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O que empresas podem fazer para formar a mão de obra escassa

Nos Estados Unidos, um projeto piloto que prolonga o ensino médio em dois anos tenta diminuir a distância entre as escolas e o mundo do trabalho. É esse o caminho para o Brasil?

Escola em Pernambuco: diante de resultados ruins na educação, o estado decidiu investir em escolas em tempo integral (Alexandre Battibugli/EXAME)

Escola em Pernambuco: diante de resultados ruins na educação, o estado decidiu investir em escolas em tempo integral (Alexandre Battibugli/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 24 de abril de 2014 às 17h21.

São Paulo - No fim dos anos 80, o então secretário americano de Educação, William Bennett, afirmou que as escolas públicas de Chicago eram as piores dos Estados Unidos. “Quase 50% dos professores da rede pública colocam seus filhos para estudar em escolas particulares”, disse Bennett, dando a exata dimensão da falência do ensino na cidade.

Passados 26 anos, a situação melhorou, mas não na velocidade desejada. O dado positivo é que Chicago reduziu a evasão escolar dos estudantes do ensino médio de 50% para 35%. O lamentável é que a cidade não conseguiu dar um salto de qualidade. Chicago está entre os municípios com os maiores índices de desemprego entre os jovens — e, em grande parte, isso pode ser explicado pelo nível da educação local.

Uma parceria entre a multinacional americana de tecnologia IBM e escolas públicas de bairros pobres promete virar esse jogo, iniciativa que pode servir de inspiração para a educação no Brasil. De cada dez brasileiros entre 15 e 29 anos, dois estão sem trabalho, nível acima do registrado nos Estados Unidos e na Europa.  

A IBM, cansada de descartar candidatos para os cerca de 1 800 postos de trabalho que estão vagos nos Estados Unidos por falta de mão de obra qualificada, decidiu fechar um acordo com oito escolas em Chicago e Nova York. Com a ajuda de especialistas em educação da Universidade de Nova York, montou um currículo para formar o tipo de profissional que ela e outras empresas de ponta necessitam.

Para fazer a ligação entre o mercado de trabalho e os jovens que saem do ensino médio, percebeu que era necessário aumentar o número de anos de estudo. Em vez dos quatro usuais nos Estados Unidos, os alunos ficam seis anos na sala de aula. Essa foi a forma de acomodar as disciplinas obrigatórias e as outras introduzidas para formar mão de obra qualificada.

Em escolas como a Sarah E. Goode, em Ashburn, bairro de baixa renda de Chicago, os adolescentes têm aulas de tecnologia e engenharia, além de cursos específicos para prepará-los para o mercado de trabalho. Isso inclui técnicas de negociação e resolução de problemas cotidianos.

O projeto contempla as ideias defendidas por James Heckman, prêmio Nobel de Economia e talvez a principal referência internacional em educação. Heckman argumenta que um ótimo desempenho acadêmico não é suficiente para o sucesso no mercado de trabalho.

A escola também deve ensinar questões socioemocionais, como cooperação e consciência profissional. O novo método prevê que os alunos sejam acompanhados por tutores, todos funcionários da IBM. As aulas ocorrem tanto nas escolas quanto em universidades. 

Como a parceria foi iniciada em 2011, as primeiras turmas só sairão no fim de 2016. Ao final do curso, os estudantes terão garantido um emprego na IBM, com salário de 40 000 dólares anuais.

“Com o ensino médio prolongado, os alunos passam a ter mais valor para o mercado de trabalho”, diz Stephen Hamilton, professor de desenvolvimento humano na Universidade Cornell, em Nova York.

Um estudo da Universidade Georgetown indica que uma pessoa com diploma universitário de dois anos ganha até 30% mais do que outra que apenas concluiu o ensino médio regular. O principal problema do projeto é o custo, quase 40% acima do curso tradicional.

Ressalvas à parte, o plano teve o mérito de reforçar a urgência do debate sobre a educação secundária nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. 


No Brasil, apenas metade dos jovens de 15 a 17 anos está no ensino médio — a maioria nessa faixa etária ainda patina no ensino fundamental, além dos que já abandonaram os estudos. Quem efetivamente cursa o médio acaba ficando menos tempo do que deveria na sala de aula.

Aqui a carga horária mínima obrigatória é de 800 horas por ano, bem abaixo das 1 300 horas exigidas nas escolas tradicionais dos Estados Unidos. É por isso que, antes de pensar em aumentar o número de anos, talvez seja melhor aumentar a carga de aulas dentro dos três anos atuais.

“Ainda estamos na fase de elevar o tempo de estudo dos alunos dentro do sistema atual”, diz Marcos Antônio Magalhães, ex-presidente da multinacional Philips no Brasil e hoje à frente do Instituto de Qualidade no Ensino, organização sem fins lucrativos mantida por empresas. 

Um dos objetivos do Plano Nacional de Educação para 2020, que reúne as diretrizes do governo, é expandir as escolas de tempo integral. Mas, como sempre, restam dúvidas de que a meta será cumprida. E resta ainda decidir o que fazer com as horas a mais proporcionadas pelo ensino integral.

Em muitas escolas com o novo modelo, os alunos têm disciplinas tradicionais num turno e atividades culturais e esportivas no outro. “O tempo extra precisa ser usado para aprender e estimular o pensamento crítico”, diz Paula Louzano, professora de educação na Universidade de São Paulo. 

Vale olhar o exemplo do vizinho Chile, o país mais bem-sucedido da América Latina em educação. Em 1997, os chilenos assumiram o objetivo de dar a todos os alunos o direito à educação integral dos 6 aos 17 anos. Hoje, 90% dos estudantes estão nesse regime. Há quem diga que o Brasil é muito maior e mais complexo. Outros argumentam que os chilenos são mais ricos.

Pernambuco é um dos estados mais pobres do país, mas para tentar reverter a péssima qualidade do ensino no estado decidiu investir em escolas integrais ou semi-integrais. Ao todo, elas já representam metade da rede pública do ensino médio. A meta para 2014 é alcançar 80%.

Nos intervalos das disciplinas regulares, os alunos têm aulas práticas de ciências e robótica e contam com opções como empreendedorismo. Como a mudança é recente, não há dados oficiais para avaliar os resultados. 

Para o Brasil, talvez a maior lição da experiência americana seja a urgência de repensar as disciplinas do ensino médio e de fomentar as parceriais com as empresas. As realidades dos dois países são diferentes, mas há pontos em comum.

“Nas escolas brasileiras, perde-se um tempo precioso com disciplinas distantes do mundo do trabalho, o que acaba sendo um desincentivo ao estudo”, diz Simon Schwartzman, sociólogo e presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. Os currículos, em geral, foram pensados para um mundo que não existe mais.

Essa distância dificulta a entrada dos jovens no mercado de trabalho e acaba se traduzindo em um custo maior para as empresas, que são obrigadas a treinar sua mão de obra. O que a IBM fez nos Estados Unidos foi tentar construir uma ponte entre esses dois mundos. Que sirva de exemplo por aqui.

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