Revista Exame

Metas para 2024

Se pudesse sugerir metas eficientes para 2024, eu prescreveria: compre boas empresas, não pague caro por elas e não faça muita coisa

Vejo dois fatores de risco para um ano em que o Brasil volta a ser estratégico: nossa trajetória fiscal e um recrudescimento das tensões geopolíticas (Lumezia/Getty Images)

Vejo dois fatores de risco para um ano em que o Brasil volta a ser estratégico: nossa trajetória fiscal e um recrudescimento das tensões geopolíticas (Lumezia/Getty Images)

Publicado em 25 de janeiro de 2024 às 06h00.

A autocrítica é virtude rara na Faria Lima. Caminhando por lá, só vejo CEOs de sucesso, empreendedores disruptivos e investidores acima da média, num desafio lógico à própria definição de média. Aplicação prática do efeito Dunning-Kruger. “Unskilled and unaware of it”. Há um viés cognitivo clássico em pessoas de limitada competência em superestimar a própria capacidade. Atribuir-se aptidões maiores do que se tem de fato é o caminho para o excesso de concentração e a alavancagem, cujas consequências financeiras costumam ser desastrosas. Reconhecer as próprias limitações dá o poder de permanecer no jogo, estimula a paciência e permite colher os ganhos da diversificação.

É claro, no entanto, que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. O excesso de autocrítica pode também ser paralisante. Precisamos ser críticos sobre nossa autocrítica. Se não formos capazes também de reconhecer nossas virtudes e os poucos momentos em que temos alta convicção, quando surgem as raras oportunidades de ir na jugular, perderemos boas chances.

Depois de severo exame e autorreflexão, descobri um talento: sou um sucesso em reconhecer rapidamente o próprio fracasso. Estamos em janeiro e já posso sacramentar a completa falência em relação às metas do ano. Estou 3 quilos e vários litros etílicos acima do objetivo. Ah, preciso ser justo. Há uma coisa acima das projeções: a calvície. Impiedosa.

Vira o ano e é sempre a mesma coisa. Você quer estar mais magro, mais forte, mais rico, mais eficiente, mais saudável. Quer ficar mais perto dos amigos e da família. Promete ser melhor ouvinte, ficar menos no celular e viver mais a imanência, aquela enorme dificuldade em estar presente em cada um dos momentos. Chega o Carnaval e você se parece com um barril, está atolado com coisas atrasadas do trabalho, pensa a todo momento em como seria se não tivesse aquele chefe medíocre, continua checando o celular a cada 5 minutos, vê seu filho uma vez por semana, visita seus pais a cada bimestre.

Será que somos muito indisciplinados por natureza? Ou será que nos impomos metas excessivamente ambiciosas? Ao melhor estilo Riobaldo, “eu quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa.” Acho que é a versão sertaneja para o clássico de Bertrand Russell: “As pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas”. Se pudéssemos esboçar metas mais críveis e factíveis, possivelmente as coisas fossem mais fáceis. Ao mesmo tempo, se tratássemos o que nos é verdadeiramente caro como prioridade, chegaríamos lá, ou pelo menos perto de lá.

Algumas coisas na vida não deveriam ser tão difíceis. Se você quer conviver mais com seu filho, marque o horário para seus encontros e obedeça à agenda com disciplina religiosa. Se pretende mesmo emagrecer, você no fundo sabe o que precisa fazer. Pergunte se você realmente precisa levar seu celular para aquela reunião — Simon Sinek tem uma alegoria bem interessante: no meio de uma palestra, ele pede um celular a alguém na plateia, segura o aparelho na mão e então pergunta se as pessoas em volta ainda estão se sentindo prestigiadas pelo palestrante. No momento em que você coloca o celular na mão, mesmo que não faça nada com ele, demonstra aos demais falta de foco.

Em investimentos, também funciona assim. Procuramos atalhos, estratégias mirabolantes, a dica esperta. Como tudo na vida, não rola. Simplesmente porque não há atalhos, em nada. “Entre pela porta estreita.” É bíblico. A narrativa da dica esperta é uma porta ampla e um caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram por ela.

Se pudesse sugerir metas críveis, factíveis e eficientes para 2024, eu prescreveria: compre boas empresas, não pague caro por elas e não faça muita coisa. Aliás, temos uma ótima notícia aqui: há vasta evidência empírica de que mudanças de posição são destruidores de valor para o investidor. Na média, quanto menos coisas você faz, mais dinheiro você ganha. Veja que maravilha: você não precisa se esforçar para comer menos, entrar numa academia rigorosa ou cortar o álcool. Você evolui ao fazer menos coisas.

Muitas pessoas se esquecem de que, em ciclos favoráveis de mercado, a estratégia buy and hold (“compre e segure”) oferece os maiores ganhos por causa do hold (o tempo que você segura, mais do que a compra em si). Depois de um período de forte alta das taxas de juro em âmbito global, que castigaram os ativos de risco, o ano de 2024 deve ser marcado por uma inflexão de política monetária nos países desenvolvidos. Da mesma maneira que sofremos com os juros subindo, agora devemos ter um ambiente econômico e financeiro muito mais favorável. Juros em queda costumam ser ótimos indicadores antecedentes de um ciclo de alta das ações. Some a isso um nível de preços ainda convidativo para nossa bolsa, cerca de um desvio-padrão abaixo de sua média histórica pelas métricas mais clássicas de apreçamento.

Em paralelo, o Brasil volta a ser estratégico. Num ano marcado por riscos geopolíticos importantes, enquanto o xerife do mundo (Estados Unidos) se vê assolado por uma divisão interna sem precedentes às vésperas de uma eleição presidencial, somos um país neutro e um dos poucos capazes de conversar com os dois lados da segunda guerra fria. Temos todo tipo de commodity. Estamos entre os maiores produtores de grãos, minério de ferro e petróleo do mundo. Há um play global sendo montado de mercados emergentes ex-China — e, se um tantinho do fluxo estrangeiro que ia para a Ásia vier para cá, nos lembraremos de que a porta desse grande teatro chamado B3 é bastante pequena. Temos uma posição de contas externas privilegiada, com superávit da balança comercial flertando com 100 bilhões de dólares. Se comprarmos o kit Brasil e simplesmente esperarmos, há chances bem razoáveis de termos um grande ano.

Vejo dois fatores de risco principais para a tese. O primeiro se liga ao problema histórico clássico brasileiro, ainda não resolvido: nossa trajetória fiscal, que inclusive se deteriorou bastante em 2023. O segundo já foi citado acima: um recrudescimento das tensões geopolíticas, mais especificamente uma eventual partição da Ucrânia que revisitasse as fronteiras europeias, um espraiamento da guerra no Oriente Médio e uma eleição colérica nos Estados Unidos. Como defesa à minha própria tese, portanto, teria como hedge uma posição comprada de ouro em dólar e outra num combo de empresas de petróleo. Entre pecar pelo excesso de confiança ou de autocrítica, sugeriria o segundo caminho. Ainda que isso esteja caindo em desuso.

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