Revista Exame

Como o guru de gestão enfrentou conflito na própria consultoria

Em novo livro, autora do best-seller Sonho Grande conta como Vicente Falconi enfrentou crise interna sem precedente na companhia

O professor Vicente Falconi: ele criou a consultoria de gestão mais reconhecida do país | Germano Lüders /

O professor Vicente Falconi: ele criou a consultoria de gestão mais reconhecida do país | Germano Lüders /

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Da Redação

Publicado em 20 de outubro de 2017 às 06h01.

Última atualização em 20 de outubro de 2017 às 06h01.

Até o começo dos anos 90, o trabalho do professor Vicente Falconi se resumia a dar aulas na Universidade Federal de Minas Gerais e trabalhar em projetos de uma pequena consultoria ligada à Escola de Engenharia. Foi quando Marcel Telles, um dos sócios da cervejaria Brahma, o procurou para reorganizar a área de vendas da companhia. Nascido em Niterói em 1940, Falconi havia se tornado um especialista no modelo de gestão japonês, que preza a eficiência, e começava a aplicá-lo em empresas brasileiras. De lá para cá, ajudou a reestruturar centenas de companhias, de olho no resultado financeiro, e se transformou no maior guru de gestão no país. Sua empresa, a Falconi Consultores de Resultado, emprega, hoje, 700 profissionais e fatura cerca de 300 milhões de reais por ano. A história completa é contada no livro Vicente Falconi — O Que Importa É o Resultado, da jornalista Cristiane Correa (autora do best-seller Sonho Grande), que acaba de ser lançado pela editora Primeira Pessoa.

Nele, a autora também mostra como a Falconi, apesar do sucesso, foi abalada em 2017 por uma crise interna sem precedentes com a saída do presidente Mateus Bandeira — uma prova de que até mesmo uma consultoria de grife comete erros de gestão. A seguir, leia um trecho inédito do livro sobre o conflito:

“Na noite de 24 de janeiro de 2017, Vicente Falconi e Mateus Bandeira, então presidente executivo da consultoria Falconi, foram jantar no restaurante Barbacoa, no Shopping D&D, em São Paulo. Parecia um encontro como tantos outros que o executivo e o fundador da consultoria tiveram desde que Bandeira assumira o cargo, seis anos antes. Fora Falconi quem, na véspera, telefonara a Bandeira para sugerir o jantar. Como de hábito, o Professor — como Falconi é conhecido — escolheu um vinho para acompanhar a refeição. Mas bastou ambos fazerem os pedidos para a conversa tomar um rumo inesperado. Aquele jantar seria tudo, menos um encontro qualquer.

Falconi contou ao executivo que, na sexta-feira anterior, 20 de janeiro, havia recebido em seu apartamento, em Belo Horizonte, um grupo de cinco sócios da consultoria. Segundo eles, o grupo representava 20 dos 28 sócios da consultoria e teria redigido um documento em que listava todos os pontos de divergência em relação à administração da firma. O próprio Falconi admite que só leria o documento cerca de 20 dias após o encontro, mas a conversa fora suficiente para ele decidir interceder.

O jantar foi curto e tenso. Falconi explicou a Bandeira que o grupo se queixou do estilo do executivo, tido por eles como autoritário, e pediu uma participação maior na gestão da companhia. Bandeira argumentou que todas as segundas-feiras fazia uma reunião com os sócios-diretores, mas que eles nunca haviam levantado esse ponto. Falconi então esclareceu que os sócios tinham medo de falar por causa do jeito intempestivo do executivo. Bandeira se sentiu traído pela equipe. Afirmou que não poderia continuar trabalhando com quem não confiava.

Foi quando ouviu de Falconi algo que não esperava: para o Professor, a firma não poderia prescindir de 20 sócios. Surpreso, o executivo respondeu que, então, estava fora: ou tinha autonomia para tocar a consultoria ou não havia mais nada a fazer ali. Consternado, acrescentou que não se sentia mais em condições de continuar o jantar. Levantou-se e recebeu um abraço de Falconi. O destino de Bandeira na consultoria estava selado, mas ainda haveria um bocado de desgaste até ele finalmente se desligar da empresa.

Falconi terminou de tomar a garrafa de vinho sozinho. ‘Ele ficou chateado porque as pessoas foram falar direto comigo. Mas não é que elas tenham ido conversar com o conselho. Elas foram falar com o professor Falconi. É diferente. Uma pessoa que trabalha com elas há 20 anos, que ensinou a todas elas. Foram conversar com um amigo, não com um conselheiro. O relacionamento é diferente. Em nenhum momento o grupo pediu a troca da administração. Eles só queriam participar mais’, disse o Professor.

Mateus Bandeira, ex-presidente da Falconi: sua saída gerou uma crise na consultoria | Tamires Kopp

O estranhamento entre Bandeira e alguns consultores já vinha de algum tempo. Bandeira é um executivo que costuma falar alto — às vezes, alto demais. Palavrões fazem parte de seu vocabulário corriqueiro. Defensor aguerrido da meritocracia, ele cobra resultados de forma dura. Tinha uma missão na Falconi e não se desviaria dela, por mais impopulares que fossem as medidas necessárias para moldar a empresa ao que ele — endossado pelo conselho de administração — acreditava ser o melhor caminho a seguir.

Assim que deixou o jantar, Mateus Bandeira foi para seu apartamento. Naquela noite, tinha agendado uma reunião com outros três sócios da consultoria: Sérgio Honório de Freitas, Flávio Boan e Álvaro Guzella. O encontro não estava relacionado à firma, mas a um pequeno fundo de investimento que o grupo estava montando. O programa foi cancelado assim que Bandeira lhes relatou, por telefone, o que havia ocorrido. Mas Freitas e Jaime Quintana, um dos sócios mais antigos e que pretendia se juntar ao fundo de investimento do quarteto, foram se encontrar com Bandeira. Do apartamento, Freitas telefonou para Boan e Guzella. O primeiro contou que não havia assinado o documento, mas admitiu saber da movimentação. Guzella, porém, reconheceu que era um dos signatários. Entre surpresos e furiosos, Bandeira, Freitas e Quintana praticamente viraram a noite embalados por duas garrafas de uísque Johnnie Walker Blue Label. No dia seguinte, 25 de janeiro, feriado na cidade de São Paulo, Bandeira comunicou formalmente a Falconi que ele e Freitas renunciavam ao cargo. Em seguida, Bruno Turra, diretor de recursos humanos e veterano na empresa, avisou a Falconi, por WhatsApp, que sairia junto com os outros dois executivos. Em menos de 24 horas, o trio que compunha a diretoria da Falconi estava fora.

A jornalista Cristiane Correa: ela é autora de Sonho Grande | Germano Lüders

A sugestão de Bandeira foi fazer uma transição. O trio se comprometeu a tocar a empresa até a primeira reunião do conselho de administração, marcada para 5 de abril, quando o balanço de 2016 deveria ser aprovado. A ideia do executivo era fazer a troca de comando de forma tranquila, sem desestabilizar a firma da qual ainda era sócio. Tranquilidade, porém, foi tudo o que não existiu. Bandeira havia combinado com Falconi e com o conselheiro Beto Sicupira que sua saída não deveria ser anunciada de imediato. Mesmo assim, no próprio dia 25 de janeiro, o Professor informou a sócia Viviane Martins da renúncia e pediu que os sócios começassem a pensar em substitutos. A notícia se espalhou por telefonemas e mensagens de WhatsApp. Não demorou para que o próprio Bandeira a recebesse no celular. A confiança que o executivo depositava em Falconi estaria, a partir de então, irremediavelmente perdida.

O conselho de administração tentou contornar a situação, mas os ânimos estavam inflamados de tal forma que havia pouco espaço para manobras. Num -e-mail aos demais conselheiros, Marcel Telles argumentou que a saída de Bandeira representaria ‘a vitória do corporativismo e da mamãezada sobre a meritocracia’. Durante uma conversa entre os conselheiros foi sugerido que alguns dos descontentes fossem demitidos, para deixar claro que Bandeira tinha o apoio da instância máxima da governança da empresa. Falconi se opôs às sugestões, alegando que a empresa não poderia perder o know-how dessas pessoas. Em meio ao debate acalorado, algumas questões emergiram: ao ouvir as queixas dos subordinados, Falconi seguira as práticas de boa governança? Sendo ele um dos cinco membros do conselho e detentor de apenas 20% dos votos, Falconi não deveria ter discutido o assunto com os outros membros antes de levá-lo a Bandeira?

Vicente Falconi não é o único integrante da lista de gurus de gestão que, ironicamente, enfrentam dificuldades nas empresas que comandam. James McKinsey descobriu muito antes do brasileiro que orientar clientes era mais fácil do que gerir uma empresa. Poucos anos depois de criar sua firma, McKinsey deixou a carreira de consultor para se tornar presidente executivo da Marshall Field, empresa do ramo têxtil. ‘Nunca antes em toda a minha vida soube como era muito mais difícil tomar decisões empresariais próprias do que aconselhar os outros a respeito do que fazer’, disse ele, tempos depois. Segundo Duff McDonald, autor de Nos Bastidores da McKinsey, o trabalho na Marshall Field teria deixado o consultor ‘deprimido e fisicamente exausto’.

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O conflito vivido na empresa no início de 2017 abalou Vicente Falconi. Pouco mais de um mês após o fatídico jantar com Mateus Bandeira, ele havia perdido 4 quilos. As dores na coluna, que costumam assolá-lo em momentos de crise, haviam voltado. Aos 77 anos, Falconi participa de dois conselhos de administração: os de Ambev e Eletrobras. No momento, porém, seu maior desafio é reorganizar — e acompanhar mais de perto — a empresa que fundou. ‘A única coisa que eu quero é ver a Falconi crescendo e contribuindo para o país’, diz. ‘Tem tanta coisa boa que a gente pode fazer e que as grandes consultorias americanas não sabem fazer como nós.’ A partir de 2019, quando ele deverá ter transferido todas as suas ações para os novos sócios, a firma que fundou precisará caminhar com as próprias pernas. Só então será possível saber se os sucessores de Vicente Falconi realmente assimilaram os ensinamentos que ele sempre preconizou. E se a empresa que agora leva seu nome conseguirá ganhar o mundo e se perpetuar.” 

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