Revista Exame

Grandes empresas querem chegar mais perto de LGBTs

Empresas passam a incluir o público LGBT em suas campanhas — e tentam adaptar o próprio discurso à cada vez mais complexa discussão de gênero na sociedade

Gravação da campanha de Dia dos Pais da C&A: família com dois pais e uma filha (Rodrigo Paiva/Divulgação)

Gravação da campanha de Dia dos Pais da C&A: família com dois pais e uma filha (Rodrigo Paiva/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 20 de agosto de 2016 às 05h56.

São Paulo — Uma inserção inédita marcou a atual campanha de Dia dos Pais da rede de varejo de moda C&A. O filme, que estreou no fim de julho no intervalo da novela das 9, da Rede Globo, retrata o encontro entre jovens e seus respectivos pais. A novidade: uma cena sugere uma família com uma filha e dois pais.

No Dia dos Namorados, a empresa já tinha lançado a campanha Dia dos Misturados, em que homens se vestem de mulher, e vice-versa. Nos últimos 12 meses, a fabricante de cosméticos Avon contratou novos garotos-propaganda, como a cantora transexual Candy Mel e o cantor gay Liniker, este último com o slogan “Maquiagem para todEs” (com “e”, para evitar o artigo masculino ou feminino).

Neste ano, pela primeira vez, a equipe de marketing da fabricante de bebidas Ambev se preparou para patrocinar — com a marca de cerveja Skol — as principais edições de paradas gays do país. A marca já estampou trios elétricos do evento em São Paulo em maio, no Rio de Janeiro em junho e em Belo Horizonte em julho.

Mais do que levantar uma bandeira, essas empresas querem chegar mais perto de um público emergente — cada vez mais visível na sociedade. Há indícios dessa transformação em toda a parte. Na Olimpíada do Rio de Janeiro, 44 atletas se declararam abertamente gays. Em 2012, eram 23.

Em reconhecimento a uma identidade cada vez mais diversa, a rede social Facebook incluiu desde o ano passado, em sua versão brasileira, 17 opções de gênero — além de masculino e feminino — para os usuários se identificarem. São variações como transexual, travesti e FtM (sigla para feminino transformado em masculino, que designa quem nasceu mulher mas se apresenta como homem).

Na Suécia, a discussão da liberdade de gênero atingiu tal ponto que, em 2015, foi aprovada oficialmente a criação de um pronome neutro — “hen”, variação sem gênero para o equivalente em português a “ele” e “ela”. Segundo dados do IBGE, 20 milhões de brasileiros se declaram gays.

O potencial de consumo dessa população é de 133 bilhões de dólares por ano, de acordo com estimativas da organização americana Out Leadership. Na Europa, esse potencial chega a 873 bilhões de dólares; nos Estados Unidos, a 760 bilhões de dólares.

“A discussão de igualdade e orientação sexual está acontecendo, e as marcas se sentem impelidas a participar”, diz Ezra Geld, diretor-geral da agência de publicidade J. Walter Thompson no Brasil. É um movimento que se iniciou há mais tempo na Europa e nos Estados Unidos. Entre as pioneiras está a marca de vodca Absolut, comprada em 2008 pela francesa Pernod Ricard.

Nos anos 80, a empresa começou a patrocinar eventos em bares para o público LGBT. De lá para cá, a abordagem só se intensificou. No ano passado, uma campanha da marca mostrou os bastidores de um pedido de casamento real entre duas mulheres, gravado numa praia da Califórnia.

Nos Estados Unidos, o movimento ganhou fôlego com outras marcas recentemente, após a legalização nacional do casamento entre pessoas do mesmo sexo, em junho de 2015. Depois desse marco, a rede varejista Macy’s foi uma das empresas a retratar explicitamente casais gays numa campanha para promover o serviço de lista de casamento. Até setores mais tradicionais, como o financeiro, aderiram.

Também em 2015 o banco Wells Fargo lançou um filme em que duas mulheres aprendem a linguagem dos sinais. No final, o público entende a razão: elas se preparam para adotar uma menina com deficiência auditiva. A fabricante de alimentos Campbell, conhecida pelas sopas enlatadas, fez um anúncio em que dois pais dão comida ao filho, um menino de cerca de 5 anos.

Para empresas que decidem sair do armário, o risco é calculado. No caso da Ambev, trata-se de uma história que começou bem antes da decisão de patrocinar as paradas gays no Brasil neste ano. Num esforço para rejuvenescer a marca Skol, os executivos da empresa vêm estudando há anos a opinião e o comportamento de jovens de 18 a 30 anos.

Uma das descobertas: a maioria deles apoia a diversidade, inclusive de gênero. Para dar legitimidade ao diálogo com esse público, a marca desenvolveu uma estratégia de aproximação.

A principal delas foi a criação de uma gravadora, em setembro de 2014, e de lá para cá já fechou contrato com ídolos da música eletrônica nacional, como o cantor Jaloo, que se autodenomina não binário (o que significa que ele não se identifica nem como homem nem como mulher).

“Antes de conversar com esse público diretamente, já tínhamos conquistado familiaridade com um universo que também é deles”, diz Fabio Baracho, diretor de marketing da Skol. “Foi uma aproximação natural.” No Dia do Orgulho LGBT, celebrado em 28 de junho, a empresa lançou um vídeo no qual um jovem recebe olhares de reprovação enquanto caminha numa estrada.

Aos poucos, pessoas se juntam a ele e andam de mãos dadas. No final, algumas acendem um sinalizador cuja fumaça tem as cores do arco-íris. “É preciso ter legitimidade para falar com o público LGBT, o que não se conquista da noite para o dia”, diz Daniela Bianchi, diretora executiva da consultoria Interbrand.

As mídias digitais têm sido um grande campo de prova para essas empresas. No caso da Skol, o vídeo lançado próximo à Parada Gay foi visto 3 milhões de vezes no Facebook — e foi “aprovado” por 60 000 e “desaprovado” por apenas 94 deles. “Estávamos preparados para mais polarização, mas não foi o que aconteceu e ganhamos embaixadores”, diz Baracho, diretor da Ambev.

Da mesma forma, a campanha da Avon com o cantor Liniker e outras celebridades do mundo LGBT também foi lançada exclusivamente na mídia digital. O vídeo foi visto mais de 4 milhões de vezes, um recorde da marca, e teve 4 000 interações negativas. A subsidiária brasileira da L’Oréal estreou nessa seara ao divulgar duas campanhas com a modelo trans Valentina Sampaio em março.

Foi a primeira subsidiária da empresa francesa a retratar uma mulher transgênera. Valentina apareceu primeiro no vídeo do Dia Internacional da Mulher deste ano, que teve mais de 4 milhões de visualizações no Facebook, a maioria nas primeiras 24 horas. O saldo: 75 000 “likes” e 76 reações contrárias.

Agora a modelo está num anúncio da marca de xampu Elseve, ao lado de famosas como as atrizes Grazi Massafera, Juliana Paes e Taís Araújo. Especialistas são unânimes em apontar que, como no diálogo com qualquer outro público, o ponto-chave é a consistência.

Esforços episódicos, como o da rede de cosméticos O Boticário, que fez barulho uma única vez em maio de 2015 ao lançar uma campanha de Dia dos Namorados com casais gays, tendem a se perder. Procurada, a empresa não deu entrevista.

“Para gerar identificação e fortalecer a marca, é preciso criar uma narrativa coerente”, diz Fabio Mariano, sociólogo e especialista em ciência do consumo na Escola Superior de Propaganda e Marketing, de São Paulo. É certo que não há receita pronta para chegar lá. Como na complexa discussão de gênero na sociedade, a resposta para as empresas também está longe de ser binária.

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