Os verdes no poder?: a Presidência de uma ambientalista, como Marina Silva, seria algo inédito nas grandes economias do mundo (Alexandre Severo/EXAME)
Da Redação
Publicado em 8 de setembro de 2014 às 10h29.
São Paulo - Os eventos que Começaram a se desenrolar na manhã de 13 de agosto, com a morte do ex-governador de Pernambuco e candidato do PSB à Presidência da República, Eduardo Campos, mudaram drasticamente o cenário eleitoral.
Desde então, pesquisas e sondagens vêm mostrando que Marina Silva, a substituta de Campos, pode ser a principal desafiante à reeleição da presidente Dilma Rousseff — o candidato tucano, Aécio Neves, batalha para recuperar a posição que tinha no páreo.
Pela primeira vez desde 1994, quando as eleições passaram a ser polarizadas entre PSDB e PT, surge a real possibilidade de uma terceira via ascender ao poder, e tendo à frente uma ambientalista, situação ainda não experimentada por nenhuma grande economia no mundo. Nos últimos dias, EXAME ouviu mais de 50 representantes do setor privado, entre empresários, executivos e líderes de associações.
De modo geral, eles creem que Marina, caso chegue ao Palácio do Planalto, poderá retomar uma política econômica baseada no controle da inflação, na manutenção de câmbio flutuante e no equilíbrio fiscal — o tripé econômico criado sob Fernando Henrique Cardoso e mantido por Lula até a crise de 2008, quando deu lugar a uma estratégia intervencionista.
No campo da macroeconomia, portanto, a hipótese de Marina ser eleita não gera maior ansiedade. Porém, sobram indagações com relação a como ela trataria setores como os de energia, agronegócio, mineração e infraestrutura, essenciais para o desenvolvimento do país.
Uma preocupação comum diz respeito ao licenciamento ambiental. Trata-se de uma etapa imprescindível para o andamento de grande parte dos negócios e que já é considerada excessivamente lenta e custosa no país. O receio é que processos mais rigorosos e demorados causem ainda mais atrasos nos projetos de hidrelétricas, estradas, portos, exploração de minério e de petróleo.
Em parte, isso decorre da experiência que empresários e investidores tiveram com a gestão de Marina no Ministério do Meio Ambiente. Enquanto ela foi ministra, a área conquistou alguns feitos inquestionáveis, entre os quais o mais evidente foi a redução do ritmo de desmatamento da Amazônia, que caiu pela metade de 2004 a 2008.
Marina teria sido a iniciadora, no entanto, de um processo de endurecimento nas regras que hoje dificultam o andamento dos negócios. O caso do empreendimento de Luiz Augusto Bizzi, ex-executivo da mineradora australiana BHP, é exemplar. Bizzi está desenvolvendo em São José do Norte, no Rio Grande do Sul, um projeto de extração de minerais como o rutilo, empregado na produção de tintas.
O processo de licenciamento ambiental já levou três anos, consumiu 12 milhões de dólares e acumulou 34 quilos de papelada, entregues em nove volumes ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis. Ele se queixa do aumento das exigências do processo, que passou a incluir compensações que não estão relacionadas ao meio ambiente.
“Querem que eu fure o solo a cada 50 metros para verificar a presença de sítios arqueológicos, sendo que minha área tem 80 quilômetros de comprimento e 2 quilômetros de largura”, diz Bizzi. “O licenciamento ambiental antes tinha um rito sumário e menos pulverizado, que começou a mudar na gestão de Marina no Meio Ambiente.”
Na infraestrutura, o efeito é sentido de forma generalizada. Segundo levantamento da consultoria de logística Ilos, as 12 maiores obras do Programa de Aceleração do Crescimento estão atrasadas quatro anos, em média — e um dos principais motivos é a demora na obtenção das licenças ambientais.
“Como ministra, Marina criou mais regras e tornou mais difícil a vida das empresas que se esforçam para seguir a legislação ambiental”, diz Antonio Joaquim de Oliveira, presidente da Duratex, empresa produtora de painéis de madeira. Mesmo entre os colaboradores mais próximos, existe a certeza de que um governo Marina seria mais rígido na aprovação de grandes projetos — pelo menos no curto prazo.
“Falta conhecimento sistematizado sobre a fauna e a flora brasileira, e por isso os responsáveis pelas grandes obras precisam muitas vezes fazer estudos complexos na fase de licenciamento”, diz João Paulo Capobianco, ex-secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente na gestão Marina.
“Um bom levantamento da flora local requer a observação em todas as estações do ano pelo menos duas vezes.” A proposta de Marina prevê consolidar numa base de dados estudos ambientais hoje dispersos em centros de pesquisa Brasil afora e investir na expansão dos inventários de fauna e flora.
Com o tempo, esse repositório passaria a ser a principal fonte de informação para os processos de licenciamento, diminuindo a necessidade de estudos em cada projeto individualmente. “Esse plano é parte importante do nosso programa”, diz a socióloga Maria Alice Setubal, coordenadora do programa de governo da candidatura do PSB.
Plantas e lagartos
Crescer à custa de destruição ambiental é algo com que ninguém com lucidez deve concordar. O difícil é estabelecer onde termina o razoável e onde começa o fundamentalismo ecológico, que, às vezes, parece defender o bem-estar de todas as formas de vida, exceto a humana.
O fato é que, desde a última eleição, quando obteve uma surpreendente terceira colocação, com 19 milhões de votos, Marina Silva tem mantido posições até certo ponto ambivalentes. Ela já disse, por exemplo, ser favorável às concessões de grandes obras de infraestrutura à iniciativa privada e que é preciso investir em estradas e silos para diminuir as perdas do agronegócio.
“Marina não é contra obras como as de hidrelétricas ou estradas cruzando a Amazônia, mas pensa que a área desmatada até hoje, equivalente a três vezes o estado de São Paulo, já foi o bastante”, diz Beto Veríssimo, presidente do Imazon, instituto de pesquisa sobre o desenvolvimento da Amazônia.
A forma como foi licenciada a rodovia BR-163, que vai de Guarantã do Norte, em Mato Grosso, a Santarém, no Pará, é apontada pela candidata do PSB como um modelo de como seu ideal de desenvolvimento sustentável deve funcionar na prática.
As licenças para a pavimentação de 1 000 quilômetros no trecho da estrada quase totalmente situado na floresta foram concedidas no período de Marina ministra. “Fizemos um trabalho envolvendo 18 ministérios e criamos 8 milhões de hectares de unidades de conservação às margens da rodovia”, disse Marina numa entrevista concedida a EXAME em 2013.
“Conseguimos dar a licença sem nenhum senão de ONG ou de comunidade indígena.” O licenciamento da BR-163, uma rota para o escoamento da soja pelo norte do país, levou quatro anos, até 2008 — e hoje ainda faltam 460 quilômetros de pavimentação, a cargo do Ministério dos Transportes.
“A liberação da obra demorou mais do que o normal”, diz o diretor de uma empresa investidora em infraestrutura. “Mas é preferível que as licenças demorem a que elas simplesmente não saiam.”
O exemplo da BR-163 não chega a tranquilizar os investidores. As concessionárias de portos e terminais dão uma boa mostra disso. Existem hoje na Agência Nacional de Transportes Aquaviários 20 pedidos de construção de portos — outros 159 projetos estão sob análise no Tribunal de Contas da União.
“Em uma gestão de Marina, a sensação que temos é que se vai proteger uma planta ou um lagarto ao custo de não se desenvolver um projeto portuário”, diz o presidente de um terminal privado que prefere não se identificar. Pior ainda é a sensação em setores que Marina já desaprovou publicamente. O caso mais notório é o da mineração.
Nos últimos anos, ela defendeu mudanças sensíveis na legislação do setor, como o fim do “direito de prioridade”, pelo qual o governo concede a primazia de exploração de uma área com jazida comprovada a quem primeiro fizer a solicitação.
“A mineração não pode deixar como legado benefícios econômicos para quem chegou primeiro à mina e danos socioambientais para o resto da sociedade, sobretudo para as futuras gerações”, escreveu Marina em um artigo de jornal.
Ela também apoia o aumento dos royalties que as mineradoras têm de recolher aos cofres públicos, uma proposta do governo que está no Congresso desde o ano passado e provocou revolta no setor.
“Não acredito que qualquer presidente tome alguma decisão capaz de paralisar a indústria”, afirma Paulo Castellari, presidente da unidade brasileira de minério de ferro da Anglo American, multinacional que está completando um investimento de 9 bilhões de dólares no país. “Mas, se houver um aumento desproporcional dos royalties, os acionistas vão fechar as empresas e sair do Brasil.”
Represas diminutas
Com o agronegócio, outro pilar da economia, responsável por 25% do PIB, Marina já travou sérios embates. O Código Florestal, aprovado em 2012, já foi chamado de “Código Agrário” por ela, que não concordou com os percentuais de floresta que devem ser preservados.
“Tenho dúvida quanto à conduta que ela vai adotar em relação à lei”, diz Arlindo Moura, presidente da V-Agro, uma das maiores produtoras de grãos do Brasil. Nesse caso, os principais assessores de Marina sinalizam que a legislação aprovada não será modificada.
Contudo, os rigores que a lei permite deverão ser aplicados, como o ainda não constituído Cadastro Ambiental Rural. Reunindo as informações de todas as propriedades rurais num sistema único e obrigatório, o cadastro permitiria acompanhar quanto cada uma desmatou.
Por outro lado, o ambientalista Tasso Azevedo levanta a possibilidade de dar incentivos às propriedades que preservarem mais do que a lei exige. A proposta de reforma tributária do programa de governo do PSB prevê vantagens fiscais para empresas comprometidas com a redução do desmatamento e das emissões de gás carbônico.
No campo da energia, a maior preocupação é com a necessidade de ampliar a geração para afastar o risco de um novo apagão. Os críticos de Marina dizem que foi em sua gestão no Meio Ambiente que os projetos de hidrelétricas com grandes reservatórios começaram a ser substituídos por usinas no modelo fio d’água, com represas diminutas.
O resultado dessa política é que hoje as usinas brasileiras conseguem aguentar um período de quatro meses e meio sem chuvas — um quinto do tempo que suportavam na década de 70. “A Marina tem uma posição muito forte contra os reservatórios. Só que, quando falta chuva, falta energia no Brasil”, diz José Goldemberg, ex-ministro da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente.
“Estamos usando usinas térmicas, que são mais poluentes e geram energia cinco vezes mais cara.” O que era para ser mais sustentável acabou se tornando mais prejudicial ao ambiente. Nos últimos anos, a participação de fontes renováveis, como a hidrelétrica, na geração energética caiu de 50% para 42%.
O programa de governo de Marina prevê reverter essa tendência — mas, em princípio, a volta dos grandes reservatórios está fora de questão. A parte central do programa de energia do PSB consiste em incentivar a geração eólica, a solar e a utilização de biomassa — como o bagaço de cana — em centrais termelétricas.
Donos de usinas de açúcar e de etanol aplaudem. “Existem 200 usinas que poderiam estar produzindo energia e jogando para o sistema interligado, mas, com a crise do setor, deixaram seus planos de lado”, diz Elizabeth Farina, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar, a maior entidade do setor.
Os usineiros também acreditam que o etanol — um combustível “verde” — possa recuperar, numa gestão marcada pela preocupação ambiental, a competitividade perdida desde que o governo passou a segurar os preços da gasolina para combater a inflação.
O desarranjo causado na Petrobras — e, por consequência, em toda a indústria de petróleo e gás — é outra das heranças complicadas que ficarão para o próximo ocupante do Planalto. Uma das demandas do setor é rediscutir o marco regulatório do pré-sal. A Petrobras está sobrecarregada na função de operadora única e com a exigência de ter pelo menos 30% de participação nos consórcios do pré-sal.
Resolvidos os impasses, o setor tem projeções para investir meio trilhão de reais, segundo levantamento do BNDES. O valor representa mais de 40% dos investimentos da indústria brasileira previstos até 2017.
Apesar do peso da cadeia do petróleo na economia, pouco se conhece sobre propostas de Marina para o setor. O que se sabe é o que ela pensa do petróleo: um “mal necessário”, por inexistirem fontes capazes de substituir o petróleo no futuro próximo, como declarou no ano passado em entrevista a EXAME.
Fase pragmática?
Além das demandas setoriais, um questionamento frequente diz respeito à capacidade de gestão de Marina — seus oponentes argumentam que ela tem pouca experiência administrativa. No período de quase seis anos em que ficou à frente do Ministério do Meio Ambiente, Marina convenceu o ex-presidente Lula a iniciar o Programa de Combate ao Desmatamento na Amazônia, que articulou ministérios em reuniões semanais ou quinzenais para discutir um plano de ações.
“A Marina tem uma gestão de alto nível, sempre em busca do consenso”, diz um dos participantes dessas reuniões, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues — com quem ela travou uma longa negociação sobre a aprovação de transgênicos.
Mas é difícil imaginar a ex-senadora — que tantas vezes já defendeu conceitos intangíveis, como o de uma “nova política” — negociando com líderes de bancada ou cedendo a pressões de partidos para trocar cargos por votos no Congresso.
“Marina no poder será um grande experimento político”, disse Christopher Garman, analista da consultoria Eurasia, no EXAME Fórum, realizado em São Paulo bem no dia da morte de Eduardo Campos.
Nos últimos dias, Marina e o PSB disseram claramente que quadros do PT e do PSDB serão convidados para um eventual governo dela. Dita no calor da campanha eleitoral, fica a dúvida: será o início de uma fase pragmática?