Revista Exame

A festa da galera

Criados na Copa da Alemanha, os Fan Fests são a maior aposta da Fifa para democratizar os mundiais e atrair os jovens que não podem ir aos estádios - e é no Brasil que eles devem virar um negócio lucrativo e milionário

Fan Fest em Berlim, em 2006: cenas de jovens nas ruas forjaram a imagem de um país para se fazer amigos

Fan Fest em Berlim, em 2006: cenas de jovens nas ruas forjaram a imagem de um país para se fazer amigos

DR

Da Redação

Publicado em 7 de março de 2011 às 16h16.

No dia 11 de junho de 2010, quando o juiz apitar o início do primeiro jogo da Copa do Mundo da África do Sul, pelo menos 400 000 pessoas deverão assistir à partida nas ruas de 16 cidades espalhadas pelo mundo. Até a final da Copa, um mês depois, estima-se que mais de 25 milhões terão visto os jogos nos Fan Fests, extensões dos estádios a céu aberto montados pela Fifa em que, além das transmissões das partidas, haverá shows e venda de bebidas, comida e produtos licenciados da Copa.

Criado para o mundial de 2006, na Alemanha, o Fan Fest (ou “festival dos fãs”) é a mais bem-sucedida inovação de marketing da Fifa nos últimos tempos, na opinião de executivos da própria entidade e especialistas consultados por EXAME. Para a Fifa, que tem nos patrocínios sua segunda maior fonte de receitas (a primeira são os direitos de transmissão das Copas), esses eventos são, ao mesmo tempo, um produto promissor e uma oportunidade de ampliar ainda mais o alcance do espetáculo esportivo mais popular do mundo.

O público estimado para os Fan Fests de 2010 é mais de seis vezes o que irá aos estádios. Graças a essa multidão, a Fifa poderá comemorar na Copa da África do Sul a consolidação do evento como negócio e preparar-se para transformá-lo numa fonte de lucros no mundial do Brasil em 2014. "O Fan Fest foi a melhor jogada de marketing da história recente da Copa. Ele atrai gente mais jovem do que os estádios, o que é muito interessante para algumas marcas e para a própria Fifa, que renova seu público", diz o ex-técnico da seleção brasileira de vôlei masculino José Carlos Brunoro, sócio da consultoria esportiva Brunoro Sport Business.

As aglomerações espontâneas para assistir às partidas em locais públicos chamaram a atenção da Fifa na Copa de 2002, dividida entre Coreia do Sul e Japão. Naquele ano, telões montados em praças e parques atraíram milhões de pessoas. No mundial seguinte, a Fifa e o comitê organizador da Copa encamparam a iniciativa, criaram a marca Fan Fest e montaram eventos em 12 locais na Alemanha, usando o logotipo oficial da entidade e dos patrocinadores.

Os jogos foram transmitidos em telões gigantes e assistidos por um total de 18 milhões de pessoas durante um mês. Algumas das empresas que já patrocinavam a Fifa passaram a financiar também os Fan Fests. Segundo o relatório financeiro da entidade sobre a Copa, foram arrecadados ao todo quase 7 milhões de dólares em cotas de patrocínio exclusivo das festas, pagos por Mastercard, Coca-Cola, Hyundai e Toshiba. Todo o dinheiro foi gasto nos eventos, que não deram lucro.

Para a Copa da África do Sul, tudo foi pensado para multiplicar o tamanho e as receitas do Fan Fest. Pela primeira vez haverá eventos fora do país-sede - em Londres, Paris, Sydney, Cidade do México, Berlim, Roma e Rio de Janeiro. Fazer um Fan Fest na próxima Copa também será bem mais caro do que na Alemanha. Só no Rio de Janeiro, serão necessários 25 milhões de reais para receber até 20 000 pessoas por jogo na praia de Copacabana. Todo o dinheiro virá de patrocínio.

Mas o salto na arrecadação deverá ocorrer somente em 2014. Como os contratos de patrocínio da Copa são feitos para ciclos de quatro anos e negociados com pelo menos quatro anos de antecedência, quando o Fan Fest da Alemanha foi concebido, todo o patrocínio para a Copa de 2006 e para a seguinte, de 2010, já estava negociado. Por isso o valor que a Fifa conseguiu arrecadar na Alemanha para as festas foi relativamente pequeno. "Não dá para dizer a um patrocinador que já comprometeu 500 milhões de dólares que ele tem de pagar mais um dinheirão por um evento que ainda não foi testado. Em 2014, a história já será diferente", diz um executivo ligado à organização da festa em 2010. 


O Fan Fest se tornou tão estratégico para a Fifa que a entidade criou uma divisão especial só para organizá-lo. Na Alemanha, 19 000 pessoas foram mobilizadas para montar o evento, que em 2010 ocorrerá em locais cercados, com entrada gratuita e programação para um dia inteiro. As festas passaram a fazer parte das negociações da Fifa com as emissoras que disputam os direitos de transmissão da Copa. Para 2010, as TVs assumiram também o compromisso de cobrir os Fan Fests com entradas ao vivo e imagens dos eventos em outros países.

Antevendo uma proliferação de "Fan Fests do B", a Fifa criou um esquema de proteção de marca que dita regras para todas as transmissões públicas de jogos da Copa. Elas preveem, por exemplo, que nenhuma dessas transmissões pode ter apoio financeiro de concorrentes dos patrocinadores da Fifa ou da Copa do Mundo.

Todos os organizadores das festas precisam ter licença da Fifa, sob pena de ser processados. Considerando o hábito brasileiro de grandes aglomerações para assistir aos jogos da seleção, pode-se prever que os advogados da Fifa terão bastante trabalho por aqui. Vários eventos paralelos já estão marcados para 2010.

O maior deles provavelmente será a tradicional festa do Alzirão, no bairro carioca da Tijuca. Espécie de ancestral do Fan Fest, a festa do Alzirão existe desde os anos 70 e teve seu primeiro telão em 1990. Na última Copa, reuniu 20 000 pessoas para os jogos da seleção brasileira. "Sempre tivemos autorização da TV Globo, que tem os direitos de transmissão, e não pagamos nada", diz o organizador, Ricardo Ferreira. Isso foi antes do Fan Fest. Agora, a Globo informa que até o Alzirão terá de ser autorizado pela Fifa.

Outro evento paralelo, o Festão da Copa, deve acontecer no ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Além de exibir os jogos, terá shows e sorteio de prêmios para 6 000 pessoas, com a cobrança de 45 reais por torcedor. "Os Fan Fests sempre aconteceram de modo informal. Não são invenção da Fifa", diz José Cocco, diretor da J. Cocco Marketing Esportivo, que produz o Festão da Copa e está negociando com a entidade um acordo de licenciamento. Mas não é apenas para as empresas e para a Fifa que o Fan Fest é um bom negócio. Para os países-sede as festas também podem ser uma poderosa arma de propaganda.

As cenas de praças e parques repletos de jovens na Copa da Alemanha foram decisivas para reforçar a imagem de um país bom para se divertir, com um povo alegre e acolhedor. As pesquisas do comitê organizador mostravam que os alemães ainda eram vítimas do estigma de um povo agressor, resquício da Segunda Guerra Mundial.

A Alemanha também era tida como um lugar mais para fazer negócios do que para se divertir. Mirando o potencial de construção de uma imagem global positiva, o Brasil vai aproveitar os Fan Fests já na Copa da África do Sul. O Ministério do Turismo, responsável pela promoção da imagem do país para a Copa de 2014, deixou claro às agências de publicidade que disputam a conta do Brasil que o início da campanha deve ocorrer nos Fan Fests de todo o mundo durante a transmissão da partida final da Copa da África do Sul.

unto com o Ministério dos Esportes, o do Turismo também pretende patrocinar em 2010 eventos semelhantes aos Fan Fests nas 12 cidades que receberão jogos da Copa em 2014. A ideia é usar as festas como piloto e começar desde já a projetar a imagem de um país culturalmente diverso e complexo, com jeito de potência emergente. "Tem gente que ainda pensa que vivemos só de exportar café. A Copa é a nossa maior chance de mudar isso. Vamos começar o quanto antes", diz o ministro do Turismo, Luiz Barreto. Para a alegria da galera. 


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