Revista Exame

Os estrangeiros voltaram ao mercado de medicamentos

Grupos europeus, americanos e japoneses iniciam operações próprias no Brasil - o segundo mercado de medicamentos que mais cresce no mundo, atrás apenas da China

Devaney Baccarin, presidente da Astellas (ao centro), e sua equipe de diretores

Devaney Baccarin, presidente da Astellas (ao centro), e sua equipe de diretores

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

O paulistano Devaney Baccarin arrumou as malas às pressas para uma viagem inesperada a Chicago, nos Estados Unidos, em maio do ano passado. Na época presidente da subsidiária brasileira da americana Genzyme, uma das maiores empresas de biotecnologia farmacêutica do mundo, ele partiu para uma entrevista com o diretor de negócios responsável pelo continente americano do laboratório Astellas, o segundo maior do Japão. O propósito da viagem era confirmar a proposta feita a Baccarin dois meses antes - comandar a chegada da Astellas ao Brasil. Depois de um acelerado ritual de aprovação na matriz, sobretudo para os padrões japoneses, o executivo assumiu o cargo em julho. A velocidade das mudanças continuou nos meses seguintes. Baccarin teve apenas 90 dias para deixar a equipe redonda. Nesse período, contratou 64 profissionais de empresas tradicionais no país, como as americanas Eli Lilly e Wyeth. Após 11 anos atuando no Brasil em parceria com outros laboratórios, como Eurofarma e Roche, a Astellas finalmente inaugurava uma operação própria no país. "Para 2011, temos dois lançamentos de medicamentos programados e, assim que o investimento for aprovado, buscaremos parcerias com universidades para investir em pesquisas clínicas", diz Baccarin.

O Astellas faz parte de uma nova geração de indústrias farmacêuticas estrangeiras que aportaram no Brasil recentemente. De acordo com a Anvisa, agência reguladora do setor, de 2008 a julho de 2010, foram protocolados 17 pedidos de registros de novos laboratórios. Entre eles, estão a também japonesa Takeda, a espanhola Isdin, a mexicana Genomma Lab, a anglo-americana Shire e a sul-africana Aspen. As recém-chegadas reforçam o time de 100 laboratórios estrangeiros com operações próprias no país - das 20 maiores companhias desse setor no mundo, 16 já estavam no mercado brasileiro. O contexto da chegada dessas empresas é bem diferente daquele que marcou a vinda dos primeiros laboratórios internacionais. (A americana Eli Lilly passou a operar no Brasil em 1944, e a Pfizer, em 1952, época em que o país se destacava por ser eminentemente formado por jovens.) "Além de uma saída para as matrizes, afetadas pela crise global, o Brasil está passando por uma mudança demográfica que favorece o setor: o envelhecimento de sua população", diz Roberto Leuzinger, diretor da consultoria Booz & Company. "É um movimento que não existe nos Estados Unidos e na Europa." O Brasil é hoje o nono maior consumidor de medicamentos do mundo, com faturamento de 27 bilhões de reais em 2009. A previsão é que alcance a sétima posição em quatro anos. Segundo a consultoria IMS Health, mais da metade da expansão global do setor farmacêutico virá dos sete maiores países emergentes do mundo, grupo conhecido como pharmerging ( junção do prefixo "farma" e da palavra "emergente", em inglês) e que inclui o Brasil. "O Brasil é o segundo mercado que mais cresce no mundo, só perde para a China", diz Antônio Britto, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).


A maioria das empresas recém-chegadas acompanhou a evolução do mercado brasileiro a distância, por meio de acordos comerciais com laboratórios locais para a venda de seus produtos. No caso da Astellas, a decisão de vir para cá foi tomada em 2007, depois de um longo planejamento. "Os japoneses chegaram à conclusão de que o mercado oferecia volume suficiente para justificar o investimento numa subsidiária própria", diz Baccarin, presidente da Astellas no Brasil. O mesmo aconteceu com a Isdin, líder em dermatologia na Espanha, que já operava com produtos licenciados para a Medley desde 2002. "Não tínhamos como ficar fora. O Brasil é o terceiro maior mercado de beleza do mundo, só perde para o Japão e os Estados Unidos", diz Jonas Marques, gerente-geral da Isdin no país. Presente na Argentina e no Chile, a Isdin decidiu sua vinda para o Brasil há três anos e meio. De acordo com Marques, as atividades no país só não foram iniciadas antes porque a companhia enfrentou dificuldades burocráticas, como barreiras regulatórias para o licenciamento de produtos. Por ora, seus medicamentos são importados da Espanha, mas a meta da Isdin é desenvolver parceiros locais para produzir aqui e baratear o preço final. "Atualmente, o que custa 1 euro na Europa não sai por menos de 2,2 euros no Brasil", afirma Marques.

Produção local

Algumas empresas já começam a investir não apenas numa equipe comercial própria como também na produção local. Um exemplo é a anglo-americana Shire, que chegou ao Brasil em 2008. Após dois anos contando apenas com uma equipe de vendas, a Shire está construindo um laboratório de controle de qualidade na capital paulista, que deverá ser inaugurado até o início de 2011. Ao mesmo tempo, seus executivos buscaram parcerias com instituições de pesquisa para iniciar a produção de novos medicamentos no país. Até agora, a Shire investiu 20 milhões de reais em sua operação brasileira - a maior parte deles para construir o laboratório e uma estrutura de distribuição no país. Atualmente, o laboratório vende dois medicamentos no país. A expectativa é lançar mais um produto neste ano e outros dois em 2011. "Meu desafio é triplicar o faturamento transformando a subsidiária brasileira na terceira maior operação do mundo", diz Norton Luiz Fortuna de Oliveira, gerente-geral da operação brasileira, que faturou 80 milhões de reais em 2009.


Para ganhar envergadura rapidamente, algumas companhias optaram por um atalho - as aquisições. É o caso da Aspen, maior fabricante de medicamentos do continente africano, com sede na África do Sul. Ao chegar ao mercado brasileiro, em 2008, de uma só vez, a companhia fez uma associação com o grupo Strides Arcolab, um dos maiores exportadores de produtos farmacêuticos da Índia (com operações no Brasil desde 2002), e adquiriu a Cellofarm, empresa brasileira de medicamentos similares focada na venda para hospitais. Na busca por escala, a Aspen também comprou medicamentos tradicionais no mercado local, como o Aldomet, produto para hipertensão da Merck Sharp. Em 2009, adquiriu 17 produtos fitoterápicos da brasileira Ativus e, neste ano, outros quatro do laboratório Hebron. Meses atrás, já com um portfólio respeitado, a Aspen passou a reforçar sua atuação no varejo.

Sua equipe de promotores dobrou, passando de 17 para 34 pessoas, que mensalmente visitam mais de 4 000 médicos em várias capitais do país. Dez executivos foram contratados para cargos de gerência a fim de ampliar a coordenação de suas atividades em todas as regiões brasileiras. Em dois anos de operação, o faturamento da Cellofarm cresceu mais de 200%. "Nossa previsão é fechar 2010 com vendas na casa dos 200 milhões de reais", diz Alexandre França, diretor comercial da Aspen no Brasil. Nas categorias de fitoterápicos, a companhia já ocupa a quarta posição. O caso da Aspen não é único. Nas 468 categorias analisadas pela consultoria IMS, companhias que chegaram ao país nos últimos três anos estão entre as dez maiores em três delas. Nada mal para quem está apenas começando.

Acompanhe tudo sobre:BiotecnologiaEdição 0977FarmáciasGlobalizaçãoInvestimentos de empresasSetor farmacêutico

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025