Revista Exame

O modelo fácil da Hering ficou difícil

Nenhuma empresa brasileira é tão copiada quanto a malharia Hering. Os clones querem repetir sua bem-sucedida transição para o varejo. Mas o modelo tão admirado começa a dar sinais de fadiga

Fábrica da Hering: criada em 1880, é a empresa mais copiada do Brasil (Germano Lüders / EXAME)

Fábrica da Hering: criada em 1880, é a empresa mais copiada do Brasil (Germano Lüders / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 8 de fevereiro de 2013 às 06h00.

São Paulo - A indústria têxtil catarinense Hering é a empresa mais copiada do Brasil. Fundada por imigrantes alemães em 1880, a companhia passou mais de um século dedicada a fabricar calças e camisetas básicas e vendê-las para milhares de pequenos lojistas em todo o país.

Até que, em 1996, quando estava à beira da falência, começou a abrir lojas próprias. E não parou mais. Dezesseis anos depois, a empresa é um sucesso indiscutível. Nos últimos cinco anos, suas ações valorizaram 991%. No mesmo período, as vendas quadruplicaram e fecharam 2012 em estimado 1,8 bilhão de reais.

Essa transição da quase falência ao crescimento exponencial deixou outros empresários brasileiros mortos de inveja — e com uma possível solução à mão para seus negócios. Dezenas de fabricantes dos mais diversos setores lançaram redes de lojas próprias e passaram a investir pesado em marketing e em inovação.

Todo mundo, de repente, tentou ser a Hering — a fabricante de pisos Portobello, a Hope, de lingerie, a Alpargatas, dona das Havaianas, a Ambev e até a fabricante de cosméticos Granado, fundada em 1870. A má notícia: justamente quando é tão copiado, o modelo da Hering começou a ratear.

O último clone da Hering a se manifestar foi a Malwee, cuja sede fica em Jaraguá do Sul, também em Santa Catarina. Em 2012, a empresa faturou estimado 1,2 bilhão de reais. Nenhuma outra fabricante de roupas chega a tantos pontos de venda no país: são 25 000 lojinhas em 5.000 cidades.

A Hering, que ainda vende metade da produção em lojas multimarcas, tem 17.000. "A Malwee cresceu sem escolher cliente — vende até para posto de gasolina", afirma Ulrich Kuhn, ex-diretor da Hering e conselheiro da Abit, associação que reúne as empresas do setor têxtil. Deu certo durante muito tempo.

Mas, em 2011, a Malwee se rendeu ao varejo. Inaugurou 39 lojas próprias em shoppings e tem planos de dobrar o número até o fim do ano. De novembro para cá, anunciou também a compra de duas redes: a Scene, de moda unissex, com 20 lojas no estado de São Paulo, e a Puket, de meias e lingerie, com mais de 100 pontos em todo o país.


Felizmente para empresas como a Malwee, a história da Hering também aponta as maiores armadilhas a evitar. Grupos industriais que partem para o varejo são obrigados a fazê-lo com cautela, justamente para não irritar os comerciantes. A Hering levou dez anos até acertar o modelo. Abre lojas em cidades grandes e médias.

Nas pequenas, em que as redes de rua são mais importantes, nem pensar. “As lojas multimarcas seguem como nossa prioridade”, diz Guilherme ­Weege, presidente e acionista da Malwee, que não diria mesmo nada que irritasse seus clientes atuais. 

A transição de modelo é dificultada por uma peculiaridade. Empresas centenárias que nunca pensaram em mar­keting têm de aprender tudo correndo. E cometem erros simplórios. A malharia Marisol, vizinha da Malwee em Jaraguá do Sul, cometeu uma série de barbeiragens em sua tentativa de ser a nova Hering.

Comprou cinco marcas que nada tinham a ver umas com as outras e não emplacou nenhuma. Seu faturamento está parado nos 400 milhões de reais há quatro anos.  

O que faz tanta gente arriscar para seguir os passos da Hering é a constatação de um fenômeno social. Com mais dinheiro no bolso, o consumidor brasileiro já não se contenta em comprar produtos básicos nas lojinhas de bairro. Uma fatia crescente da população passou a frequentar shoppings e a comprar produtos de marca.

A participação das lojas de bairro nas vendas de roupas caiu de 44% para 37% desde 2007. Como era de esperar, as empresas que vendiam por esse canal tiveram de encontrar uma solução — investir em marcas e redes próprias. “As lojas têm duas funções. A mais óbvia é vender produtos. Mas também ajudam a reforçar a imagem das marcas e, com isso, a vender mais nas lojinhas tradicionais”, afirma Alberto Serrentino, sócio da consultoria de varejo GS&MD. 


Nesse cenário, a Hering levou extrema vantagem pelo pioneirismo. Por ter entrado nos shoppings e nos melhores pontos comerciais uma década antes dos concorrentes, aproveitou o melhor dos mundos — custos baixos, concorrência inexistente e consumidores ávidos por novidades.

Agora, os preços de aluguéis nos shoppings dispararam e há dezenas de marcas disputando os mesmos espaços. Embora continue a servir de inspiração para diversas empresas, a Hering está às voltas com os primeiros sinais de esgotamento de seu modelo. No dia 9 de janeiro, a empresa comunicou ao mercado que suas vendas no terceiro trimestre de 2012 ficaram abaixo do previsto.

Embora a receita tivesse crescido quase 11% na comparação com o mesmo período do ano anterior, as vendas nas lojas abertas há pelo menos 12 meses recuaram 0,2%. É pouco. Mas é o primeiro passo em falso de uma empresa acostumada a dar boas notícias aos acionistas. Segundo a Hering, o resultado é fruto de um problema pontual de logística. "É complicado conduzir as expectativas do mercado. Crescemos 30% de 2007 a 2010 e 11% em 2011. Que outra empresa cresceu isso?", diz Fabio Hering, presidente da empresa. 

Naturalmente, a Hering não poderia quadruplicar seu faturamento a cada período de cinco anos. O ritmo precisaria cair em algum momento. Mas o tropeço do fim de 2012 trouxe à tona outros detalhes que passavam despercebidos em meio ao crescimento alucinante da empresa.

A margem operacional, que fechou em 29,1% em 2011, caiu para 26,6% nos primeiros nove meses de 2012, o último dado disponível. Analistas e consultores ouvidos por EXAME são unânimes em afirmar que, embora ainda viva um ótimo momento, a Hering terá de — ironia — encontrar um novo modelo. Com 515 lojas em todo o país, o espaço para novos pontos de venda é limitado. A meta é abrir mais 75 lojas em 2013.

O que pode impulsionar um novo ciclo de crescimento são novas marcas. A Hering Kids, voltada para o público infantil, fechou 2012 com 26 unidades e deve ganhar 30 em 2013. O potencial calculado pela empresa é de 200 unidades. A Dzarm, marca jovem do grupo, também pode ganhar lojas próprias. Para expandir essas novas redes, no entanto, a Hering vai precisar enfrentar uma forte concorrência — que ela mesma ajudou a criar.

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