Revista Exame

No Banco Santos, o administrador irrita todo mundo

Os motivos da briga entre credores, Edemar Cid Ferreira e o responsável por recuperar o dinheiro perdido com a quebra do banco Santos

Ex-sede do Banco Santos, em São Paulo: credores da instituição finalmente viram algum dinheiro entrar em suas contas correntes

Ex-sede do Banco Santos, em São Paulo: credores da instituição finalmente viram algum dinheiro entrar em suas contas correntes

DR

Da Redação

Publicado em 8 de janeiro de 2013 às 11h41.

São Paulo - De 20 de janeiro a 24 de fevereiro de 2011, 251 pessoas entraram na casa, com sacolas vazias na entrada e cheias na saída. Um lote de 200 garrafas de vinho (...) desapareceu, e meia dúzia de garrafas vazias foi encontrada no lixo. Roberto Teixeira Brandão, contratado para administrar a casa, trocava as obras de arte de lugar toda hora e usava a caneta Mont Blanc de Edemar.”

Essa é a transcrição de uma parte do depoimento feito à 1ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo por Joelmo Alcântara Gouveia — que era segurança da mansão de Edemar Cid Ferreira, ex-dono do banco Santos, que quebrou em 2004.

Gouveia foi depor no processo que analisa como os responsáveis por administrar a massa falida do Santos estão conservando os bens de Edemar — um conjunto de imóveis, bebidas, pinturas e esculturas inicialmente avaliados em 160 milhões de reais, que estão sendo vendidos para cobrir parte do prejuízo de 2,5 bilhões de reais que os clientes tiveram com a falência.

A investigação está dando origem a uma união insólita: tanto os credores quanto o ex-banqueiro, em tese em campos opostos, acusam os administradores de beber os vinhos da adega milionária de Edemar, estragar seus quadros e, em suma, enriquecer enquanto a recuperação dos créditos não anda.

No centro da polêmica está o administrador catarinense Vânio Aguiar, de 61 anos, designado há oito anos como responsável por recuperar o dinheiro que sumiu com a quebra do Santos. Ele é um “recuperador” profissional. Executivos como ele são pagos para encontrar, nos ativos da empresa falida, o que for possível para saldar dívidas com os credores. Em troca, ganham comissões em cima do volume recuperado.

A recuperação mais rápida de que se tem notícia é a dos investimentos da gestora americana Madoff, que quebrou em 2008 em meio a denúncias de fraude: 53% do dinheiro foi devolvido. Para agilizar o processo, valeu até cobrar valores altíssimos de instituições financeiras que tiveram negócios com a Madoff e ameaçá-las judicialmente. No banco Santos, o percentual é de apenas 35%. E lá se vão oito anos.

A irritação dos credores com Vânio Aguiar tem vários motivos. A regra universal em casos como esse é que os credores devem ser consultados durante o processo e ter acesso a todos os dados financeiros da massa falida. No caso do Santos, eles alegam que isso não tem ocorrido — e entraram na Justiça pedindo acesso às informações.

Além de considerar a administração da massa falida pouco transparente, os credores afirmam que Vânio Aguiar não tem sido duro o suficiente em suas negociações com empresas que tomaram empréstimos do Santos e não pagaram. “Os descontos são excessivos e, muitas vezes, ele não ouve os credores, o que é exigido por lei”, diz o economista aposentado Rodolfo Peano, novo representante de um comitê que reúne 2 000 credores.

Um exemplo dos problemas, segundo Peano, ocorreu no pagamento da dívida da empreiteira Via Engenharia, concluído em 30 de outubro. A empresa devia 137 milhões de reais ao banco, mas fechou um acordo e pegou apenas 18 milhões de reais. Os credores discordaram do desconto, mas Aguiar levou o processo adiante. “Ouvir os credores não significa que a proposta deles deva prevalecer”, diz Aguiar. De acordo com ele, a turma que hoje chia assinou em 2007 um documento que estipula descontos de 20% a 80% na recuperação dos créditos. 


Mas a briga não para por aí, e fica um pouco mais feia. Numa ação judicial separada, os credores questionam as despesas de Aguiar e seus 22 funcionários — para eles, o executivo tem aproveitado a lentidão do processo para enriquecer. De acordo com o relatório de prestação de contas da massa falida, 400 000 reais são gastos mensalmente para pagar funcionários e manter sua estrutura de administração.

Aguiar recebe ainda um bônus de 0,5% sobre os valores recuperados — o que já lhe rendeu 5 milhões de reais (ele pediu ao Ministério Público que eleve a comissão para 1,5%). Aguiar não cuida apenas do banco Santos. Desde 2005, abriu uma empresa de gestão de falências, a Vânio César Pickler Aguiar, e seus funcionários abriram outra, a Adjud — juntos, são responsáveis por outros 12 processos.

O curioso é que tudo é feito num escritório que funciona na antiga sede da gestora do banco Santos, em São Paulo. Aguiar diz que a administração de outras massas falidas no mesmo local e com a mesma equipe reduz gastos para todas elas e que 15 000 reais mensais são pagos à massa do banco Santos para cobrir gastos com água, energia e aluguel.

Na versão de credores e de Edemar Cid Ferreira, enquanto gasta 400 000 reais por mês, Aguiar descuida da conservação dos bens do ex-banqueiro. Os credores têm reunido laudos técnicos e depoimentos de testemunhas para mostrar que Aguiar é negligente. Uma avaliação do Museu de Arte Contemporânea (MAC), a que EXAME teve acesso, mostrou que, das 312 obras de arte que o ex-banqueiro tinha — como telas de Di Cavalcanti e Portinari —, 133 estão com fungos ou manchadas.

À Justiça, a equipe de Aguiar disse que o museu fez uma avaliação ruim de propósito. Segundo essa versão, o MAC estava sendo sondado para fazer a manutenção das obras e, como não queria ter algumas delas em seu acervo, acabou tachando de estragadas as telas que não queria.

Se não há acordo sobre a situação das pinturas, o debate em torno dos vinhos de Edemar é ainda mais quente. Como visto no depoimento do segurança da mansão, 200 garrafas desapareceram sob a gestão da massa falida — Aguiar nega. Impera a dúvida sobre o real valor da adega. O administrador não fez uma avaliação no início do processo. Edemar dizia ter 1 600 garrafas avaliadas em 2 milhões de reais.

Apenas em maio deste ano, o gestor da massa falida decidiu fazer a avaliação: um consultor de vinhos informou que havia 1 192 garrafas, que valiam 431 200 reais. Para reduzir os custos de energia, Aguiar desligou a refrigeração da adega — e, segundo um laudo da perícia, os vinhos estão estragando.

Aguiar se defende. “Vendemos quase todas as garrafas por 600 000 reais”, diz. “Ninguém reclamou.” Em dezembro, os credores se preparavam para pedir ao juiz responsável pelo caso uma diminuição dos poderes de Aguiar, sobretudo na negociação dos descontos com devedores. Edemar tem clamado pela troca do administrador da massa falida. Com apenas 35% do dinheiro recuperado, a briga terá muitos rounds pela frente.

Acompanhe tudo sobre:Banco SantosBancosBancos quebradosEdemar Cid FerreiraEdição 1032EmpresasFalênciasFinançasPrejuízo

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025