem um arcabouço jurídico que discipline o tema. A construtora mineira Sudoeste lançou no final de agosto o primeiro empreendimento 100% tokenizado do país, o Aldea — Vale do Sereno, na Grande Belo Horizonte. O empreendimento vai ofertar 148 unidades tokenizadas, com apartamentos de um e dois quartos, que variam de 35,54 a 110,54 metros quadrados, com valor médio de 550.000 reais. Já foram vendidos 65% das unidades, todas com token.
“Nesse empreendimento levamos adiante o processo convencional do mercado imobiliário, mas adicionamos em paralelo todo o processo da tokenização em blockchain. Desde a incorporação em cartório, geramos um token, que fica associado ao registro de incorporação, e em seguida ao habite-se, e a todos os outros documentos”, explica Danilo Dias, presidente da Sudoeste. “É algo que poderia abrir oportunidades para o funding imobiliário, semelhante ao crowdfunding”, diz. Segundo Dias, a maior vantagem da tokenização é a criação de contratos inteligentes, que permitirão uma execução mais rápida dos negócios. Essa inteligência dos contratos pode ir além da facilidade. A Vitacon está testando, por exemplo, o cashback token no On Jardins, um empreendimento com VGV de 142 milhões e que já vendeu 62% das unidades. “O comprador adquire o direito de usufruir do aluguel de um imóvel, que pode ser dividido com outros proprietários de tokens, que serão pagos em proporção”, diz Frankel.
O maior desenvolvimento desse mercado, contudo, esbarra na falta de uma regulamentação clara, um desafio comum a tudo que é inovador. “Quando a sociedade evolui tão rapidamente como nesse caso, o direito demora um pouco para ir atrás. E esse é um caso típico”, explica Fernanda Leitão, tabeliã do 15o Ofício de Notas do Rio de Janeiro, que há anos está se especializando no assunto. “O que me levou a estudar a blockchain e suas aplicações jurídicas foi o medo. Imaginei meu fim como tabeliã, pois essa tecnologia permite certificar a autenticidade de praticamente qualquer transação, inclusive imobiliária”, explica. “Mas entendi que os cartórios e a blockchain podem trabalhar juntos, se complementando, e diminuir a burocracia.” A tabeliã foi uma das primeiras no Brasil a realizar atos públicos tokenizados, como uniões estáveis e certidões de nascimento.
O que ainda não existe no Brasil, devido à falta de regulamentação, é um mercado secundário para esses ativos. Por enquanto, a tokenização está no mercado primário, ou seja, no momento da incorporação. Essa é uma das maiores queixas dos investidores. “Nesse caso, a operação deixaria de ser imobiliária e se tornaria uma operação mobiliária de investimentos, necessitando da supervisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), assim como as ações negociadas em bolsa. Sem regras, esse mercado não pode nascer”, explica Hugo Pierre, presidente da Growth Tech, que desenvolve soluções para negócios usando a blockchain.
Para Pierre, essas operações poderiam ser disciplinadas sem grandes desafios técnicos, pois são seguras e perfeitamente rastreáveis. A tokenização do mercado imobiliário está começando sua trajetória no Brasil e há uma clara avenida para incorporadoras e investidores. Mas os aficionados por ativos digitais de toda sorte terão de aguardar um pouco mais, até a criação de um mercado secundário.