Revista Exame

Ir a pé ao porto de Santos é mais rápido

O cenário visto no transporte de carga de MG e SP ao porto de Santos é vexaminoso — e ajuda a explicar por que o exportador brasileiro está perdendo a briga lá fora

No trem, rumo a Santos: trajeto por favela, risco de assalto e lentidão são alguns dos problemas à frente de uma carga que vai ao porto (Claudio Rossi/EXAME.com)

No trem, rumo a Santos: trajeto por favela, risco de assalto e lentidão são alguns dos problemas à frente de uma carga que vai ao porto (Claudio Rossi/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 31 de maio de 2013 às 16h49.

A tarde cai no Guarujá, um dos mais famosos balneários do litoral paulista, quando uma imensa fila de caminhões começa a se formar na avenida Santos Dumont, única via de acesso aos terminais da margem esquerda do porto de Santos.

Em poucos minutos, o congestionamento alcança a rodovia Piaçaguera-Guarujá, a 5 quilômetros do local onde as cargas precisam ser entregues. A chegada de um trem complica ainda mais a situação. Parados sobre os trilhos, os caminhões bloqueiam a ferrovia e impedem a passagem da locomotiva e de 60 vagões.

Não há fiscais orientando o tráfego nem sinalização adequada. O caos faz parte do dia a dia do porto de Santos, principal via de entrada e saída de mercadorias do país. De acordo com um relatório de competitividade do Fórum Econômico Mundial, os portos brasileiros estão numa lamentável 123a posição entre os de 139 países avaliados.

Nossas estradas estão em 105o lugar e as ferrovias, em 87o. Os números comprovam o que todos já sabem: a infraestrutura no Brasil é péssima e em nada condiz com o anseio e o discurso oficial de potência econômica.

Nas últimas semanas, a reportagem de EXAME acompanhou a odisseia de duas cargas de exportação, uma saindo do interior de São Paulo e outra, do sul de Minas Gerais, rumo a Santos. Note bem: não fomos ao Acre ou ao Piauí, lugares sabidamente distantes de Santos e com infraestrutura precária.

A reportagem se limitou a dois dos estados mais ricos da nação. As distâncias percorridas foram de 220 e 410 quilômetros em cada um dos casos, um passeio no parque diante da dimensão do país.

A época, fora do período de colheita agrícola, também é favorável. Mesmo assim, da porta da indústria à chegada ao porto, vimos de perto muitos absurdos que fazem com que o transporte de cargas no Brasil seja dos mais caros do mundo.

No primeiro caso, de Varginha até Santos, foram necessários dez dias para cumprir um trajeto de 410 quilômetros. No segundo — de Limeira a Santos — foram consumidos 12 dias, numa distância que leva normalmente 3 horas para ser percorrida de carro. Ou menos de cinco dias a pé.


Segundo estudo do Banco Mundial, os custos com logística já representam 20% do PIB brasileiro. Nos Estados Unidos, o custo é de 10% e na Alemanha, 13%. “A situação compromete seriamente a competitividade das empresas brasileiras no exterior”, afirma Carlos Arruda, diretor da Fundação Dom Cabral. “Se nada for feito logo, o sistema logístico brasileiro vai entrar em colapso.”

Escolta armada

A reportagem teve início na cidade de Varginha, no sul de Minas Gerais, onde fica a exportadora de café Stockler. A região é a que mais exporta café no Brasil — o maior exportador do mundo — e concentra outras empresas que também sofrem para escoar a produção. Os problemas começam antes mesmo da saída da cidade.

Devido ao enorme volume de café exportado, existe em Varginha um porto seco para antecipar o desembaraço das cargas. Até aí, ótimo. Porém, o horário para recebimento das cargas é limitado das 8 às 16h30. O café que chega ao porto seco fora do horário tem de esperar o dia seguinte.

Nesse caso, as empresas preferem despachar os contêineres para um pátio particular em Cubatão, onde ficam por até três dias, a um custo diário de 400 reais, enquanto aguardam a liberação da Receita. “É mais barato pagar o depósito do que manter os caminhões parados”, afirma Archimedes Coli Neto, presidente do Centro do Comércio de Café de Minas Gerais.

Uma vez na estrada, o principal desafio é invisível: a falta de segurança. Devido ao alto índice de roubo de carga, o café precisa viajar sob escolta de homens armados, o que chega a dobrar o valor do frete.

Na chegada a São Paulo, mais enrosco. “Quando saímos da rodovia Fernão Dias e pegamos a Dutra, o trânsito para completamente”, afirma Sérgio Pala, motorista da transportadora Nova Safra, que faz o trajeto há 15 anos.

Como apenas os trechos oeste e sul do rodoanel paulista estão prontos, quem chega de Minas Gerais, do lado leste, não tem opção senão cruzar São Paulo para acessar as rodovias que levam a Santos. O percurso, de 35 quilômetros, é feito em 3 horas.

Na rodovia dos Imigrantes, antes de entregar a carga em Cubatão, o motorista é obrigado a pagar 166 reais de pedágio para passar com o caminhão de nove eixos. Somando-se aos 46,80 reais pagos nas quatro praças da Fernão Dias, o custo vai a 212 reais.

“É inegável que as estradas estão melhores, mas o excesso de pedágios encarece o frete em até 12% e tira a competitividade do transporte rodoviário”, afirma Moacir Pedro Salami, presidente da Nova Safra.

Porém, para os exportadores do sul de Minas, o único jeito é usar caminhões. “Já tentamos enviar uma carga para Santos por trem, mas a operação
levou 11 dias”, diz Antonio Baccetti, diretor de operações da Stockler.


A ineficiência do sistema ferroviário ficou evidente no outro trajeto acompanhado por EXAME, uma carga de um insumo derivado da laranja exportada para a Alemanha pela CP Kelco, de Limeira, no interior paulista. Antes de chegar ao trem, o contêiner precisa ser levado de caminhão até Jundiaí, pois a malha ferroviária não chega até Limeira.

A superlotação dos terminais no porto faz com que o contêiner fique parado em Jundiaí até três dias para ser embarcado no trem. Se tudo correr bem, o trecho de 140 quilômetros até Santos pode ser feito em 11 horas.

Mas os atrasos são frequentes. No caso da carga acompanhada por EXAME, devido a uma chuva que atingiu a cidade de São Paulo, a ferrovia foi interditada por horas durante a madrugada.

Após o temporal, já não havia mais tempo para o trem seguir, porque as composições de carga dividem os trilhos com as de passageiros e só podem atravessar a capital das 21 às 3 horas — o jeito é esperar pelo dia seguinte. “Isso sempre acontece. No início da semana tivemos o mesmo problema”, afirma Joaquim Dias, especialista ferroviário da MRS, operadora da linha.

A descida da Serra do Mar, feita pelo antiquado sistema de cremalheira, semelhante ao usado em montanhasrussas, também é lenta. Porém, o maior problema é a chegada ao Guarujá, onde uma favela às margens da ferrovia obriga o maquinista a reduzir a velocidade para 10 quilômetros por hora.

O passo lento facilita a ação dos marginais, que costumam bloquear a via para tentar roubar as cargas. Para evitar ataques, homens armados escoltam a composição no trecho. Mesmo assim, é comum que crianças atirem pedras. Na chegada ao porto, impera a confusão no trânsito.

A locomotiva precisa esperar a passagem dos caminhões para entrar no terminal. Lá dentro, não cabem trens com mais de 20 vagões. Com 60 unidades, a composição precisa ser fracionada — uma operação demorada por falta de espaço para manobra. Diante de tantas dificuldades, hoje apenas 3% dos contêineres chegam a Santos de trem.

“O transporte ferroviário é 30% mais barato, mas só serve para o envio de produtos que não estejam com o prazo de embarque apertado”, afirma Carlos Contiero, gerente de logística da CP Kelco.


Dentro do porto, as histórias da CP Kelco e da Stockler se fundem. Ambas são vítimas da superlotação dos pátios e dos constantes atrasos dos navios, que precisam ficar dias em alto-mar esperando autorização para atracar. No dia em que a reportagem de EXAME esteve no porto, havia 20 navios ancorados do lado de fora — o recorde da fila, registrado no ano passado, é de 160.

“Existe um congestionamento em terra e outro no mar”, afirma Julian Thomas, superintendente da empresa alemã de transporte marítimo Hamburg Süd. Segundo ele, o trânsito em Santos faz com que muitos navios decidam passar direto pelo porto para cumprir os itinerários. “Cerca de 10% das escalas programadas para Santos são canceladas”, diz Thomas.

Os atrasos geram superlotação dos terminais. Na Santos Brasil, a maior operadora de Santos, a estadia de um contêiner dura, em média, seis dias, três vezes a média mundial.

As dificuldades fizeram com que os custos da movimentação portuária aumentassem 25% nos últimos três anos. Para 2011, a tendência é de novo aumento. “A situação só deve melhorar em 2013, com a inauguração de novos terminais”, diz Mauro Salgado, diretor da Santos Brasil.

A Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), administradora do porto, admite os problemas e diz estar trabalhando para acabar com o sufoco. A dragagem para aprofundar o canal de acesso ao porto deve ser concluída até junho, o que deve melhorar o fluxo de navios. Também está previsto para breve o início da obra de uma avenida perimetral no Guarujá — do lado de Santos, a perimetral já resolveu o problema das disputas entre caminhões e trens.

“Queremos dobrar a capacidade de Santos até 2015”, afirma Renato Barco, diretor de planejamento estratégico da Codesp. Porém, até que novas melhorias fiquem prontas, cargas como as da Stockler e da CP Kelco — que ao final levaram dez e 12 dias, respectivamente, para ser embarcadas — devem demorar ainda mais para chegar aos destinos no exterior.

“As empresas se desdobram para reduzir os custos, mas todo o esforço fica pelo caminho”, diz Baccetti, da Stockler.

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