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Foi só não mudar nada e a DeMillus se deu bem

O mercado de lingerie vem se transformando no Brasil. A ordem é sofisticar os produtos, partir para o varejo, ter marcas refinadas. Mas a DeMillus decidiu não fazer nada disso. E se deu bem

Abdalla Haddad, da Demillus: sucesso de porta em porta  (André Valentim/EXAME.com)

Abdalla Haddad, da Demillus: sucesso de porta em porta (André Valentim/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 30 de janeiro de 2013 às 09h08.

São Paulo - Ao volante de um Gol ano 2002, o pernambucano Severino José Barboza, de 50 anos, cruza diariamente a zona da mata nordestina com o porta-malas abarrotado de calcinhas e sutiãs. Barboza é vendedor de lingerie porta a porta. Há alguns anos, a atividade causava embaraço entre os 50 000 habitantes da cidade de Timbaúba, a 100 quilômetros de Recife, onde mora.

Ele perdeu a conta de quantas vezes deu com a cara na porta porque as potenciais clientes não se sentiam à vontade em comprar roupas íntimas vendidas por um homem. Mas, de uns anos para cá, a coisa mudou. Barboza, que durante boa parte da vida trabalhou em lavouras de milho e feijão, virou o maior vendedor de lingerie porta a porta do país.

Sua estratégia: chegar aos bairros e regiões mais isolados, onde as moradoras não têm acesso fácil a lojas que vendam lingerie. Além disso, ele abriu uma lojinha no centro de Timbaúba e montou uma equipe de 40 pes­soas (que pagam a ele uma comissão de 5% sobre o valor das vendas e o ajudam a se aproximar das clientes mais recatadas).

Com a força das ajudantes, ele vende 700 peças e ganha mais de 2 000 reais por mês — o suficiente para, em agosto, ter mandado a filha de 15 anos estudar inglês no Canadá. “Vendo para gente muito simples, que não comprava lingerie por falta de dinheiro e de opção”, diz Barboza. “A renda melhorou nos últimos anos. E a opção eu ofereço.” 

Seu sucesso é consequência de uma mudança já conhecida: o aumento do poder de compra da população de baixa renda no interior do país. Com mais dinheiro no bolso, milhares de pes­soas passaram a comprar geladeiras, televisores, roupas, biscoitos. E também calcinhas e sutiãs.

Nenhuma empresa apro­veitou esse momento tão bem quanto a DeMillus, fornecedora de Barboza e a maior fabricante de lingerie do país. Nos últimos três anos, a receita da empresa aumentou 40% e deve fechar o ano em 580 milhões de reais — é quatro vezes a expansão média do setor.

Fundada em 1947 pelo empresário carioca Nahum Manela, ela é a marca líder há mais de duas décadas. Em 2002, o fundador, que morreu em julho deste ano, passou o bastão para o vice-presidente, Abdalla Had­dad. Sua viúva e uma das filhas ainda trabalham na empresa.


A DeMillus vende 40 milhões de peças por ano — cerca de 10% do mercado nacional, segundo dados do Instituto de Estudos e Mar­keting Industrial. São 6 500 funcionários e quatro fábricas: três no Rio de Janeiro e outra em Santa Rita, na Paraíba. Mais uma fábrica será inaugurada no primeiro semestre de 2013, no Rio. Em produção, a DeMillus está muito à frente da segunda colocada, a Duloren, com 18 milhões, e da Hope e do grupo Scalina (das marcas Trifil e Scala), cada um com 8 milhões. 

O crescimento recente da DeMillus não é resultado de uma guinada estratégica. A empresa se deu bem ao analisar os movimentos das concorrentes — e ao ficar exatamente no mesmo lugar. Nos últimos anos, Lupo, Hope e Scala, tradicionais fabricantes locais, abriram lojas próprias e passaram a investir pesado em marketing.

A Hope contratou Gisele Bündchen e Juliana Paes como garotas-propaganda. A Lupo contratou Neymar. Quem não seguisse o mesmo caminho, dizia-se, “estava lascado”. Mas a DeMillus continuou a fazer o que fazia desde os anos 80 — fabricar lingerie barata e vender por catálogo, o jeito mais antiquado possível.

“A demanda por esse tipo de produto vem crescendo, especialmente nos estados do Nordeste e na região metropolitana de São Paulo, que responde por 40% de nossas vendas”, diz o presidente Abdalla Haddad. Há quatro anos, a DeMillus contratou uma estilista para rejuvenescer (ou acabar com os 50 tons de bege) suas peças — que ainda são chamadas de bregas pela concorrência.

Puro despeito, segundo os executivos da DeMillus. Desde que lançou uma campanha no programa de Ana Maria Braga, na TV Globo, há quatro anos, o número de revendedores da empresa dobrou e chegou a 160 000 — boa parte deles em cidades onde não há grandes lojas de lingerie e o porta a porta é a melhor opção de compras. 

Como não aderiu à última moda do mercado, a DeMillus também conseguiu evitar um problema que está atingindo todas as concorrentes: o aumento de custos. Além das pioneiras, entre elas Lupo e Hope, recentemente empresas como Puket e Valisere também lançaram suas redes de lojas.

Toda essa turma passou a brigar por poucos espaços comerciais nos shoppings — o que fez o preço do aluguel disparar. Em alguns casos, as empresas são obrigadas a pagar até 5 milhões de reais apenas para se instalar num shopping center. “Com esse preço, é quase impossível recuperar o investimento”, afirma o consultor de varejo Marcelo Cherto. “Há uma guerra entre as marcas por consumidoras e pontos comerciais que só tende a aumentar. E a DeMillus conseguiu ficar de fora.”


Apostar no que está dando certo há décadas tem sido uma fortaleza para a DeMillus. Mas nada garante que colocar todas as fichas nas vendas por catálogo, como vem fazendo até agora, vai continuar a ser um bom negócio para a companhia.

Empresas mais tradicionais desse segmento, como a Natura, estudam há anos formas de entrar no varejo e, com isso, chegar a novos perfis de consumidores. Até porque o mesmo fenômeno que impulsiona as vendas da empresa pode, em pouco tempo, colocar seu negócio em risco.

À medida que aumentam a renda e o emprego formal, menor é a oferta de pessoas a ser recrutadas como revendedoras. Em outra ponta, a expansão de redes como Marisa e Renner para cidades do interior e para a periferia das grandes metrópoles vai oferecer uma nova opção às tradicionais clientes da DeMillus.

“Só vai sobreviver quem vender seus produtos em mais de um canal”, afirma o consultor Marcelo Prado, do Instituto de Estudos e Marketing Industrial. Por enquanto, a DeMillus não tem planos de expandir sua atuação para além dos catálogos. É arriscado demais? A empresa já se recusou a mudar a estratégia antes. Desta vez, é prudente dar à DeMillus o benefício da dúvida.

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