Revista Exame

O clima azedou de vez na Odebrecht

A saída de Victor Gradin do conselho de administração da Odebrecht coloca mais gasolina na maior briga societária em curso no país — a disputa entre duas famílias por um pedaço de um grupo com receitas de 54 bilhões de reais

Bernardo Gradin: líder da família na disputa com o clã Odebrecht   (Daniela Toviansky/EXAME.com)

Bernardo Gradin: líder da família na disputa com o clã Odebrecht (Daniela Toviansky/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 16 de maio de 2011 às 12h56.

De maneira geral, assembleias de acionistas costumam ser encontros marcados pela ausência de emoção. São reuniões relativamente curtas para encaminhar investimentos ou políticas de metas e remuneração dos executivos. Pois, na tarde de 29 de abril, duas assembleias realizadas no 2º andar da sede do grupo Odebrecht, em Salvador, fugiram desse roteiro quase entediante.

A primeira teve início às 16h15 e durou exatos 45 minutos. Durante esse intervalo de tempo, os dois advogados que representavam a família Odebrecht — um do escritório carioca Barbosa, Müssnich & Aragão e outro da banca americana Linklaters — comunicaram a destituição de Victor Gradin, de 79 anos, do conselho de administração do grupo.

Do outro lado da mesa, estavam dois advogados da família Gradin e dois auditores da PricewaterhouseCoopers. A saída de Victor Gradin, o maior acionista individual do grupo com 12,6% de participação, não chegou a ser uma surpresa — a ata que precedeu a reunião extraordinária já anunciava que o número de conselheiros da Odebrecht passaria de 12 para 11.

Logo em seguida, no entanto, teve início uma segunda reunião — esta bem mais demorada. Durante 2 horas, os dois advogados que representavam os Gradin — um do escritório baiano Caio Druso e outro do paulista Carvalhosa e Eizirik — exigiram a criação de um conselho fiscal na Odbinv, a holding que controla a Odebrecht, com um membro apontado pela família Gradin.

Embora a cartada tenha pegado os representantes do clã Odebrecht de surpresa, eles concordaram — juntos, Victor e seus filhos Bernardo e Miguel possuem 20,6% de participação naquele que é um dos maiores grupos empresariais do país, com faturamento de 54 bilhões de reais.

Foi a pá de cal num relacionamento que une as duas famílias há quase 40 anos — e que começou a dar sinais públicos do desgaste no início deste ano. “Os dois episódios foram muito simbólicos”, diz um alto executivo da Odebrecht que pediu para não ter seu nome revelado. “Não há mais clima para a convivência entre as duas famílias.”

A expulsão de Victor Gradin do conselho de administração da Odebrecht é um sinal inequívoco do nível de mágoa e de ressentimento a que chegou a maior disputa societária em curso no país. Os Odebrecht exigem que os Gradin lhes vendam suas ações na holding Odbinv por 1,5 bilhão de dólares — e, assim, deixem o negócio.


Os Gradin, por sua vez, não aceitam se desfazer dos papéis e, caso sejam obrigados a fazê-lo, alegam que eles valem pelo menos 5,4 bilhões de dólares. A diferença que os separa, hoje, é feita de acusações mútuas de infidelidade e por uma conta de 3,9 bilhões de dólares.

Várias conversas entre os Gradin e os Odebrecht não levaram a um acordo amigável. No dia 7 de dezembro de 2010, os Gradin decidiram entrar na Justiça com um pedido de instauração de um comitê de arbitragem para solucionar o impasse. Em pouco mais de cinco meses, o caso — um calhamaço de 1 000 páginas — já passou pelas mãos de cinco magistrados do Tribunal de Justiça da Bahia, num vaivém de petições, embargos e agravos.

A audiência de conciliação, que geralmente antecede o comitê de arbitragem, deve ser marcada nos próximos dias. “Nossa participação no grupo ficou inviável”, disse Bernardo Gradin a EXAME. “Estamos dispostos a negociar, mas queremos um preço justo.” Juntamente com o irmão Miguel, Bernardo vem se reunindo com fundos de investimento para analisar a entrada da família em novos projetos, especialmente nas áreas de óleo e gás.

A disputa em curso envolve mais do que uma divergência em torno de valor das ações ou cláusulas contratuais. Ambas as partes se ressentem da quebra de um “pacto de confiança” selado décadas atrás — um código de honra que na cultura empresarial construída pela Odebrecht seria mais sólido que qualquer acordo de acionistas preparado por advogados.

Os Odebrecht e os Gradin compartilharam esse código desde 1974, quando o administrador Victor Gradin, filho único e brilhante de um casal de imigrantes galegos, entrou para o grupo. Ao longo dos anos, a relação entre os clãs se tornou estreitíssima. Até recentemente, o fundador Norberto, hoje com 91 anos, dirigia um modelo C1, da Mercedes-Benz, presente de Victor por seu aniversário de 80 anos.

A terceira geração dos Odebrecht e a segunda geração dos Gradin foram criadas praticamente juntas. O atual presidente do grupo, Marcelo Ode­brecht, e Miguel Gradin, ex-presidente da unidade de óleo e gás, cumpriram juntos o curso de preparação de oficiais da Reserva em Salvador, em 1987. Oito anos depois foram transferidos para a inglesa SLP Engineering, de óleo e gás, que acabara de ser adquirida pela Odebrecht.

Durante um ano, os dois moraram na cidade de Lowerstoft, na Costa Leste da Inglaterra, onde se visitavam semanalmente. Cinco anos mais velho que a dupla, Bernardo também mantinha uma relação cordial com Marcelo — foi por indicação dele que Bernardo foi alçado ao posto de presidente da petroquímica Braskem, a maior empresa do grupo, em junho de 2008.


“Marcelo bancou a ida de Bernardo para a Braskem mesmo sem a concordância de Pedro Novis, que era o presidente do grupo”, diz um acionista minoritário da empresa. “Para resolver o impasse, o próprio Marcelo assumiu o conselho de administração da Braskem.”

Ao longo de vários anos de convívio, Bernardo e Marcelo se estranharam pouquíssimas vezes. Em muitos aspectos, eles se parecem. Tanto Marcelo quanto Bernardo têm personalidades fortes e foram preparados ao longo da vida para ocupar altos cargos na hierarquia da Odebrecht. (Pessoas próximas aos dois se referem tanto a Marcelo quanto a Bernardo como “o príncipe”.)

Uma das discordâncias ocorreu em janeiro de 2010, durante o processo de compra da petroquímica Quattor, então pertencente à Unipar, pela Odebrecht. Na manhã do dia 20 daquele mês, cerca de 70 executivos, entre advogados e assessores das duas empresas e da Petrobras (sócia da Braskem), revezaram-se na sede do escritório de advocacia Machado, Meyer, em São Paulo, em reuniões para definir os pontos finais do acordo.

Após quase 20 horas de negociações, já na madrugada, Bernardo se desentendeu com Frank Geyer, controlador da Unipar. “Os dois chegaram a trocar ofensas. A transação quase foi desfeita naquele momento”, diz um executivo que participou das reuniões. Logo após o episó­dio, Marcelo e Bernardo discutiram a portas fechadas numa sala do escritório.

Minutos depois, Bernardo deixou o local. A operação foi finalizada na tarde seguinte. “Como executivo, Bernardo se desentendia com diversos líderes do grupo”, diz um sócio da holding. “Mas jamais batia de frente com o Marcelo. Havia muito respeito entre eles.”

O começo da briga

Os confrontos diretos entre os dois só começariam há um ano. No final de maio, Marcelo reuniu-se com Bernardo, então presidente da Braskem, para comunicá-lo de sua intenção de criar um plano para a entrada de 100 novos acionistas na holding, escolhidos entre os principais executivos da Odebrecht.

Segundo Marcelo, a medida teria dois propósitos. Primeiro, traria membros da nova geração para o quadro acionário da holding Odbinv — até então, os 12 acionistas minoritários eram remanescentes da administração de seu pai, Emílio, que comandou o grupo de 1991 a 2001, e da de seu avô, Norberto.


O outro argumento era de ordem financeira. A família Odebrecht pretendia vender parte de suas ações para quitar uma dívida de 300 milhões de reais e queria garantir a distribuição futura de 200 milhões de reais em dividendos por ano (os 20 herdeiros de Norberto Ode­brecht possuem 62% do capital do grupo por meio da Kieppe Participações).

Num e-mail a que EXAME teve acesso, enviado por Marcelo a Bernardo no dia 12 de julho de 2010, o presidente do conselho explicava que, para atender às duas necessidades, a saída seria criar um novo acordo de acionistas — entre as exigências do novo acordo estavam o aumento no prazo de pagamento aos minoritários que decidissem vender sua fatia no grupo, dos então quatro para seis anos, e a mudança nas regras dos depósitos no fundo de liquidez, que reúne parte dos rendimentos da Odebrecht para o pagamento de ações.

O que se seguiu a partir daí foi uma troca frenética de e-mails e cartas para discutir os termos desse novo acordo. Os Gradin pleiteavam compensações, como direito a voto nos investimentos futuros e a indicação de um segundo banco para avaliar os ativos do grupo, tarefa realizada pelo Credit Suisse desde 2001.

Os Odebrecht reivindicavam que parte das ações dos Gradin migrasse para o novo acordo e o restante fosse trocado por participações em empresas do grupo, como Braskem e Odebrecht Óleo e Gás. Em agosto, a disputa extrapolou a esfera de Marcelo e Bernardo. Emílio Odebrecht procurou Victor Gradin pessoalmente, mas não houve consenso.

“Victor se limitou a dizer que já havia transferido as ações aos filhos dez anos antes e, por isso, eles é que deveriam tocar as negociações. Foi uma omissão que enfureceu os Odebrecht”, diz um acionista do grupo. Bernardo e Miguel possuem 4% da Odbinv cada um, mais que Marcelo Odebrecht, dono de 3,2% de participação.

Diante do impasse, os Odebrecht enviaram no dia 8 de outubro uma notificação aos Gradin, exercendo unilateralmente seu direito de compra das ações dos sócios minoritários com base no atual acordo de acionistas.

Insatisfeito com a decisão, Bernardo pediu a Marcelo, no final de novembro, que passasse a tratar do assunto diretamente com Emílio Odebrecht, presidente da Kieppe Participações. Marcelo concordou, mas exigiu que Bernardo se afastasse da presidência da Braskem.

No dia 22 daquele mês, numa reunião do escritório da Odebrecht em São Paulo, Bernardo foi demitido por Marcelo. Miguel, que presidia a divisão de óleo e gás, soube de seu afastamento horas mais tarde, por e-mail, enquanto assistia ao show do cantor Paul McCartney em São Paulo ao lado de seu irmão. (Oficialmente, Bernardo deixou a presidência da Braskem no dia 7 de dezembro. Miguel saiu da Odebrecht Óleo e Gás três dias depois.)

Qualquer que seja o resultado da disputa na Justiça, os caminhos dos Odebrecht e dos Gradin parecem definitivamente separados por 3,9 bilhões de dólares — e por emoções que vão muito além disso.

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