Revista Exame

Governo? Saudade zero. É o que diz Palocci

Com discrição absoluta, o ex-ministro Antonio Palocci se tornou um dos principais consultores empresariais do Brasil. Ele nunca ganhou tanto dinheiro — e alguns dos bilionários do país não fecham um negócio sem ouvir sua opinião


	Antonio Palocci: três anos depois de deixar o governo Dilma, a vida de consultor rende milhões 
 (Wikimedia Commons)

Antonio Palocci: três anos depois de deixar o governo Dilma, a vida de consultor rende milhões  (Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 27 de março de 2014 às 00h01.

São Paulo - Em setembro de 2012, o médico Edson de Godoy Bueno, então dono da operadora de planos de saúde Amil, estava em sua casa de veraneio em Pasadena, nos Estados Unidos, quando recebeu uma ligação de Stephen Hemsley, presidente da companhia de saúde americana UnitedHealth. Pela segunda vez em menos de um ano, Hemsley abordava Bueno com o objetivo de comprar a Amil.

O brasileiro já havia avisado que, pelo preço oferecido na primeira vez (8,5 bilhões de reais), não haveria conversa. Mas, na ligação de setembro, Hemsley se mostrou disposto a ir mais longe — pagaria quase 10 bilhões de reais para levar a maior operadora de saúde do Brasil. Durante todo o mês seguinte, Bueno negociou e concluiu a venda da empresa que fundara em 1972.

Oficialmente, ele foi assessorado nas negociações pelo banco de investimento Credit Suisse e pelos escritórios de advocacia Linklaters e Lefosse, instituições tradicionais no mercado mundial de fusões e aquisições. Mas, nesse período crítico da história da Amil, ninguém esteve tão próximo de Edson Bueno quanto outro médico, este uma figura pouco usual em negociações dessa natureza: o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci Filho.

De acordo com o fundador da Amil, foi a Projeto, consultoria de Palocci, que aconselhou a venda no preço proposto pelos americanos e acompanhou cada passo das negociações — até a forma como a compra foi comunicada ao mercado passou pelo crivo da consultoria. “Palocci é um craque e me assessora em tudo que é importante”, diz Bueno. “Não fecho nenhum negócio sem falar com ele.”

Uma investigação de EXAME mostra que o número de empresários que pensam como Bueno nunca foi tão grande. Com discrição absoluta, Antonio Palocci se tornou um dos consultores empresariais mais influentes do país — algo que poderia parecer impossível há três anos, quando o então ministro da Casa Civil deixou o governo em desgraça.


O jornal Folha de S.Paulo mostrou que a empresa de Palocci comprara um apartamento de 6,6 milhões de reais em São Paulo — um sinal, segundo o jornal, de patrimônio incompatível com a renda. Palocci alegou que a compra era resultado de seus ganhos como consultor, e foi pressionado a divulgar seus clientes.

Como não fez isso, acabou deixando o cargo de ministro mais poderoso do governo Dilma Rousseff. Passados três anos, a constatação é inescapável — sair do governo para se dedicar à vida de consultor foi uma escolha extremamente lucrativa para Palocci.

Sua clientela impressiona. O ex-ministro já prestou — e, em alguns casos, ainda presta — serviços a empresas como a construtora WTorre, a companhia de energia elétrica CPFL e o bilionário da educação Chaim Zaher, além de bancos e entidades de classe.

O faturamento da Projeto é mantido sob sigilo absoluto. Uma investigação do Departamento de Fiscalização da Secretaria Municipal de Finanças de São Paulo aponta que a consultoria faturou 20,5 milhões de reais em 2010. Embora seja impossível estimar o número atual, o próprio Palocci disse a um de seus clientes que nunca ganhou tanto dinheiro na vida.

Sem site nem placa

A Projeto presta, em geral, três tipos de serviço. No mais básico, Palocci é contratado por empresas para dar uma palestra sobre os rumos da economia brasileira e o cenário político. Cobra, em média, 30 000 reais pelas apresentações. (Para efeito de comparação, o também ex-ministro Antônio Delfim Netto cobra cerca de 25 000 por um serviço semelhante.)

Palocci também faz contratos de longo prazo, como o que tem com a Amil. Nesses casos, ganha de 300 000 a 400 000 reais por ano e está disponível para reu­niões mensais na sede da Projeto, que fica perto da avenida Paulista, em São Paulo, para ajudar os clientes em fusões e aquisições, ofertas de ações e questões que envolvam o governo federal.


O terceiro tipo de serviço é o que pode ser mais rentável. Em disputas societárias e operações financeiras, a consultoria cobra uma taxa de sucesso que equivale a até 3% do volume de dinheiro em questão.

O trabalho de consultor de Antonio Palocci é envolto por certo mistério — nem site a Projeto tem. No prédio em que está seu escritório, não há placas indicando que ali funciona a consultoria. Por meio de sua assessoria de imprensa, a empresa afirmou que sua “finalidade é prestar serviços de consultoria econômica e financeira.

Por força de cláusula de sigilo nos contratos, praxe no mercado de consultorias, não divulga as empresas para as quais presta serviços, assim como mantém reserva sobre o escopo dos respectivos contratos”. Palocci fundou a empresa em 2006, cinco meses depois de deixar o Ministério da Fazenda do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na época, foi acusado de ter determinado a violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, que denunciara a presença constante do então ministro numa mansão em Brasília onde aconteciam festas promovidas por lobistas. Palocci foi denunciado pelo Ministério Público Federal pelo crime de quebra de sigilo, mas foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal.

Foi eleito deputado federal pelo estado de São Paulo em 2006. Em 2011, voltou ao governo para assumir a Casa Civil de Dilma. A Projeto já tinha uma lista de clientes considerável nessa época. Meses depois, já fora do governo, voltou a se dedicar em tempo integral à vida de consultor.

EXAME ouviu 68 executivos de empresas e bancos, consultores e advogados que contrataram ou tiveram contato com o ex-ministro, mas poucos aceitaram discutir abertamente o assunto. Em alguns casos, até mesmo a presença de Palocci em negociações gera controvérsia. Os americanos da UnitedHealth, por exemplo, pediram expressamente a Edson Bueno que ele não participasse das reuniões que discutiam o futuro da Amil. Queriam deixar claro que Palocci era contratado por Bueno, e não por eles. 


Tamanha reserva é simples de entender. Muitas empresas precisam resolver pendências com entidades ligadas ao governo federal — e esse assunto tornou-se um tabu por aqui. Como o Brasil é um país em que os tentáculos do Estado se espalham por todos os setores da economia, gente com a experiência de Palocci pode ser muito útil para centenas de empresas.

Os casos são os mais diversos. A companhia de energia elétrica CPFL, junto com associações do setor, recorreu à Projeto para ajudar a convencer a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a aprovar a instalação de medidores inteligentes de consumo de energia. Esses medidores permitem que a empresa identifique eventuais falhas e faça sua manutenção remotamente.

A CPFL investiu 215 milhões de reais para instalar 25 000 aparelhos em cidades do estado de São Paulo. Procurada, a empresa nega que tenha contratado a consultoria do ex-ministro, mas dois profissionais que atuaram no projeto dizem ter trabalhado com a equipe de Palocci. “A pedido da CPFL, enviamos relatórios à Projeto com detalhes sobre a instalação dos medidores”, diz Arthur Lobato, vice-presidente de vendas da empresa americana de equipamentos para energia elétrica Silver Spring Networks, um dos fornecedores da CPFL. A Aneel não comentou.

Admiradores

Durante três anos, a Projeto também trabalhou para a construtora WTorre. O ex-ministro visitava a sede da empresa em São Paulo uma vez por mês para dar seu parecer sobre projetos. Segundo três executivos do mercado próximos à empresa, Palocci teria ajudado na venda do estaleiro Rio Grande, no Rio Grande do Sul, que foi construí­do pela WTorre.

O ex-ministro teria sugerido que a WTorre fechasse negócio com uma sociedade formada pela empresa de engenharia Engevix e a Funcef, fundo de pensão da Caixa Econômica Federal. A venda foi anunciada em 2010. A empresa tem uma versão diferente sobre a atuação do ex-ministro.


“Palocci estava nos ajudando num projeto de internacionalização do estaleiro. Não deu certo e decidimos vender”, diz Paulo Remy, presidente da WTorre. Ele afirma não ter mais contrato com Palocci. Funcef e Engevix negam que o ex-ministro tenha intermediado a operação.

As relações entre Palocci e o empresariado começaram a se estreitar há 11 anos, quando ele coordenou a bem-sucedida campanha presidencial de Lula. Como se sabe, foi de Palocci a ideia de divulgar a Carta ao Povo Brasileiro, em que Lula prometia adotar critérios racionais na condução de sua política econômica. Nos três anos seguintes, já ministro da Fazenda, adotou uma política econômica surpreendentemente ortodoxa.

Ganhou admiradores e fez contatos que se mantêm até hoje. Seu histórico à frente do Ministério da Fazenda criou entre muitos empresários a percepção de que só Palocci pode explicar o atual governo do PT, com sua aparente incompreensão de como funciona de fato uma economia de mercado. Bancos como Bradesco, BR Partners, Fator, Safra e Santander já organizaram almoços de cerca de 2 horas entre Palocci e clientes de alta renda.

Para agradar ao ex-ministro, servem bacalhoada, um de seus pratos preferidos. Nessas 2 horas, ele responde a todo tipo de pergunta. O governo vai deixar o preço da gasolina subir e aliviar as finanças da Petrobras?

Um eventual segundo mandato de Dilma será um pouco mais ortodoxo do que o primeiro? Ou vai seguir na rota atual? O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, pode ir para a Fazenda? E Lula, pode voltar? São questões que preocupam a maioria do empresariado brasileiro, especialmente neste ano de eleições presidenciais.


Mas seria incorreto dizer que a clientela de Palocci se restringe a gente interessada em fazer negócios com o governo ou ansiosa por entendê-lo. Dono do grupo automotivo Caoa, o empresário Carlos Alberto Oliveira Andrade chegou a convidar Palocci para assumir a presidência da empresa. Palocci recusou o convite, mas indicou para a vaga o executivo Antonio Maciel Neto, ex-presidente da montadora Ford e da gigante de papel e celulose Suzano.

“Carlos tinha uma dependência muito grande do Palocci”, diz Maciel Neto. Durante um ano, até junho de 2013, o ex-ministro tinha um contrato de prestação de serviços com Oliveira Andrade e chegou a se reunir duas vezes por semana com o empresário em sua casa, em São Paulo.

Palocci também assessorou a Caoa na tentativa frustrada de aquisição do banco BVA, liquidado em junho do ano passado, no qual o empresário tinha depósitos de cerca de 500 milhões de reais. O empresário Chaim Zaher, maior acionista do grupo educacional Estácio, contratou a Projeto para buscar oportunidades de aquisições de faculdades de ensino a distância.

“Eles detectaram alguns negócios, mas ainda não é o que estou procurando”, diz Zaher. Curiosamente, o contato entre o empresário e o ex-ministro é antigo. Quando Palocci ainda estudava medicina em Ribeirão Preto, Zaher diz que o contratou para dar aulas de redação em seu cursinho pré-vestibular, o COC.

Outro filão explorado pela Projeto é o de mediadora de conflitos entre sócios e empresas concorrentes. O empresário Abilio Diniz, ex-controlador do varejista Pão de Açúcar, contratou Palocci para assessorá-lo nas negociações com os franceses do Casino, que controla o Pão de Açúcar. Procurado, Abilio não comentou.

A relação entre o empresário e Palocci é antiga. No governo Dilma, o então ministro convidou Abilio Diniz para integrar a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade. No início deste ano, Palocci sugeriu o nome de Abilio para assumir o Ministério do Desenvolvimento (o empresário recusou o convite).


A Projeto é uma operação barata. Apenas quatro pessoas trabalham com Antonio Palocci na empresa. Um deles é seu sobrinho, o economista André Palocci, que fez estágio no banco de investimento Bradesco BBI. André indicou um colega do BBI, Adrian Ortega, que já havia trabalhado nos bancos de investimento Credit Suisse e Pactual.

Os dois são sócios da Projeto com 1% de participação cada um. Palocci tem os 98% restantes. Além de uma funcionária que cuida da administração da empresa, despacha na Projeto o sociólogo Branislav Kontic, conhecido como “Brani”, que foi braço direito de Palocci nos tempos em que dirigia a Casa Civil.

Essa pequena equipe atende clientes de todo tipo. Recentemente, a Projeto incluiu em sua lista de clientes empresas chinesas. Palocci assessorou o China Construction Bank (CCB) na compra do brasileiro BicBanco no ano passado, de acordo com profissionais que participaram da transação.

O CCB já havia tentado comprar a subsidiária brasileira do banco alemão WestLB, mas o Banco Central não autorizou a operação (o WestLB foi comprado pelo japonês Mizuho, também assessorado pela Projeto). Procurados, o BC e as demais instituições não comentaram.

Em outubro do ano passado, Palocci viajou para a China no mesmo período em que o governo brasileiro enviou uma comitiva ao país. Segundo pessoas próximas, ele foi a universidades, conversou com economistas e investidores e, claro, visitou empresas. Planeja fazer duas viagens parecidas, uma para os Estados Unidos e outra para a Europa.

O plano é passar dois meses nesses lugares. Não dá mesmo para ter saudade de Brasília: enquanto ele programa suas viagens, seus ex-colegas de governo dedicam preciosos dias de sua vida a conter mais uma rebelião do PMDB, naquela que é a crise do momento na capital federal. Pior: ganhando num mês bem menos do que Antonio Palocci leva para casa por 2 horas de palestra.

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