Roubini: se o calote é inevitável, não há motivo para adiar a reestruturação da dívida (Evan Kafka/Exame.com)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.
A popularidade do economista americano de origem turca Nouriel Roubini costuma oscilar na razão inversa da situação econômica mundial. Em momentos de euforia, o professor da Universidade de New York tende a ser visto como um chato de plantão, aquele cri-cri que busca problemas onde os outros veem soluções. Não à toa, ficou conhecido como Dr. Apocalipse. Mas, quando as crises previstas por ele se materializam, acontece o contrário. Sua fama atingiu o apogeu em 2008, durante o pânico causado pela quebra do banco americano Lehman Brothers. Roubini, que havia previsto o colapso, tornou-se uma espécie de economista popstar. Agora, em meio à crise que lançou o euro em incerteza, as palavras de Roubini, um velho crítico da união monetária europeia, voltam a ganhar peso. Para ele, a endividada Grécia é apenas a ponta do iceberg - e os problemas que abalam o país podem ser encontrados também em potências como Estados Unidos, Japão e Reino Unido. Segundo ele, as finanças governamentais são um castelo de cartas prestes a desabar. Uma boa notícia: o Dr. Apocalipse alimenta um cauteloso otimismo em relação à economia brasileira. Roubini viaja ao Brasil para participar da segunda edição do EXAME Fórum, no dia 31 de maio, com o tema "Brasil - A construção da quinta maior economia do mundo". Antes de embarcar, deu a seguinte entrevista a EXAME.
EXAME - No dia 10 de maio, as bolsas dispararam com o anúncio do plano de resgate europeu. Logo depois, o pessimismo voltou a toda. Qual é o problema com a Europa?
Nouriel Roubini - Dinheiro não é o bastante para resolver o problema europeu. Os países do sul da Europa estão endividados demais. A solução proposta no pacote é levá-los a um longo período de cortes draconianos e recessão. Isso só vai deixá-los ainda mais longe de atingir as metas de redução da dívida. A Grécia sairá dessa temporada recessiva com uma dívida ainda maior. Os problemas são muito sérios, e resolvê- los da maneira proposta pela União Europeia me parece ser uma missão impossível, além de politicamente inviável. Por isso os mercados reagiram mal: se nem 1 trilhão de dólares resolvem um problema, é sinal de que o imbróglio é realmente muito complicado.
EXAME - Mas havia uma saída melhor?
Nouriel Roubini - Países como a Grécia vão acabar tendo de reestruturar sua dívida ou mesmo deixar a zona do euro. Eles deveriam fazer isso logo, reconhecer que não há como pagá-la. Isso pode ser feito de maneira ordenada, como o Uruguai fez em 2003. Minha expectativa é que, em seis ou 12 meses, eles vão acabar percebendo que é impossível seguir no caminho atual. Os eleitores alemães também entenderão que não faz sentido gastar 140 bilhões de dólares para prevenir o que não é possível prevenir. Quanto mais organizado for esse processo, melhor. A Argentina empurrou o problema até que se viu forçada a dar o calote de maneira caótica em 2001, e foi um desastre. Minha sugestão é que se resolva isso logo para que o resultado seja mais à uruguaia, menos à argentina.
EXAME - O euro perdeu quase 15% de seu valor em relação ao dólar em 2010, e muitos preveem que as duas moedas caminham em direção à paridade. Ainda há esperança de que o euro venha a ser uma alternativa como moeda de reserva mundial?
Nouriel Roubini - A verdade é que o euro sai ferido dessa crise, que ainda nem acabou. Até os alemães estão nervosos com a moeda única. E a ideia de ter o euro como moeda de reserva mundial está em sério risco. Uma moeda de reserva não pode estar sujeita a riscos de liquidez ou de crédito como os vistos nas últimas semanas, com países- membros à beira do calote. O euro deixou de ser um porto seguro. Os investidores perceberam que, da maneira como a União Europeia está organizada hoje, o euro não tem condições de ser uma moeda de reserva.
EXAME - O senhor escreveu recentemente que a dinâmica da dívida mundial lembra o esquema Ponzi, do fraudador americano Bernard Madoff. Por quê?
Nouriel Roubini - Essa crise começou com um acúmulo de dívida no setor privado, uma bolha imobiliária em países como Estados Unidos, Reino Unido e Espanha, e levou ao colapso do sistema financeiro. Governos dos países ricos socializaram os prejuízos resgatando bancos e empresas quebradas e, para amenizar a recessão, começaram a gastar dinheiro público. O resultado disso tudo foi a multiplicação de governos insolventes. Agora, países mais fortes e instituições como o Fundo Monetário Internacional e a União Europeia estão repetindo o roteiro anterior e resgatando as nações com problemas. Mas a pergunta que fica é: quem vai resgatar a União Europeia e o FMI? Esse é um castelo de cartas.
EXAME - Quem olha os números do Orçamento americano percebe uma desconfortável semelhança com a Grécia. Na próxima década, estimase que os Estados Unidos terão um déficit de 9 trilhões de dólares, um recorde. A situação é sustentável?
Nouriel Roubini - A Grécia é apenas a ponta do iceberg. A situação americana não é sustentável e, pior, temos problemas semelhantes no Reino Unido, em outros países europeus e no Japão. Os países encrencados têm três opções. A primeira é dar um calote. A segunda é ligar suas gráficas e imprimir dinheiro, criando inflação. A terceira é cortar gastos, aumentar impostos e colocar a casa em ordem. O problema é que os políticos, notadamente os americanos, não parecem reconhecer o problema. Os democratas são contra cortes de gastos; os republicanos são contra qualquer aumento de impostos. E é preciso ir além, reformar a seguridade social e o Medicare (plano de saúde federal para idosos), por exemplo. Se não conseguirmos fazer isso, os Estados Unidos podem virar uma Grécia.
EXAME - Países emergentes, como China e Brasil, têm, hoje, um problema fiscal bem menor. Eles podem sair mais fortes da crise?
Nouriel Roubini - Os emergentes aprenderam com as crises anteriores. Muitos, como o Brasil, obtiveram superávits primários consecutivos, diminuíram a dívida externa brutalmente e, assim, chegaram aos dias de hoje em forma. Isso é muito importante e explica por que os emergentes enfrentaram a crise financeira de 2008 tão bem. Mas manter a disciplina e não se deixar empolgar é muito importante. A economia mundial vai continuar volátil. Os riscos ainda são grandes nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. Portanto, os emergentes devem manter a prudência para absorver novos choques. O período à frente será turbulento para a economia mundial. No caso da China, porém, ainda é preciso ver se o governo conseguirá frear a economia de maneira suave. Esse é um risco para os próximos meses.
EXAME - O Brasil cresceu num ritmo de quase 10% no primeiro trimestre deste ano. O senhor teme um superaquecimento?
Nouriel Roubini - O crescimento está acelerado, mas há fatores que podem ajudar a amenizar o risco de superaquecimento no curto prazo. O principal é o menor crescimento mundial, que vai diminuir o preço das commodities e, assim, desacelerar o crescimento brasileiro. Isso é bom agora, mas uma provável volta da Europa à recessão vai criar problemas para todos os países emergentes. No curto prazo, não vejo problemas para o Brasil. Os fundamentos econômicos são sólidos. Menos dívida, sistema financeiro estável, um Banco Central comprometido com o combate à inflação. Mas é preciso voltar a ter superávits primários maiores, já que a reação à crise acabou piorando a situação fiscal do país.
EXAME - O país está pronto para crescer nesse ritmo por anos seguidos?
Nouriel Roubini - Há uma espécie de consenso de que não está. Será necessário fazer grandes mudanças na economia. É preciso, agora, voltar às reformas estruturais que permitam ao país aumentar o potencial de crescimento no longo prazo. Para crescer 7% ao ano por muitos anos, é preciso fazer uma série de transformações. Diminuir o fardo tributário, flexibilizar o mercado de trabalho, investir em infraestrutura. Para o próximo governo, fazer as reformas vai ser crucial, ou então o crescimento de hoje não será sustentável.
EXAME - O que investidores devem fazer em momentos como este?
Nouriel Roubini - No último ano, houve uma grande valorização nas bolsas e no preço das commodities. Com o risco de uma nova recessão na Europa, o crescimento anêmico no Japão, a lentidão na retomada americana e a atual desaceleração na China, o risco de queda é muito grande. O lucro das empresas vai diminuir em razão disso, o que será negativo para ações. A aversão ao risco vai continuar alta, já que os problemas da dívida não sairão da cabeça dos investidores tão cedo. E a desaceleração chinesa vai empurrar o preço das commodities para baixo. Já tivemos uma correção de 10% nas bolsas, e espero que chegue a 20% nos próximos meses. As bolsas de países emergentes podem sofrer ainda mais em razão da aversão ao risco. O momento, portanto, pede cautela.