Revista Exame

O homem que une todas as cores da Benetton

No Brasil, Benetton chama mais a atenção com seus anúncios polêmicos do que com suas roupas. O que ele diz disso? Que tudo vai mudar

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Da Redação

Publicado em 16 de novembro de 2011 às 19h39.

Quarta-feira, dia 20. Um homem alto e magro, vestido de preto, entra na loja Benetton do MorumbiShopping, em São Paulo. Olha as vitrines com o cuidado de um especialista do ramo, examinando cada detalhe.</p>

Os funcionários da loja, apanhados de surpresa, reconhecem na hora: é a figura inconfundível de Luciano Benetton e sua cabeleira branca, em mais uma visita ao Brasil.

Aos 60 anos, ele passa praticamente metade do tempo longe de Treviso, na Itália, onde a Benetton tem sua base, para supervisionar suas operações pelo mundo. Em 7 000 lojas exclusivas, os irmãos Benetton coletam por ano quase 2 bilhões de dólares, com lucro líquido de 5%, segundo os dados do último balanço.

Luciano Benetton, presidente do grupo, cuida pessoalmente das vendas e do marketing. Saboreia cada polêmica que a publicidade da Benetton invariavelmente provoca. Atacando o racismo, os dogmas católicos, mexendo com a Aids ou a guerra na Bósnia, a Benetton cresce sobretudo entre os jovens.

A grife é o negócio mais visível da família, mas não é o único. Nos últimos anos, os irmãos Benetton diversificaram muito os seus investimentos. Faturam mais hoje em dia com supermercados, restaurantes e artigos esportivos do que com suas roupas multicoloridas.

Na sede da Benetton brasileira, na região da Berrini, em São Paulo, Luciano Benetton falou um pouco disso tudo a EXAME. A seguir, os principais trechos da entrevista, feita numa mistura de italiano e português:

EXAME - Esta é a sua primeira viagem ao Brasil desde que foi desfeita a sua parceria com Luiz Cézar Fernandes, um dos donos do Banco Pactual. O senhor está interessado em arranjar novos sócios brasileiros?


BENETTON - A associação com Luiz Cézar Fernandes, que era meu amigo havia muito tempo, se justificava pela situação econômica do Brasil, com sua inflação altíssima. Nós tínhamos uma experiência industrial muito grande, mas não tínhamos familiaridade com índices inflacionários tão elevados. Era dramático para nós, e não só para nós, italianos, mas também para os alemães, os americanos, os japoneses. Por isso precisávamos de um sócio local. Agora que o Brasil se tornou um país normal, com uma inflação normal, achamos que a nossa experiência será suficiente.

EXAME - Por que a associação com Luiz Cézar Fernandes não funcionou?

BENETTON - Não é um problema de funcionar ou não funcionar... A associação deixou de ter sentido.

EXAME - Como a Benetton pretende se expandir? Vai se tornar uma empresa de marketing, que desenvolve e comercializa seus produtos, mas manda fazer tudo na Ásia, como, por exemplo, a Nike?

BENETTON - Há países onde os salários são realmente muito baixos. Mas pensamos que na Europa temos uma qualidade melhor. Neste momento, contamos com uma tecnologia muito avançada, que praticamente não usa mão-de-obra. Temos os computadores e as máquinas. Então vamos continuar produzindo na Europa. No Brasil, na Índia, na China e na Turquia mantemos uma produção local para o mercado local.

EXAME - Há muitas queixas da baixa competitividade da indústria têxtil e de confecções no Brasil. Compensa fabricar por aqui? O senhor pretende continuar com a fábrica da Benetton na região de Curitiba?

BENETTON - Sim, mas acho que o Brasil tem necessidade de mais tecnologia, de mais qualidade no sistema industrial, no sistema produtivo e até no sistema comercial.

EXAME - Como o senhor caracterizaria a qualidade das peças Benetton que saem da fábrica de Curitiba?

BENETTON - São bons produtos. É difícil comparar com outros países, por causa das diferenças de matéria-prima. Mas os jeans, por exemplo, são um grande sucesso. E tudo é feito localmente, da matéria-prima ao tecido.


EXAME - A Benetton faturou no ano passado no Brasil 25 milhões de dólares. Com a marca presente no país desde os anos 80, seus negócios estão do tamanho que o senhor esperava? Ou a Benetton tem potencial para atingir um público muito maior?

BENETTON - Gastamos alguns anos para conhecer profundamente o consumidor brasileiro. Agora estamos numa condição melhor para fazer um produto sob medida para o mercado. Não temos crescido tanto no país, mas agora estamos improvisando menos. Já temos uma raiz aqui. Estou disposto a esperar mais vários anos para ganhar dinheiro por aqui. Isso vai acontecer quando nossa operação tiver alcançado um patamar entre 50 milhões e l00 milhões de dólares por ano. Por enquanto, não estamos tendo grandes lucros nem grandes prejuízos. Posso esperar porque não sou como os americanos, que ficam excessivamente preocupados com o resultado de cada trimestre. Pareço mais com os japoneses, que pensam a longo prazo.

EXAME - Qual é a importância da subsidiária brasileira nas contas gerais da Benetton?

BENETTON - O papel do Brasil ainda é pequeno, corresponde a l% do nosso faturamento. Os mercados muito importantes para nós são a Itália, a Alemanha, a França, a Espanha.

EXAME - O senhor nunca se cansa das polêmicas geradas pela publicidade da Benetton?

BENETTON - Não são polêmicas. São discussões. Nossa publicidade não é ofensiva. Eu acho que uma publicidade é ofensiva quando é uma obra exagerada, uma mentira. Mas quando diz a verdade... A guerra na Bósnia existe.

EXAME - O senhor se diz católico praticante. Na véspera do lançamento da campanha com a foto de um padre beijando uma freira o senhor dormiu tranqüilamente ou ficou com medo de ser excomungado pelo papa?

BENETTON - Eu estava tranqüilo. Minha mãe não estava muito de acordo, mas consegui convencê-la de que era uma bela foto.


EXAME - Em alguma ocasião o senhor vetou uma campanha bolada pelo fotógrafo Oliviero Toscani por considerar que era provocação demais?

BENETTON - Nunca, mas em 1992, numa campanha para arrecadar roupas para os pobres, eu sofri.

EXAME - Foi a campanha em que o senhor apareceu nu, não?

BENETTON - Sofri muito no momento, mas a idéia foi minha. A intenção era levar as pessoas a esvaziar os armários para ajudar as pessoas que não tinham roupas.

EXAME - Nos Estados Unidos o senhor chegou, no ano passado, a fazer uma publicidade mais comportada.

B ENETTON - Foi uma publicidade diversa. Normalmente fazemos duas campanhas, uma para revistas e jornais e outra para outdoor, válidas para o mundo inteiro. Nos Estados Unidos, porém, não pudemos usar uma foto de crianças gêmeas segurando as bandeiras americana e russa. Os americanos não aceitam isso, porque a bandeira é um logotipo de propriedade do governo. Também não pudemos usar uma peça publicitária que mostrava um preservativo. É que lá as revistas são vendidas em supermercados, e podem ser compradas por crianças.

EXAME - O senhor se sentiu fazendo concessões ao puritanismo americano?

BENETTON - Não sei. Digo que é complicado, em muitos casos. No Oriente Médio, um anúncio nosso, com três crianças mostrando a língua, não pôde ser veiculado. É que a língua é considerada um órgão interno entre eles. Não se pode mostrá-la. O Alcorão não permite.

EXAME - Como é a divisão de trabalho e poder entre o senhor e os seus irmãos? Numa matéria da Business Week afirmou-se que o poder estava se deslocando mais para as mãos de seu irmão Carlo, que cuida da parte industrial.

BENETTON - Nossos papéis são muito divididos para que não haja colisões. Eu não me preocupo com gestão ou finanças na Benetton, e nem teria tempo para isso. Meu irmão Gilberto é o responsável por essa área. Da parte industrial é meu irmão Carlo que cuida. Minha irmã Giuliana responde pelos produtos e pelo estilo. E eu cuido do marketing e das vendas.


EXAME - O futuro da Benetton está mais nos países emergentes ou nos mercados mais maduros, como os dos Estados Unidos e da Europa?

BENETTON - Estou convencido de que no futuro os países ricos não crescerão muito. O crescimento se dará sobretudo nos países do Terceiro Mundo. Não nesta década, evidentemente. Isso ocorrerá muito lentamente em países como a China e a Índia. Deverá levar dez, vinte ou trinta anos.

EXAME - O senhor é conhecido no Brasil pela grife Benetton. Mas seu grupo atua em muitas outras áreas. Quanto por cento do faturamento vem hoje das roupas Benetton e quanto vem de artigos esportivos, supermercados, restaurantes e lanchonetes?

BENETTON - Acho que um terço da cifra total vem da Benetton. O faturamento total é 3,5 vezes maior que o da parte têxtil.

EXAME - Qual é o negócio mais importante hoje?

BENETTON - A Benetton ainda é a mais importante, e a mais lucrativa. É como o primeiro amor. É o meu trabalho, é a minha paixão. Mas é preciso diversificar para crescer.

EXAME - Por que vocês estão se expandindo em setores tão diferentes?

BENETTON - Há uma certa lógica nessa diversificação. Na vida moderna, no futuro, as pessoas terão muito mais tempo livre. E ter mais tempo livre significa cuidar mais da saúde, praticar esporte, viajar. A nossa primeira diversificação foi no campo do esporte, com as botas de esqui Nordica, as raquetes de tênis Prince, os patins Rollerblade. É uma diversificação, mas num ramo semelhante. O público é o mesmo. Depois, em 1994, aproveitamos a privatização de cadeias de supermercados e restaurantes e entramos nessa área. Com a United Colors, temos uma experiência de pequena superfície, um negócio especializado que se dá num pequeno espaço. A grande distribuição é de uma problemática muito diversa. É uma experiência interessante como cultura.


EXAME - Vocês têm na Patagônia uma das maiores criações de ovelhas do mundo, com 300 000 cabeças, para a produção de lã usada por suas fábricas italianas. É um empreendimento isolado ou há a intenção de verticalizar tudo?

BENETTON - O meu irmão Carlo tem essa paixão pela matéria-prima. Mas a Patagônia é só uma experiência. De lá saem apenas 10% da lã usada pela Benetton.

EXAME - Em 1992, o senhor foi eleito senador por um partido de centro-esquerda. Ficou dois anos no Parlamento e não se interessou mais pela carreira política. Ela acabou para sempre?

BENETTON - A carreira política dá muito prestígio, é interessante, mas para mim foi também uma fonte de decepções. O ritmo é muito lento. Não se muda nada rapidamente. A Itália é um país muito complicado. Se na Grã-Bretanha há mil leis, na Itália há dez mil. Caso se façam mais leis, será o caos. Esse é um problema para especialistas. Eu sou um especialista num outro tipo de problema.

EXAME - Vocês estão pensando já em fazer a transição do comando da Benetton para as novas gerações? Muitas vezes os fundadores de uma empresa se dão muito bem e depois, na segunda geração, o entendimento acaba...

BENETTON - Não é fundamental que alguém da família venha a assumir o comando. O importante é que haja uma harmonia entre todas as pessoas que trabalham na empresa. De meus quatro filhos, só um, Mauro, trabalha dentro da Benetton, fazendo o que eu faço. Os outros têm interesses diferentes. Eu nem discuto esse assunto com eles, porque não quero influenciá-los. Mas acho que não deveriam entrar na Benetton agora. Deveriam pesquisar novas coisas. Fazendo uma autocrítica: a Benetton é uma idéia que tem trinta anos.

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