Revista Exame

Jovens, ricos e engajados, eles querem salvar o Brasil dos maus políticos

Em meio à descrença na política brasileira, herdeiros da elite empresarial têm discutido como tornar o Estado mais eficiente e menos corrupto

As lideranças do Agenda Brasil de Futuro: da esquerda para a direita, Ravi Macêdo (J.Macêdo), Ricardo Simon (ex-Sanval, hoje Eclipseon Investimentos), Arthur Brennand (Cornélio Brennand), Giuliana Torre (WTorre), Marina Cançado (Rede Drogal), Luiza Scripilliti (Grupo Votorantim), Raphael Klein (ex-Via Varejo, hoje Kviv Ventures) e Marco Billi (Eurofarma) (Germano Lüders/Exame)

As lideranças do Agenda Brasil de Futuro: da esquerda para a direita, Ravi Macêdo (J.Macêdo), Ricardo Simon (ex-Sanval, hoje Eclipseon Investimentos), Arthur Brennand (Cornélio Brennand), Giuliana Torre (WTorre), Marina Cançado (Rede Drogal), Luiza Scripilliti (Grupo Votorantim), Raphael Klein (ex-Via Varejo, hoje Kviv Ventures) e Marco Billi (Eurofarma) (Germano Lüders/Exame)

LB

Leo Branco

Publicado em 21 de junho de 2018 às 05h58.

Última atualização em 21 de junho de 2018 às 17h56.

menos de quatro meses de o país ir às urnas, o cenário atual da política brasileira é de terra arrasada. O presidente Michel Temer segue investigado pela Operação Lava-Jato. Boa parte do Congresso busca um novo mandato em outubro para garantir foro privilegiado e fugir de juízes implacáveis da primeira instância, como Sérgio Moro. Políticos de longa data, como os ex-governadores Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB), pré-candidatos à Presidência, sofrem para vencer a raiva disseminada entre a maioria da população com a revelação de sucessivos escândalos de corrupção na esfera pública — o sentimento parece estar por trás da popularidade do deputado Jair Bolsonaro (PSL), favorito até agora para vencer a corrida ao Planalto.

Nas ruas, volta e meia há pedidos de intervenção militar. Em meio a essa descrença geral na capacidade das atuais lideranças políticas de oferecer uma visão convincente de futuro para o Brasil, 40 jovens de famílias donas de algumas das maiores empresas do país, como a varejista Via Varejo (gestora das redes Casas Bahia e Ponto Frio), a fabricante de alimentos J.Macêdo, a farmacêutica Eurofarma e o grupo Votorantim, querem influir no cenário. O seleto grupo fundou no início de 2015 o Agenda Brasil do Futuro, uma associação sem fins lucrativos. Os jovens — na casa dos 20 anos — têm feito encontros mensais, geralmente começando às 7 horas da manhã em algum escritório de suas empresas na cidade de São Paulo. As reuniões não costumam durar mais que 60 minutos devido à agenda intensa dessa moçada — boa parte já tem função em conselhos familiares ou comanda as próprias empresas.

Entre cafezinhos e troca de experiências sobre os negócios que estão tocando, o grupo discute o momento político e aciona pelo WhatsApp sua extensa rede de contatos na iniciativa privada. O motivo? Angariar apoio a projetos contra mazelas estruturais do Estado brasileiro, como a corrupção e o excesso de burocracia. “Queremos destravar nós ao desenvolvimento do país. A máquina pública ineficiente é um deles”, diz a publicitária Luiza Scripilliti, de 26 anos, quarta geração da família Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim.

A vontade de mudar o país surgiu de um interesse dos próprios jovens — incentivado pelos pais — de estudar os problemas do país onde suas famílias construíram fortunas. O grupo que hoje compõe o Agenda Brasil do Futuro começou a ser constituído em 2014 com a abertura de um curso de formação em atualidades, o Legado para a Juventude, idealizado pela pedagoga Daniela de Rogatis, sócia de uma consultoria de desenvolvimento pessoal de jovens de famílias ricas, em parceria com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

No curso, que dura um ano e custa 40.000 reais, há palestras com gente do calibre dos economistas Gustavo Franco e Pedro Malan e da pré-candidata à Presidência Marina Silva — além de novos talentos, como o economista e filósofo Joel Pinheiro da Fonseca, coordenador do curso e colunista de EXAME Hoje. Restrito a São Paulo, Belo Horizonte e Ribeirão Preto, no interior paulista, ainda em 2018 o curso deve ganhar turmas no Rio de Janeiro e em capitais das regiões Sul, Nordeste e Centro-Oeste devido à alta procura — mais de 200 alunos já passaram por ali em quatro anos.

É um interesse que coincide com a crise econômica e com o questionamento crescente de boa parte da sociedade sobre o papel do Estado — um descontentamento cujo início pode ser traçado nas manifestações contra aumentos de tarifa no transporte público em diversas cidades em junho de 2013, e que desde então ganhou novas pautas. “Antigamente, a elite brasileira vivia muito desinteressada da política”, diz Fonseca. “No grupo, procuramos entender as nuances para haver um engajamento de qualidade, e não fazer como numa guerra de torcidas.”

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: um dos idealizadores do curso de formação de jovens da elite brasileira | Newton Menezes/Futura Press

Para muitos dos participantes, o curso é o primeiro contato com uma realidade que vai além dos muros dos grupos empresariais de suas famílias. O resultado é que os jovens acabam virando uma referência em seus círculos sociais. “Antes, não me interessava por política”, diz a arquiteta Giuliana Torre, de 29 anos, filha de Walter Torre, fundador da construtora WTorre, gestora do estádio Allianz Parque, em São Paulo. “Agora, nos grupos de WhatsApp, minhas amigas vêm me pedir comentários sobre as eleições.” Giuliana recentemente filiou-se ao Partido Novo, de cunho liberal, com o economista Ricardo Simon, de 25 anos, colega do Agenda Brasil do Futuro, da família fundadora do laboratório Sanval, adquirido em 2007 pelo concorrente Hipolabor, e atualmente sócio do fundo de investimento Eclipseon.

De entrar no debate político ao desejo de fazer algo pelo país foi um pulo. “A ideia do Agenda Brasil do Futuro surgiu após uma aula do curso”, diz a administradora Marina Cançado, de 30 anos, quarta geração da família fundadora da rede de farmácias Drogal, tradicional no interior paulista. Marina atua como diretora executiva do curso de formação e é uma das principais lideranças do grupo de ativismo.

Joel Pinheiro da Fonseca: “Antes de 2013, a elite brasileira vivia desinteressada da política” | Eduardo Knapp/Folhapress
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Até agora, o Agenda Brasil do Futuro centrou esforços num problema que está na raiz da corrupção e da má qualidade dos serviços públicos: a falta de critérios técnicos na ocupação de cargos comissionados, que normalmente acabam na mão de gente sem conhecimento adequado e indicada por padrinhos políticos. Em 2015, a pressão do grupo fez o senador José Serra (PSDB-SP) apresentar um projeto de legislação com critérios técnicos para a seleção de diretores de agências reguladoras.

Por causa do projeto, que segue no Senado, alguns dos integrantes mais engajados do Agenda Brasil do Futuro colecionam idas à Brasília. É o caso do administrador Raphael Klein, de 40 anos, neto de Samuel Klein, fundador da Casas Bahia. Atualmente, Klein divide-se entre a gestão do fundo de investimento Kviv, fundado por ele no ano passado, e o trabalho de corpo a corpo com parlamentares nas galerias do Congresso para tentar a aprovação da medida.

A iniciativa, inspirada em países com gestão pública qualificada, como o Chile, veio de estudos técnicos financiados pelo grupo, que prefere não revelar o volume de recursos desembolsados no Agenda Brasil do Futuro. Para Klein e outros sete integrantes ouvidos por EXAME, a participação tem sido uma verdadeira aula sobre como são as coisas nas entranhas do Estado brasileiro. “Muitos funcionários públicos são interessados em melhorar o país. Não dá para generalizar e achar que está tudo errado”, diz Klein. 

Em três anos, o grupo já conseguiu algumas vitórias. Em Rondônia, desde o ano passado, o governo estadual adota uma seleção de cargos comissionados desenhados com o apoio dos jovens. A seleção é assim: um site divulga vagas abertas e critérios para ocupá-las. Os interessados passam por testes online e entrevistas com os futuros chefes e por gente graúda de órgãos de controle do Executivo estadual. O intuito é dar lisura a um processo que, antes, só levava em consideração o apadrinhamento do indicado. Por ora, as gerências de dez secretarias e autarquias foram preenchidas dessa forma.

Venezuelanos nos Estados Unidos: a diáspora da elite colaborou para o colapso econômico do país vizinho | Joe Raedle/Getty Images

O perfil dos novos ocupantes é de servidores públicos de baixa patente que, sem as devidas conexões políticas, ficavam no limbo das funções menos nobres da máquina pública. O ânimo e o conhecimento técnico desse pessoal em áreas-chave do governo já desencadearam mudanças positivas de gestão. Na Segurança Pública, o novo ocupante pôs em prática um sistema eletrônico para despacho de documentos em todas as instâncias da pasta. Antigamente, a sanha por carimbos fazia com que simples ofícios internos demorassem uma semana até de fato chegar ao destinatário. Agora, a aprovação dessa burocracia toda costuma ser feita em questão de minutos num software que alerta o gestor público sobre os documentos parados em seu computador — e lhe permite assiná-los por ali mesmo.

Desenhada por funcionários do governo rondoniense, a inovação eliminou o leva e traz de papelada. Foi o suficiente para uma redução de 15% no número de funcionários lotados em tarefas sem ligação direta com a prestação de serviços públicos, a chamada “área meio” no jargão da máquina pública, hoje ainda tocada por 200 servidores ali. Essa melhoria permitiu dedicar mais gente ao combate ao crime, que não dá trégua naquela região do país, uma tradicional rota de tráfico de drogas e armas vindas do Paraguai e da Bolívia. Desde o ano passado, servidores da pasta de Segurança Pública têm coordenado blitz de policiais civis e militares nas rotas da bandidagem — algumas vezes até com drones. “No futuro, todos os cargos públicos, inclusive os comissionados, terão de responder a um critério técnico, não só político, para o governo ser eficiente”, diz o governador de Rondônia, Daniel Pereira (PSB).

Os jovens do Agenda Brasil do Futuro fazem parte de uma tendência mais ampla de engajamento cívico da juventude na América Latina. De acordo com um mapeamento do Instituto Update, organização não governamental que oferece tecnologias para esses movimentos, em 2016 havia 700 organizações de jovens com esse propósito na região, um terço delas no Brasil. Praticamente todas surgiram nesta década, após revoltas populares, como as manifestações de junho de 2013.

O maior acesso à internet teve papel decisivo na proliferação dos movimentos. “Metade dessas organizações usa tecnologias como aplicativos de celular para mobilizar muita gente ao mesmo tempo”, diz a socióloga Beatriz Pedreira, que fundou o Instituto Update depois de estudar movimentos sociais em organizações como a Fundação Brava e o Centro de Liderança Pública. Das múltiplas conexões mantidas pelos jovens saem fenômenos de engajamento, como o Agora!, movimento cívico formado majoritariamente por profissionais liberais, entre eles o apresentador Luciano Huck, interessados em renovar a política e a gestão pública.

Desde que foi ao ar, na metade do ano passado, o site do Agora! já recebeu 7.500 inscrições de gente interessada em atuar no movimento. “Estamos ouvindo o máximo possível de pessoas, seja em faculdades, seja em enquetes pela internet, para montar propostas para os desafios mais urgentes do país”, diz Leandro Machado, um dos fundadores do Agora! Em parceria com outros movimentos cívicos, no mês que vem o Agora! deverá lançar um aplicativo para o eleitor escolher os candidatos com perfil mais alinhado ao seu — mais ou menos como funciona o aplicativo Tinder, de marcação de encontros românticos.

Em grupos mais antigos, a preocupação é treinar os integrantes para fazer bonito nas eleições. É o caso da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), fundada em 2012 por apoiadores da então senadora Marina Silva à Presidência para formar novas lideranças capazes de ocupar cargos públicos. “Dos nossos 559 membros, cerca de 180 devem ser candidatos neste ano”, diz Mônica Sodré, diretora executiva da Raps.

Porto Velho: o governo de Rondônia adotou critérios técnicos na contratação de servidores para cargos comissionados | Mario Friedlander/Pulsar Imagens

Por ora, os números e as conquistas dos movimentos cívicos alcançam uma ínfima minoria num país com eleitorado — e desafios — tão grande como o Brasil. Mas o engajamento desses grupos serve como um bom começo na luta contra um problemão vivido, em maior ou menor escala, por países de toda a América Latina: a emigração de jovens desiludidos com o rumo da terra natal. Numa pesquisa do instituto Datafolha feita em junho, 62% dos jovens brasileiros ouvidos disseram que sairiam do país se pudessem. Na conta entram a frustração com a corrupção e a escassez de oportunidades.

Essa desilusão generalizada pode provocar efeitos nefastos. A começar pela expansão de grupos de interesse no vácuo de um projeto de poder que, essencialmente, é tocado por uma elite intelectual e empresarial. “O país precisa de uma elite bem formada, com disposição para acompanhar o poder público e que, por definição, não esteja no governo para defendê-lo de interesses corporativistas”, diz o sociólogo Bolívar Lamounier, sócio da consultoria Augurium. “Infelizmente ainda não temos isso no Brasil.”

Num caso extremo, uma diáspora da elite desmonta uma economia, como é o caso da venezuelana: desde 2013 a riqueza no país encolheu 50%, calcula o Fundo Monetário Internacional. Há dez anos havia por lá 800.000 empresas — ao final de 2017, eram só 270.000. Desde 1999, quando começou o governo socialista de Hugo Chávez, mais de 4 milhões de venezuelanos, ou 10% da população, fugiram do país, segundo a consultoria venezuelana Consultores21. Metade deles são jovens de 18 a 34 anos e quase 25% pertencem a uma elite cujos negócios movimentavam a economia local, hoje totalmente dependente do petróleo. Boa parte foi para os Estados Unidos: só em 2017 o país aceitou 60.000 imigrantes da Venezuela, normalmente gente endinheirada disposta a recomeçar a vida com novos negócios. A cidade de Doral, subúrbio de Miami, hoje é conhecida como “Little Venezuela” pela profusão de cafés e restaurantes abertos por recém-chegados.

Os movimentos cívicos, como o Agenda Brasil do Futuro, ainda estão para mostrar a que vieram. Mas só a existência deles já é uma boa notícia diante dos riscos de ter uma juventude desinteressada no futuro do país.

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