Revista Exame

Está errado, ministro

Não, um ministro de Estado não deve contratar a empresa na qual trabalha seu filho. Que tal tentar?

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

O episódio que acaba de vir a público em torno de um contrato firmado entre a Empresa Brasil de Comunicação, estatal vinculada ao Ministério da Comunicação Social, e uma empresa privada de São Paulo oferece a todos uma bela oportunidade de refletir sobre a quantas andamos, no Brasil de hoje, em matéria de usos e costumes correntes na máquina administrativa deste país. Recomenda-se, para o melhor proveito da discussão, que o caso seja examinado com serenidade; falar em voz alta, em qualquer dos lados dispostos a debatê-lo, não vai dar mais razão a ninguém. Não se trata, na verdade, de um confronto entre legalidade e ilegalidade ou sobre o que é lícito e o que é ilícito. A rigor, não é nem uma questão de moralidade ou, com desculpas pela utilização de uma palavra cada vez mais barata, de "ética". É, apenas, um conflito entre visões diferentes que se pode ter a respeito do certo e do errado.

Os fatos, divulgados pelo jornal O Estado de S. Paulo na semana passada, são bem conhecidos. A EBC, empresa estatal que opera a TV Brasil, ou "TV Lula", desde o final de 2007, assinou um contrato no valor de 6,2 milhões de reais com a Tecnet Comércio e Serviços Ltda., empresa ligada à Rede TV!, para que esta passasse a cuidar de seu sistema de arquivos digitais; a escolha se fundamentou numa concorrência realizada em 30 de dezembro de 2009, e na qual a Tecnet apresentou um preço inferior ao da única adversária que teve na disputa. O presidente do Conselho de Administração da EBC é o jornalista Franklin Martins, ministro da Comunicação Social do governo. O filho do ministro, Cláudio Martins, trabalha há dois anos na Tecnet como representante comercial. A questão, em toda a sua simplicidade, começa e termina aí: quem paga, com dinheiro do Erário, é a empresa estatal presidida pelo pai ministro; quem recebe é a empresa particular que emprega seu filho vendedor. Pode ou não pode? Uma nervosa e densa discussão se levantou de imediato a respeito, com argumentos envolvendo editais, condições da concorrência, preço, termos do contrato, direito ao trabalho, qualificação técnica da empresa contratada e tudo o mais que se possa imaginar.O que ficou em segundo plano foi outra pergunta: um ministro de Estado deve ou não deve admitir que seja feita'uma coisa dessas? O verbo "dever", aí, aparece não no sentido'de obrigação, mas para indagar se o comportamento das partes foi ou não adequado — e se o contribuinte não teria o direito de esperar outra postura de um ministro cujo salário é pago por ele. Essa é a questão real.

É dela, porém, que menos se fala. O que está em julgamento não é a integridade do ministro. O que se discute não é se ele foi imparcial, tomou uma atitude legítima ou respeitou os estatutos do serviço público. Não interessa, igualmente, saber se seu filho é ou não um profissional competente, se a empresa em que trabalha é a melhor do mercado, ou a única, e se o governo fez um grande negócio contratando os seus serviços. Não vem ao caso, para os propósitos específicos do debate em curso, nem mesmo questionar o desempenho da TV Brasil ou a utilidade de colocar dinheiro público, de qualquer montante, em cima do que é um dos mais espetaculares desastres da presente administração federal — em quase três anos no ar, a "TV Lula" não conseguiu sair das vizinhanças do zero em termos de audiência, vai custar a quem paga impostos perto dos 450 milhões de reais em 2010 e acabou se tornando apenas mais um cabide de empregos neste Brasil para todos. A questão que não vai embora é aquela que aparece no início da página: o que foi feito está certo ou errado?

Tudo o que se consegue, aí, são opiniões. A que vai aqui é a seguinte: está errado. Uma empresa onde trabalha um filho de ministro não deve, simplesmente, fazer qualquer negócio com o governo. Paciência. Milhões de brasileiros ganham a vida sem receber um único centavo que venha do Erário. É só juntar-se a eles.

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