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Na Riachuelo a fast fashion trouxe o fim do sufoco

A Riachuelo implantou um modelo de negócios que vinha sendo desenhado havia dez anos. O lucro quadruplicou e as ações subiram mais de 100% neste ano

Flávio Rocha, da Riachuelo: a tradição ficou para trás (Germano Luders/Exame)

Flávio Rocha, da Riachuelo: a tradição ficou para trás (Germano Luders/Exame)

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Raphaela Sereno

Publicado em 7 de setembro de 2017 às 05h51.

Última atualização em 7 de setembro de 2017 às 05h51.

São Paulo — O Natal de 2014 foi traumático  para o empresário Flávio Rocha, dono da varejista de roupas Riachuelo. Naquele ano, a empresa havia começado a transferir parte de sua produção para a China. As roupas da coleção, que precisavam ser entregues às lojas rapidamente, continuaram a ser fabricadas no Brasil, mas as peças básicas, como jeans e camisetas, passaram a ser feitas no país asiático, onde os custos são menores. A Riachuelo sabia que a logística da entrega seria um desafio, mas o que aconteceu foi um desastre.

O transporte das roupas chinesas demorou mais do que o esperado — e, com isso, elas não chegaram às lojas a tempo do Natal. Quando chegaram, encalharam. As vendas da empresa, considerando as lojas abertas há mais de um ano, aumentaram apenas 1% no último trimestre daquele ano. Na concorrente Lojas Renner, o crescimento foi de 17%. “Chegamos a ter estoques equivalentes a 200 dias de vendas por erros de gestão. Foram meses terríveis”, diz Flávio Rocha, presidente da Riachuelo. Em vez de desistir de terceirizar a produção, a empresa insistiu na estratégia, parte fundamental de um novo modelo de negócios que vinha sendo desenhado desde 2007. Teve mais dois anos complicados, mas os resultados finalmente apareceram.

Depois de cair em 2015 e 2016, o lucro da Guararapes, grupo que controla a Riachuelo, quadruplicou no primeiro semestre de 2017. O faturamento também cresceu, para 2,9 bilhões de reais, e a geração operacional de caixa, medida pelo Ebitda, mais que dobrou — a margem Ebitda, de 17%, ficou próxima da margem de 18% da Renner, maior varejista de moda do país e considerada a mais eficiente do setor. As ações valorizaram 116% neste ano, enquanto o índice que reúne os papéis das principais empresas de consumo da bolsa subiu 25%. “A empresa ainda tem capacidade ociosa de lucro. As mudanças que foram feitas não se refletiram totalmente no balanço”, diz Marcello Silva, gestor da empresa de investimentos Constellation.

A Riachuelo começou a desenvolver há dez anos um novo modelo de negócios para tornar sua produção parecida com a das varejistas de moda mais eficientes do mundo. A principal delas é a espanhola Zara, que tem 2.200 lojas em 93 países. O modelo dessas empresas é o fast fashion: elas substituem coleções inteiras em semanas (ou dias), de acordo com o interesse dos consumidores. Em vez de produzir a maior parte de uma coleção antes de ela chegar às lojas, elas esperam o desempenho das vendas para decidir o que será fabricado. Daí a importância da produção no Brasil — a China fica apenas com peças básicas, que variam muito pouco.

Por fim, as lojas não recebem lotes iguais de produtos — o envio também é determinado pelas vendas. O objetivo é reduzir desperdícios e a necessidade de fazer promoções para desovar estoques. “A lógica é clara. Fazê-la funcionar, porém, é outra história”, diz Flávio Rocha. Ele concluiu que precisaria mudar toda a cadeia de produção da empresa para tirar o projeto do papel.

O grupo Guararapes foi fundado em 1947 em Natal, no Rio Grande do Norte, por Nevaldo Rocha, pai de Flávio, e seu irmão Newton, como uma pequena loja de roupas. Dez anos depois, foi inaugurada uma fábrica de tecidos e produtos têxteis. Por décadas, a estratégia foi produzir roupas simples e de preço baixo, para a Riachuelo e pequenos varejistas, e vendê-las em lojas próprias e em redes multimarcas — a empresa chegou a ter 10.000 clientes. Tudo mudou em 2008. A fábrica passou a produzir apenas para a Riachuelo, para garantir a agilidade de que a empresa precisava.

A empresa também investiu 250 milhões de reais num centro de distribuição automatizado, inaugurado em 2016 em Guarulhos, na Grande São Paulo. Em seus corredores, um robô de 18 metros de altura, que se move numa velocidade de 50 quilômetros por hora, é responsável por colocar as roupas em caixas e, em seguida, nos caminhões que serão enviados às lojas. Para as peças que precisam ser separadas manualmente, há lá os “carrosséis”, estruturas giratórias que exibem as peças penduradas para os funcionários, evitando, assim, o deslocamento para buscar um item específico. O centro de distribuição antigo, que foi desativado, chegou a ter mais de 2.000 funcionários. No novo, trabalham 600 profissionais.

- (Divulgação)

Com as mudanças, atualmente, apenas 30% dos insumos são comprados antes do lançamento de uma coleção, e o ritmo de reposição das peças é “puxado”, como diz Rocha, pelo ritmo de vendas nas lojas — e não “empurrado” pela produção da fábrica. “Os preços mais baixos nas liquidações fazem os varejistas perder margem. A Riachuelo está conseguindo evitar isso com uma melhor distribuição de produtos nas lojas”, diz Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese Retail.

O novo modelo, que permitiu a redução do nível de estoques nas lojas, abriu espaço para que elas fossem reformuladas para atrair consumidores de mais alta renda, que são clientes das redes de fast fashion aqui e no exterior. “Nos anos 90, precisávamos reservar até 40% da área de uma nova loja para estocar mercadorias. Hoje, o estoque ocupa cerca de 15% do espaço”, diz o arquiteto Júlio Takano, da KT Retailing, que há duas décadas faz projetos para a Riachuelo.

Ficaram para trás as lojas pintadas na cor marfim, com dezenas de colunas e araras de roupas. Hoje, as roupas são dispostas em mesas, como fazem as lojas mais sofisticadas, e manequins com iluminação diferenciada. Também com o objetivo de atrair as classes A e B, a Riachuelo passou a vender coleções de estilistas famosos, como Donatella Versace e Karl Lagerfeld.

Ainda que a maioria dos investidores esteja otimista com a Riachuelo hoje, alguns — especialmente estrangeiros — dizem que só comprariam mais ações se a empresa melhorasse sua governança corporativa. O conselho de administração da Guararapes tem apenas três integrantes: Nevaldo e dois irmãos de Flávio, Élvio e Lisiane. Além disso, Nevaldo é presidente executivo e também comanda o conselho, um acúmulo de funções criticado por especialistas.

A parcela de ações que circulam no mercado é de menos de 20% do total, o que limita a liquidez. Diariamente, são negociados apenas 2 milhões de reais em ações ordinárias da Guararapes — e 74 milhões de reais em papéis da Renner. “Embora seja uma gigante no mundo real, na bolsa é uma pequena empresa”, diz José Luiz Junqueira, sócio da gestora Joule. A Renner fatura 12% mais que a Guararapes, mas vale 22 bilhões de reais na bolsa, quase o triplo da concorrente.

Segundo profissionais do mercado financeiro, Flávio Rocha quer migrar a empresa para o Novo Mercado, segmento que reúne as companhias mais transparentes da bolsa, mas seu pai é contra. Para fazer isso, é preciso unificar as ações ordinárias e preferenciais e vender mais ações a investidores, aumentando a liquidez na bolsa e reduzindo a participação da família na empresa. “Tivemos quatro ou cinco conversas sobre isso, todas em grau declinante de cordialidade”, diz Flávio Rocha. Para não comprometer os próximos Natais em família, pelo menos por enquanto, o assunto ficou de lado.

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