Sala da Estácio: o novo presidente precisa economizar (Eduardo Monteiro/Exame)
Ana Paula Ragazzi
Publicado em 10 de março de 2017 às 05h55.
Última atualização em 10 de março de 2017 às 12h54.
São Paulo — As festas de fim de ano das empresas costumam dar o que falar. Para tentar limitar os constrangimentos causados pelo excesso de álcool, algumas companhias chegam a divulgar “dicas de comportamento” para o evento, que incluem como se vestir, quais assuntos puxar, quando parar de beber etc. Quando nada disso adianta, tem-se o que aconteceu na confraternização da Estácio, segundo maior grupo de educação do país.
Na noite de 21 de dezembro, num campus da empresa na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, Pedro Thompson, presidente da companhia, subiu ao palco para “falar algumas palavras” e dar início à festa. Quando pegou o microfone diante da plateia de cerca de 700 funcionários, ouviu-se um incômodo grito do fundo do auditório. “Sai daí! Seu lugar não é aí!” Foi um climão. Um vídeo do evento mostra que Thompson seguiu com o discurso, que falava das perspectivas para a Estácio. Mas, no cafezinho dos funcionários do dia seguinte, a história que se contava era que ele teria tentado identificar o autor dos gritos.
O bafafá da festa de fim de ano é uma espécie de símbolo do peculiar momento vivido pela Estácio. A empresa foi vendida para a concorrente Kroton em julho do ano passado. Vendida, em termos. A operação ainda não foi aprovada pelo Cade, órgão federal de defesa da concorrência, e ninguém espera que essa seja uma aprovação simples. É impossível, portanto, dizer com clareza qual o futuro da Estácio, de seus 17 000 funcionários e 503 000 alunos.
Aos 34 anos, Pedro Thompson está sentado na desconfortável cadeira de presidente-tampão da Estácio há sete meses. Ele virou alvo de ataques de profissionais insatisfeitos com sua gestão. Tem recebido e-mails anônimos com críticas, profissionais e pessoais, em que são copiados outros funcionários da Estácio. A juventude, a falta de experiência com o setor e suas primeiras atitudes à frente da empresa, em sentido oposto à gestão anterior, deram origem à discórdia.
Um desses e-mails, a que EXAME teve acesso, diz que Thompson é “odiado por todos na companhia e ridicularizado por quem está a seu lado”. “Estamos trabalhando para não entregar nada, não bater meta. É impossível se motivar escutando seus discursos vazios”, diz o texto. Alguns funcionários resolveram checar a formação acadêmica de Thompson e descobriram que ele não havia completado o curso de administração, iniciado na PUC do Rio de Janeiro. Nos documentos que empresas abertas são obrigadas a enviar à Comissão de Valores Mobiliários contendo um breve currículo de seus principais executivos, porém, constava que ele era formado em administração.
Depois que a informação começou a circular no mercado, os documentos foram alterados e, hoje, Thompson é descrito como empresário. A Estácio afirma que ele foi escolhido pelo conselho por sua trajetória em empresas de renome. Thompson ocupou cargos de diretoria na incorporadora PDG, na área de private equity do banco BTG Pactual e na varejista Leader, quando ela era controlada pelo BTG. Foi para a Estácio em maio de 2016, para ocupar a diretoria financeira, e três meses depois se tornou presidente. A missão de Thompson é manter a empresa preparada para dois cenários. O primeiro, a aprovação da fusão com a Kroton. Nesse caso, o executivo tem de evitar problemas que possam ser vistos pela Kroton como empecilhos para concretizar o negócio.
Finalmente, caso o negócio não seja aprovado, a Estácio tem de estar preparada para viver sozinha. O corte de custos foi sua prioridade, o que assustou os funcionários. Assim que assumiu, Thompson demitiu 125 executivos que faziam parte da diretoria e do segundo escalão da companhia. Também encerrou o departamento de inovação, que incentivava o empreendedorismo dos alunos, mas não gerava lucro. E fechou três campi, que representavam aproximadamente 5% da oferta de cursos da empresa e atendiam cerca de 10 000 alunos. A justificativa para o fechamento foi o alto custo dos aluguéis das unidades. De acordo com a Estácio, todos os alunos foram realocados em unidades próximas.
Quando ainda era diretor financeiro, Thompson liderou uma auditoria que alterou a maneira como a Estácio contabilizava seus novos alunos, o que gerou inimizades com a velha guarda da empresa. No passado, mesmo quem não tinha um contrato assinado com a Estácio poderia ser considerado aluno se manifestasse a intenção de se matricular — por e-mail, por exemplo. A lógica, segundo profissionais da empresa, é que a Estácio lida com a classe C, que precisa ser estimulada para concluir as matrículas. Esses estudantes só eram excluídos da base se não fizessem os pagamentos em até 180 dias.
Thompson passou a contabilizar como alunos só quem assinou o contrato de matrícula — com isso, a companhia retirou quase 15 000 alunos de sua base e teve de registrar uma baixa contábil de 200 milhões de reais, referente a receitas que serão frustradas. Analistas elogiaram a transparência adotada pela Estácio. “O que o Thompson fez foi obedecer às instruções do conselho, em prol de mais governança, transparência e resultados”, diz Chaim Zaher, maior acionista da Estácio, com 11% do capital. Zaher afirma que Thompson foi escolhido para um mandato de transição, até que a empresa seja incorporada pela Kroton. Segundo ele, Thompson foi o único a topar assumir por um curto período de tempo. “A freira que foge do convento não vai falar bem do convento”, diz Zaher, para quem as críticas partem de quem saiu da empresa ou foi demitido pela nova gestão e era alinhado com a administração anterior. Pessoas próximas à Estácio afirmam que uma pesquisa interna mostrou que a satisfação dos funcionários atingiu 74% em março.
Thompson é o quarto presidente da Estácio em nove meses. Logo depois do anúncio da oferta da Kroton, o então presidente da companhia, Rogerio Melzi, pediu demissão por não concordar com o negócio — achava o valor proposto baixo demais. Zaher, então, assumiu o cargo por 20 dias e foi sucedido por Gilberto Castro, ex-diretor de operações da Estácio, que saiu um mês depois alegando motivos pessoais. Thompson passou a ocupar o posto interinamente em agosto — conforme o estatuto da empresa, na ausência de um presidente, o diretor financeiro deve acumular a função. Em setembro, ele foi efetivado no cargo. Estácio, Kroton e Thompson não deram entrevista.
A empresa que pode ser criada pela união entre Kroton e Estácio será uma potência com 1,6 milhão de alunos, receita de 8,2 bilhões de reais, valor de mercado de 20 bilhões de reais e 25% do mercado de educação, conforme dados de 2015 (a segunda do ranking seria a Ser Educacional, que vale 2,2 bilhões na bolsa). -EXAME apurou que executivos de Kroton e Estácio passaram, recentemente, a contar com a possibilidade de o negócio não ser aprovado pelo Cade. A preocupação é a elevada concentração que o novo grupo terá no ensino a distância — a participação de mercado será próxima a 50%.
Quando fez a proposta pela Estácio, a Kroton considerava que o negócio valeria a pena mesmo se tivesse de vender todo o ensino a distância da Estácio. Mas, de acordo com executivos que acompanham o processo, é possível que a empresa tenha de vender também a Uniseb e a Uniderp. No contrato assinado entre Kroton e Estácio uma cláusula permite à Kroton desistir da compra se as exigências do Cade levarem a uma perda de receita igual ou superior a 15% do faturamento total das duas empresas combinadas.
Nas contas de analistas ouvidos por EXAME, a venda das três instituições pode chegar a 18% das receitas. É possível que a Kroton, presidida por Rodrigo Galindo, decida levar a transação adiante mesmo assim, contando com as sinergias que serão geradas. Se o negócio não sair, há investidores interessados em fazer uma nova oferta de compra para a Estácio. O Cade tem até 27 de julho para dar o veredito. Até lá, a Estácio continua no limbo.