Revista Exame

O choque de Dilma

Um mês após a intervenção do governo no setor elétrico, as empresas de energia continuam no escuro. E o país não sabe se a promessa de tarifa mais baixa não vai afugentar investimentos


	Dilma Rousseff no anúncio das medidas: decisão tomada a portas fechadas
 (Ueslei Marcelino/Reuters)

Dilma Rousseff no anúncio das medidas: decisão tomada a portas fechadas (Ueslei Marcelino/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 8 de novembro de 2012 às 10h56.

São Paulo - Passado um mês desde que a presidente Dilma Rousseff anunciou medidas para reduzir o preço da eletricidade, as empresas do setor permanecem no escuro. Cerca de 40 concessionárias, que representam 20% da geração, 67% da transmissão e 35% do mercado de distribuição, têm até o dia 15 de outubro para tomar uma decisão que poderá selar o destino de seus negócios nos próximos 30 anos.

O que está em jogo é aceitar ou recusar a proposta de prorrogação de contratos desenhada pelo governo. Um total de 63 contratos que vencem entre 2015 e 2017 poderão ser prorrogados antecipadamente a partir do ano que vem. Quem aceitar terá garantidas mais três décadas de concessão.

Parece bom negócio, mas não é assim que as empresas estão vendo. Para obter a prorrogação, o concessionário precisa concordar com regras que vão reduzir suas receitas a valores ainda não conhecidos e aceitar uma indenização que também ainda não se sabe de quanto será.

Quem não topar terá seu contrato respeitado — mas pode ser impedido de participar do leilão que definirá a concessão para o período seguinte. Essa foi a fórmula encontrada pelo governo para não rasgar contratos assinados e, ao mesmo tempo, impor seu objetivo. A mudança está inscrita numa medida provisória que o governo encaminhou ao Congresso.

Quando o documento foi publicado no Diário Oficial, causou espanto generalizado — para o bem e para o mal. Por um lado, a medida foi comemorada. Ela cria condições para a redução do alto preço da energia, um dos problemas que asfixiam a competitividade da indústria. Pelas estimativas do governo, a queda para as empresas consumidoras será de 28%. O corte será conseguido por meio de duas mudanças.

A primeira é a redução da tarifa. O governo quer cortar o preço com base num pressuposto: muitas empresas são antigas e a maior parcela dos investimentos que fizeram em usinas e linhas de transmissão já foi amortizada. Isso, na visão do governo, permitiria renegociar os valores.

Também ajudará na diminuição do preço o corte de encargos da conta de luz. O governo avaliou uma dezena e optou por mexer em três. É pouco, se for levado em consideração que os mais de 30 encargos e tributos correspondem a 45% da conta. Mas é um avanço considerando que a norma sempre foi elevar, e não aliviar, o peso dos tributos. 


No sentido oposto, instalou-se um desconforto em relação a como a medida foi elaborada e como está sendo implementada. Nenhuma audiência ou consulta pública foi feita. Nenhum executivo do setor, sindicalista da categoria, parlamentar ou governador de estado afetado foi ouvido.

“Todos queremos uma conta de luz mais barata, pois a energia faz os países mais ou menos competitivos”, diz Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. “Mas a MP traz mudanças profundas para o setor e é um absurdo que tenha sido redigida a portas fechadas, sem nenhuma transparência, atropelando o Congresso Nacional, e sem dar informações para as empresas tomarem uma decisão dessas em prazo tão apertado.” Há mais um fator de incerteza: a MP já recebeu mais de 430 emendas no Congresso.

O que já se sabe é que a medida vai provocar uma expressiva queda de receita das empresas, principalmente das geradoras, que, na maioria, são estatais, como Chesf e Furnas. Há avaliações de que a Eletrobras pode perder até 4,5 bilhões de reais em faturamento quando aderir às novas regras.

“O setor pode ser sucateado se essas empresas ficarem sem receita para investir”, diz Alexei Macorin Vivan, presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica. Um subproduto positivo é que a perda de receita pode obrigar as estatais, especialmente as federais, coalhadas de indicações políticas, a passar por um choque de gestão.

Basta um paralelo para entender o tamanho do problema. A estatal paulista Cesp tem 1 200 funcionários para gerar 7 400 megawatts, enquanto Furnas mantém 6 500 para produzir 11 300 megawatts. Mal a medida saiu, Furnas anunciou estar acelerando seu programa de demissão voluntária.

Até 2018, 2 000 vagas devem ser fechadas. Entre as empresas privadas, a mais afetada é a CTEEP, controlada pelo grupo colombiano Interconexión Electra, que adquiriu linhas de transmissão que equivalem a quase um terço da espinha dorsal do sistema interligado no Brasil. Pela regra prevista na medida, o governo só irá ressarcir investimentos feitos até 2000. Os colombianos pagaram 1,2 bilhão pela CTEEP em 2006 — e não se sabe como ficará sua situação.

Casos como o da CTEEP poderiam ter sido evitados se o governo tivesse negociado previamente com as empresas do setor. Segundo executivos da área de energia, um grupo de meia dúzia de pessoas escolhidas por Dilma passou cerca de dois meses montando a proposta, com anuências e recusas da própria presidente.


Os temas mais técnicos ficaram por conta de Nelson Hübner, diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, e Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética. A parte econômica coube a Antônio Henrique da Silveira, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, e Arno Augustin, secretário do Tesouro Nacional. O pensamento privado teve como interlocutor o consultor Mário Veiga, especialista em energia. A coordenação ficou com Beto Vasconcellos, secretário executivo da Casa Civil. 

Numa polêmica entrevista, Hübner, da Aneel, disse que quem não aderir à prorrogação pode ser excluído dos leilões de renovação, o que irritou os concessionários. “Primeiro invertem a lógica, fazendo com que nós tenhamos de decidir sem conhecer as regras. Na sequência, ameaçam nos vetar”, diz José Aníbal, secretário de Energia do estado de São Paulo, controlador da Cesp.

“Se tentarem empurrar goela abaixo, não vai funcionar.” Aníbal quer que as empresas afetadas pela MP que estão sob a gestão de estados, como a própria Cesp e a mineira Cemig, façam uma escolha em conjunto. Ele diz que todas as possibilidades estão sendo analisadas, inclusive recusar a prorrogação e, se for o caso, brigar na Justiça para participar dos futuros leilões de concessão.

O risco de instabilidade jurídica afetou o ânimo dos investidores. “Já tem gente falando que não vai colocar mais um centavo no negócio de energia no Brasil se o atual quadro de interferência pública e instabilidade jurídica persistir”, diz o executivo de uma empresa do setor. A reação dos investidores foi imediata — ações de empresas como Cesp caíram quase 30% desde então.

Outra questão que tumultua a cena foi a opção do governo de proibir a negociação da energia mais barata no chamado mercado livre. A MP estabelece que a energia deverá ser parcelada em cotas e vendida apenas para as distribuidoras. Grandes consumidores, como siderúrgicas, fabricantes de alumínio, produtores de papel e celulose e até parte das montadoras, que negociam livremente a energia, não aproveitariam o preço menor.

A Abrace, associação que representa os grandes consumidores, tenta negociar parte da energia para a livre negociação. Uma coisa já está clara: o choque de Dilma pode até vir a beneficiar muita gente no futuro. Por enquanto, seu maior efeito foi um rastro de incerteza num setor decisivo da economia do país.

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