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Iochpe-Maxion — Na China, para os chineses

A fabricante de rodas Iochpe-Maxion prepara-se para a segunda fábrica na China. Desta vez, de olho em um mercado 10 vezes maior que o brasileiro

Marcos Oliveira, presidente da Iochpe-Maxion: o caminho para a Ásia é sem volta | Claudio Belli/Valor/Agência O Globo /  (Claudio Belli/Valor/Agência O Globo)

Marcos Oliveira, presidente da Iochpe-Maxion: o caminho para a Ásia é sem volta | Claudio Belli/Valor/Agência O Globo / (Claudio Belli/Valor/Agência O Globo)

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Juliana Estigarribia

Publicado em 12 de setembro de 2019 às 05h42.

Última atualização em 12 de setembro de 2019 às 10h24.

palavra guanxi, em mandarim, significa “contatos”, mas também quer dizer “confiança”. É a maneira como os chineses vêm fazendo negócios há 5.000 anos. O projeto de uma companhia estrangeira prospera mais rapidamente na China se envolver pessoas influentes no governo ou empresas locais importantes. Foi o que aconteceu com a brasileira Iochpe-Maxion. O grupo de autopeças e equipamentos ferroviários, com faturamento de 9,6 bilhões de reais e 15.000 funcionários no mundo, abriu sua primeira fábrica de rodas para caminhões em solo chinês em 2008, sem sócios, com foco na exportação.

Agora, num projeto mais ambicioso, a Iochpe-Maxion decidiu se aliar à montadora Dongfeng, uma das líderes da China, para erguer sua segunda fábrica por lá, que produzirá rodas de alumínio para automóveis e SUVs. A brasileira aposta na expertise da Dongfeng e em sua rede de contatos para ganhar espaço no mercado chinês, de 23 milhões de automóveis vendidos por ano, dez vezes o tamanho do brasileiro. A iniciativa é o passo mais ousado de um acelerado plano de expansão global da companhia, uma das mais internacionalizadas do Brasil.

A família Iochpe, de origem russa, começou suas atividades em 1918 no ramo madeireiro no Rio Grande do Sul. No fim da década de 50, ampliou a atuação para o comércio de máquinas agrícolas. Depois de abrir o capital na Bolsa de Valores de São Paulo em 1984, foi aos poucos se especializando em autopeças e passou a se chamar Iochpe-Maxion, adotando sua marca industrial.

Com ampla liderança no mercado brasileiro de rodas automotivas, a empresa tinha uma situação confortável. Praticamente triplicou a receita de 2010 a 2013, para 6 bilhões de reais, aproveitando o melhor momento do setor automotivo brasileiro. No entanto, em 2012, o lucro recuou dois terços.

A essa altura, as vendas de veículos no país já davam sinais de desaceleração, um prenúncio do que seria a mais profunda e prolongada crise do setor. Foi então que a Iochpe decidiu expandir as fronteiras. O executivo Marcos Oliveira chegou à empresa como vice-presidente corporativo em 2012, após 28 anos de carreira na Ford, para trabalhar no processo de internacionalização da Iochpe, que até então tinha apenas 15% da receita proveniente do exterior.

Um ano e meio depois, assumiu o cargo de presidente. Para ganhar competitividade, a estratégia foi reduzir custos produzindo diretamente nos mercados consumidores, uma vez que a exportação achata a rentabilidade do negócio de rodas automotivas.

No fim de 2018, a Iochpe contabilizava 31 unidades fabris na América do Sul, no México, nos Estados Unidos, na Europa, na África e na Ásia, com 75% do faturamento vindo do exterior. O próximo grande objetivo é crescer na China. “Para participar do mercado chinês de automóveis, o maior do mundo, era preciso construir uma fábrica local”, disse Oliveira.

O plano para construir a nova fábrica da divisão Maxion Wheels na China começou há dois anos, com a abertura de um escritório de representação comercial em Xangai para explorar o mercado de automóveis local. O projeto começou a sair do papel quando a Dongfeng mostrou interesse em entrar no negócio de produção de rodas. Diferentemente da fábrica de rodas para veículos pesados em Nantong, 100% Iochpe-Maxion, a unidade de rodas de alumínio para carros será dividida igualmente entre as sócias.
Segundo Oliveira, a experiência da Iochpe, com produção anual de 55 milhões de unidades no mundo, foi decisiva para a parceria. As montadoras costumam terceirizar a produção de rodas, criando um mercado global pouco conhecido. É um negócio que segue promissor mesmo com as constantes mudanças no mercado das montadoras. Carros a combustão, híbridos, elétricos ou autônomos, afinal todos continuam precisando de quatro (ou cinco) rodas.

A Iochpe conseguiu se tornar a maior do mundo no segmento num mercado regionalizado, com marcas fortes localmente, como Mangels e NEO, no Brasil, e outras mais globais, como Borbet e Enkei. Na outra ponta, a Dongfeng tem amplo conhecimento do território chinês e do negócio de distribuição automotiva no mercado local. Com interesses mútuos, as duas empresas fecharam uma parceria para erguer a fábrica de Suzhou, com capacidade de produção de 2 milhões de unidades por ano. O investimento para um projeto desse porte gira em torno de 70 milhões de dólares. A expectativa é iniciar a produção no início de 2021.

Carros na China: 23 milhões de unidades anuais (ou 92 milhões de rodas) | David Trood/Getty Images

A parceria  meio a meio com empresas locais não é mais uma exigência do governo para a abertura de fábricas na China. Como parte de um programa de aceleração da abertura econômica, o presidente Xi Jinping anunciou no ano passado que as restrições vão acabar gradualmente para estrangeiros interessados no mercado local. Mas a sociedade ainda tem suas vantagens. “Aliar-se a uma empresa chinesa facilita os negócios. Há milênios, confiança e um bom relacionamento fazem toda a diferença por lá”, diz Charles Andrew Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, que já  ajudou empresas brasileiras, como Embraer e Randon, a se instalarem no país.

Com a perspectiva de mais de 300 milhões de pessoas migrando do campo para as cidades até 2030, o potencial de crescimento do consumo na China continua promissor. Nesse cenário, empresas como a brasileira RHI Magnesita, do segmento de refratários para fornos industriais, estão investindo 20 milhões de euros em uma fábrica integrada a uma mina na cidade de Suzhou. A catarinense WEG, de bens de capital, anunciou neste ano a construção de sua quarta fábrica na China. Entre os principais atrativos estão logística eficiente, frete barato e impostos reduzidos. Além disso, no dia 1o de janeiro de 2020, deverá entrar em vigor uma nova lei de estímulos ao investimento estrangeiro na China. Anunciada no dia 15 de março, a nova legislação pode ser uma resposta às críticas do presidente americano, Donald Trump, sobre a transferência forçada de tecnologias de empresas a parceiros chineses e litígios de propriedade intelectual. A medida visa mostrar ao mundo que a China assegura os direitos de empresas estrangeiras.

Os 42 artigos da nova lei tentam passar a segurança de que o país continuará honrando contratos, protegendo a propriedade intelectual e preservando as tecnologias. “A China está procurando flexibilizar a entrada de empresas estrangeiras para conseguir atender ao crescimento do consumo interno, que responde por 40% do PIB. O governo local entendeu que precisa mudar as regras para atrair companhias”, afirma Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e presidente da chinesa Foton Caminhões do Brasil.

Ainda assim, para uma novata fazer negócio na China, com foco no mercado local, é um tremendo desafio. Mas é um caminho sem volta, num mundo que fecha suas fronteiras e tem menores perspectivas de crescimento nos próximos anos. A China vem crescendo menos, é verdade, mas ainda assim seu produto interno deverá ganhar um Brasil nos próximos três anos — ou um Japão nos próximos sete. Hoje, a Ásia representa cerca de 9% da receita da Iochpe, porém, dentro de uma perspectiva de avanço da companhia no continente, com a conclusão de fábricas novas na China e na Índia, a participação tende a mudar muito nos próximos anos. Nessa toada, o Brasil deve continuar representando no máximo 25% do faturamento da companhia, ante os 85% de 2011.

Mesmo que a economia reaqueça e o consumo volte, o Brasil seguirá representando uma pequena parcela do mercado global de rodas — hoje são vendidos aqui quase 3 milhões de veículos leves por ano, ante 90 milhões no mundo. A estratégia tem agradado ao mercado. No auge da crise do setor automotivo brasileiro, de 2014 a 2016, os papéis da Iochpe-Maxion na B3 tiveram o pior momento da década, caindo ao piso de 10 reais. Gradativamente, voltaram a subir, chegando perto dos 20 reais por ação na primeira semana de setembro. Para a centenária companhia que por 94 anos se concentrou no Brasil, a aventura global não tem recuo. 

 

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