Revista Exame

O fim de do mistério do Ministério da Pesca

O distinto público ficou anos sem entender para que, afinal, servia o tal Ministério da Pesca. Um escândalo de alguns milhões de reais depois, finalmente temos a resposta

Ideli Salvatti, ex-ministra da Pesca: ela garante que não houve nada de mais com as lanchas pagas pelo Erário (José Cruz/ABr)

Ideli Salvatti, ex-ministra da Pesca: ela garante que não houve nada de mais com as lanchas pagas pelo Erário (José Cruz/ABr)

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Da Redação

Publicado em 15 de maio de 2012 às 10h54.

São Paulo - Um dos mais curiosos mistérios da administração pública brasileira, que há nove anos vinha desafiando qualquer tentativa de explicação, foi finalmente esclarecido: para que serviria o Ministério da Pesca?

Desde que foi fundado, em janeiro de 2003, logo no primeiro dia de governo do ex-presidente Lula, o ministério (cujo nome completo, acredite-se ou não, é Pesca e Aquicultura) não foi capaz de acrescentar um único bagre, nem um modesto lambari que seja, à produção nacional de peixes.

Nenhuma das funções que se possa imaginar para ele já não é exercida por um monte das milhares de repartições públicas que estão há décadas por aí, neste nosso Brasil tão grande — do Ibama à Receita Federal, das capitanias de portos às secretarias de Finanças dos estados, dos distritos navais da Marinha às prefeituras do litoral, ou seja lá ao diabo que for.

Pesca-se no Brasil há 500 anos, e nunca passou pela cabeça de ninguém que um ministro pudesse baixar alguma portaria capaz de fazer um cardume de sardinhas, por exemplo, aparecer onde as sardinhas, pelas suas razões pessoais, não querem dar as caras.

Lula, a certa altura, chegou a dizer que o ministério teria a missão de fazer a “reforma aquária” — pois a reforma agrária, em mais uma das grandes realizações de seu governo, já estava no papo. Foi engraçado, mas não explicou nada. É óbvio, também, que o Ministério da Pesca jamais iria ensinar alguém a pescar ou a pescar melhor — o ministro recém-presenteado com o emprego, aliás, teve um acesso de sinceridade no momento de sua nomeação e disse que, em matéria de pesca, não saberia nem enfiar uma minhoca num anzol.

Felizmente, de um momento para outro, o enigma foi resolvido: o Ministério da Pesca serve para empresários amigos do PT venderem lanchas ao Ministério da Pesca. Ah, bom: agora deu, até que enfim, para entender. As explicações foram fornecidas, dias atrás, por uma reportagem de O Estado de S. Paulo.

Um empresário que em 2010 havia doado 150 000 reais à campanha da atual ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, ao governo de Santa Catarina conseguiu vender 28 lanchas-patrulha para o Ministério da Pesca, por algo acima de 30 milhões de reais. Há pouca coisa que se salve nessa história.


A experiência da tal empresa no ramo da indústria naval se resumia, até o fechamento do negócio, à construção do grande total de uma (1) lancha. O ministério não podia ter comprado lanchas-patrulha: não está autorizado legalmente a fazer patrulhas (é mais uma das coisas que não faz) e, se não pode fazer patrulhas, não precisa de lancha para patrulhar coisa nenhuma.

Das 28 lanchas que socaram em cima do Erário, 23 estão até hoje encostadas sem utilização. Ideli ficou em terceiro lugar na eleição, mas ganhou do governo Dilma Rousseff, como compensação, um ministério — justamente, por uma dessas grandes coincidências da vida, o Ministério da Pesca.

Ali, por sinal, mandou pagar a última parte da fatura ainda devida ao homem das lanchas e contribuinte de sua campanha; coisinha de 5 milhões, nada muito mais que isso. Naturalmente, o governo e o PT juram que nenhuma dessas coisas tem nada a ver com a outra. A ministra Ideli não tem nada a ver com o caso. Nada tem a ver com nada. Na verdade, não aconteceu nada. Fim da peça.

O Ministério da Pesca, como se vê agora, só servia para isto: aumentar o mundo de vigarice que se formou, no Brasil, em torno da ideia do “Estado forte”, que tanto encanta o PT, os empreiteiros de obras e qualquer sujeito que tenha alguma coisa a vender para o governo.

Não falem, perto da presidente Dilma, em diminuir o tamanho dessa gosma; isso poderia ser entendido como uma defesa do “Estado mínimo”, e ela tem horror ao “Estado mínimo”. Fechar um ministério, então, é considerado praticamente um ato criminal. Nem que seja, caso venha a ser criado um dia, o Ministério das Perguntas Cretinas, legado imortal do Millôr Fernandes, que acaba de nos deixar.

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