Revista Exame

Aprender a cozinhar é saída para comer bem na quarentena (e depois dela)

A má notícia: estamos comendo pior. A parte boa é saber que, com pequenas mudanças nos hábitos, podemos cuidar melhor da nossa alimentação

 (Claudia Totir/Getty Images)

(Claudia Totir/Getty Images)

Se existe um clichê que voltou a estar em voga é o de que a crise traz sempre alguma oportunidade. A máxima não vale apenas para comprar ações em baixa na bolsa — ela se encaixa também na alimentação. Sem a possibilidade de comer fora de casa, é muito provável que você seja integrante de um destes grupos: o dos que correram para a cozinha para preparar as próprias refeições ou o dos que aderiram às facilidades dos alimentos congelados. Se você se identificou com o segundo grupo, saiba que deve estar com a maioria (e isso não é uma boa notícia).

De acordo com a mais recente Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE, que analisou o consumo alimentar de 2017 e 2018, os ultraprocessados representam mais de 18% das calorias consumidas pelos brasileiros — um aumento de quase 3 pontos percentuais em relação à última edição do levantamento, rea­lizada há dez anos. Estamos falando de lasanha congelada, nuggets, refrigerante, salsicha, iogurte com sabor artificial. O número pode parecer pouco, mas acompanha o crescimento da obesidade no país. “Evidências consistentes de diversos estudos realizados no Brasil e em outros países têm demonstrado a associação do consumo de alimentos ultraprocessados com doen­ças ou fatores de risco, como obesidade, diabetes, hipertensão e até câncer”, diz Maria Laura Louzada, nutricionista e cientista do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde, da Universidade de São Paulo. “Essas opções têm maior concentração de calorias, açúcar e gorduras não saudáveis, e também menos fibras, vitaminas e minerais.”

Para Louzada, os que foram à cozinha estão mais próximos de manter uma alimentação saudável, já que, ao preparar as próprias refeições, aumentam a chance de consumir alimentos in natura. “Para algumas pessoas, a ausência de tempo é um grande obstáculo para cozinhar”, diz a nutricionista, destacando que existe, também, uma tendência em desvalorizar o tempo dedicado à alimentação. Louzada indica estratégias que podem facilitar o processo na quarentena e, após a crise, ser incorporadas no cotidiano. Uma delas é o planejamento completo das refeições: da lista de compras ao cardápio da semana, considerando o tempo para o preparo dos alimentos. Vale, por exemplo, calcular a compra de alimentos não perecíveis mensalmente, reduzindo o número de idas ao mercado.

Alguns itens são peças-chave para uma despensa funcional, que quebra o galho a qualquer momento. Arroz, feijão e óleo são a base, mas ingredientes como macarrão e ovos possibilitam o preparo rápido de refeições. “Pode ser útil armazenar legumes e verduras já higienizados no refrigerador ou picados no congelador, ou até mesmo congelar refeições individuais prontas em marmitas”, afirma Louzada.

Criadora do Panelinha, a cozinheira Rita Lobo engrossa o coro da turma do avental. Desde o início da quarentena, a apresentadora tem feito conferências ao vivo em suas redes sociais para ensinar, literalmente, o feijão com arroz. Para fugir da mesmice, ela tem mostrado, por exemplo, versões do cereal na panela de pressão e como dar uma nova vida aos grãos após o congelamento. “O resultado desse trabalho tem sido emocionante”, diz Lobo. “As pessoas ficam aliviadas ao ver que dão conta da própria alimentação, e algumas comentam que, consumindo mais comida caseira, até perderam peso na quarentena.”

Para a apresentadora, o grande ensinamento do isolamento social é aprender a cozinhar para fazer escolhas melhores, sem depender de produtos ultraprocessados nem de aplicativos de entrega. Se a intimidade com a cozinha não é tanta, ela dá a dica: comece pelo almoço. “Na metade do prato coloque arroz, feijão e um pedaço de carne, para os que comem. Na outra metade, pelo menos dois tipos de verdura e legume”, diz Lobo, indicando ainda uma fruta como sobremesa. “Só de almoçar melhor, a alimentação como um todo começa a ganhar mais qualidade. É um efeito dominó.”

Ao contrário do que se poderia pensar, a preparação de receitas rápidas diárias não é exatamente um bom caminho. Lobo diz que essa dinâmica acaba por limitar o tipo de alimento que consumimos e ainda gera a obrigação de cozinhar cada refeição do zero. A otimização do tempo passa por cozinhar pratos a mais para porcionar, congelar e prever as sobras, que devem ser facilmente recicladas. Quem mora sozinho pode levar vantagem: prepara, em 1 hora, a quantidade de feijão suficiente para uma semana. Em contrapartida, famílias têm um bom contingente para dar conta do recado — mas é preciso entender que a alimentação é responsabilidade de todos. “É interessante ter um plano de ataque organizado e definir quem faz o que antes de iniciar o preparo da refeição”, diz Lobo. “Assim, o ganho de tempo é gigante, ninguém fica sobrecarregado e os novos hábitos vão facilitar a alimentação para sempre.”

Acompanhe tudo sobre:Alimentaçãocomida-e-bebidaCoronavírus

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda